03 Agosto 2024
"Um ataque em grande escala do Irã e do Líbano seria uma guerra aberta e um sinal verde para aquela parte dos aparatos israelenses que interpretaram o 7 de outubro como o dia do acerto de contas, evocando categorias bíblicas como a batalha de Gogue e Magogue", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 01-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O assassinato do líder da ala política do Hamas, Ismail Haniyeh, abre novos cenários para a expansão do conflito no Oriente Médio, com Israel sendo conduzido pela estratégia do vale-tudo.
Ou o Irã e seus representantes acusam o golpe e fingem que nada aconteceu, ou vamos para o confronto entre Gogue e Magogue, que tanto foi desfraldado por uma parte da liderança judaica após o dia 7 de outubro.
A verdadeira vítima do assassinato de Ismail Haniyeh, figura importante da ala política do Hamas com sede no Catar, é o Irã. Teerã sai humilhado por um punhado de dias em que Israel, voltando à linha de ataques direcionados que sempre distinguiu sua ação militar, destruiu o porto de Hodeida, no Iêmen (de acordo com a inteligência israelense, um porto de chegada dos suprimentos de armas enviados pelo governo dos aiatolás), matou o número dois do Hezbollah, Fuad Shukr, invadindo Beirute, e agora, precisamente, a morte de Ismail Haniyeh justamente na capital iraniana, onde lhe deveriam ter garantido a máxima segurança.
Não é simples decifrar o envolvimento estadunidense, onde Beirute já havia sido indicada como uma linha vermelha intransponível. No entanto, é difícil pensar que a IDF poderia ter agido sem a aprovação do aliado mais próximo, que não é impossível que tenha dado sinal verde ao governo israelense em troca de uma abertura para as tratativas em andamento para um cessar-fogo permanente em Gaza.
Uma forma de dar a Netanyahu um elemento para dizer missão cumprida a uma sociedade civil ainda mais polarizada pelas horríveis denúncias de tortura contra prisioneiros palestinos que chegam da prisão de Sde Teiman, agora definida como a Abu Grahib israelense. Notícias que circulam em Israel há meses, obrigando a IDF a abrir uma investigação interna. Para além da retórica, muitos comemorarão a morte de Haniyeh.
Em primeiro lugar, os governos nacionalistas árabes, que veem como algo pior que fumaça nos olhos a galáxia de grupos fundamentalistas emanação da Irmandade Muçulmana, que há tempo gravitam na órbita iraniana.
Dinâmica profundamente enraizada, se for verdade que essas mudanças começaram após a revolução khomeinista de 1979, momento de virada no qual o xiismo político do líder iraniano começou a exercer uma força atrativa sobre as massas sunitas. Primeiro resultado: a ocupação da Grande Mesquita de Meca liderada por Juhayman al-'Utaybi alguns meses após a queda do Xá.
Riad, Cairo, Amã, Bahrein e os Emirados Árabes Unidos parecem obrigar cada vez mais Israel a fazer o trabalho sujo que, para eles, é como um “gostaria, mas não posso”. Eles também não derramarão lágrimas na Cisjordânia, onde uma Autoridade Nacional Palestina forçada por uma crise irreversível de legitimidade estava se curvando a uma aproximação forçada com o grupo que a expulsou da Faixa de Gaza no distante 2007. Agora, após os gritos de indignação de praxe, tentará recuperar cotas, fazendo com que a estratégia de ataque do Hamas seja considerada perdedora desde o início. Abu Mazen tentou várias vezes nos últimos meses, mas sem nunca encontrar o consenso necessário. Também não será bem-sucedido desta vez; no máximo, o efeito será o naufrágio imediato da desajeitada tentativa chinesa de pacificação entre as facções palestinas, que basicamente foi feita mais em chave antiestadunidense.
As verdadeiras incógnitas são, precisamente, o Irã e o Hezbollah, que não podem se eximir de alguma forma de resposta, mas qual? Um ataque direto ao Estado israelense, como o de abril passado, que serviu mais para o Tsahal como uma oportunidade oferecer um fascinante espetáculo pirotécnico ao público internacional, correria o risco de acentuar seu sentimento de humilhação no exato momento em que seu novo líder, Pezeshkian, está assumindo o cargo. Com o problema adicional de se mostrar fraco diante de revoltas internas.
Um ataque em grande escala do Irã e do Líbano seria uma guerra aberta e um sinal verde para aquela parte dos aparatos israelenses que interpretaram o 7 de outubro como o dia do acerto de contas, evocando categorias bíblicas como a batalha de Gogue e Magogue. Coisas que sempre têm uma certa eficácia no Oriente Médio.
Nesse cenário, que certamente também não é um passeio no parque para o Estado judeu, Teerã provavelmente sairia perdendo, com consequências diretas para todas as suas milícias regionais e para o próprio destino da República Islâmica. A China e a Rússia também seriam gravemente prejudicadas, e justamente por esse motivo, tentarão conter a resposta iraniana, desempenhando o papel que os estadunidenses assumiram do outro lado da barricada. Em suma, navega-se sem instrumentos, como é praxe em um mundo onde as antigas linhas vermelhas não se sustentam mais sem que novas sejam traçadas.
Leia mais
- Morte de líderes do Hamas e Hezbollah gera temor de escalada
- O principal líder político do Hamas, Ismael Haniya, assassinado no Irã
- Hezbollah entre luto, vingança e mediação. Artigo de Riccardo Cristiano
- Israel à beira de guerra total contra o Hezbollah
- Haia: “É ilegal a ocupação dos Territórios”. Um drone dos Houthis mata em Tel Aviv
- Beirute, o patriarca dos maronitas: “O Hezbollah apoia Gaza, mas o faz às custas do Líbano”. Entrevista com Béchara Butros Raï
- Os temores do Papa sobre a guerra no Líbano
- “O Líbano será o novo front e corre o risco de pagar o preço mais alto”. Entrevista com Mohanad Hage Ali
- Israel poderá continuar devastando Gaza e atacando o Líbano com o aval e assistência militar dos Estados Unidos.
- A loucura de Netanyahu é a guerra mundial. Artigo de Gad Lerner
- Santa Sé: por um Líbano multiconfessional. Artigo de Riccardo Cristiano
- Diário de Guerra (59) Parolin no Líbano. Artigo de Riccardo Cristiano
- Netanyahu perante o Tribunal Penal Internacional: o que pode acontecer se ele for acusado de crimes de guerra em Gaza?
- A condenação internacional do genocídio tem alguma utilidade?
- A ONU acusa Israel de cometer crime de guerra
- Um bombardeio israelense mata sete trabalhadores da World Central Kitchen, ONG que atua em Gaza
- A arma da fome. Artigo de Francesca Mannocchi
- A fome como instrumento de guerra: o risco de uma catástrofe global
- Secretário-geral da ONU pede investigação independente sobre valas comuns em Gaza
- Gaza, em 6 meses de conflito, uma criança morreu a cada 15 minutos
- Uma a cada três crianças sofre de desnutrição em Gaza, enquanto Israel mata trabalhadores humanitários que trazem alimentos
- Gaza recebe menos de metade da ajuda humanitária necessária para evitar a fome
- Barcos com ajuda humanitária para população de Gaza acusam Israel de impedir saída
- Instruções para resistir: a Flotilha da Liberdade que pretende chegar a Gaza treina para abordagem do exército israelense
- A Flotilha da Liberdade acusa Israel de impedir sua partida em uma nova tática de pressão
- “A banalização de um genocídio é de uma desumanização atroz”. X-Tuitadas
- Protestos entre empregadas das big tech diante da cumplicidade do Google com o genocídio israelense na Palestina
- IHU Cast – Israel e o genocídio em Gaza
- “O mundo está cansado destas besteiras imperialistas ocidentais, das máquinas de morte e do genocídio”, diz Susan Abulhawa
- “O limiar que indica a prática do genocídio por Israel foi atingido”
- A tragédia de Gaza, isto é um genocídio
- Oxfam acusa Israel de não tomar todas as medidas ao seu dispor para prevenir o genocídio
- “O mundo inteiro faz parte deste crime ao apoiar o genocídio e a limpeza étnica na Palestina”
- Unicef: “Mais de 13.800 crianças mortas em Gaza”
- “Seis meses de guerra, 10 mil mulheres palestinas em Gaza foram mortas, cerca de seis mil mães,19 mil crianças órfãs”
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O assassinato de Haniyeh em Teerã humilha e enfraquece o Irã. Artigo de Davide Assael - Instituto Humanitas Unisinos - IHU