16 Abril 2024
A irracionalidade orienta as escolhas dos regimes teocráticos e surpreende as nossas previsões ocidentais. Têm uma capacidade absoluta de violência contra as revoluções internas que define como insurreições contra Deus.
A opinião é de Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 14-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Loucos? Suicidas? Fanáticos? Aspirantes a um colossal martírio coletivo, a um fim escatológico da História da qual emerja com o fórceps da guerra o século de Deus? Talvez na forma como analisamos, manejando o nosso pragmatismo, as escolhas dos países e de movimentos que não são Ocidente, especialmente aqueles que misturaram a política e Deus num composto mortal e assim conquistaram o poder, negligenciamos levar em conta como agem as paixões violentas, o irracional.
Atenção, declive perigoso.
Para nós são insurgências diabólicas e descentralizadas do islamismo fanático, sunita ou xiita, não fazemos diferenças. E se fosse justamente essa irracionalidade a maneira com que, Irã ou Califado, se definem como Outro, como radicalidade absoluta que na sua realização é a própria razão de existir? Esse niilismo ativo e violento que para nós, hedonistas cansados dos contrapesos e das hierarquias de utilidade parece insano, não é o próprio sentido da sua sobrevivência, em que se impõem e se expõem? Proclamam o seu próprio poder e, ao mesmo tempo, sua própria vulnerabilidade? Israel conhece bem os inimigos ao seu redor. Ao desafiar os aiatolás com o ataque em Damasco, ao humilhá-los diante dos seus aliados súditos, não quis justamente forçá-los a desencadear aquela Grande Guerra do Oriente Médio em que Netanyahu espera encontrar o atalho para sair do impasse de Gaza?
E se os aiatolás, e sobretudo os pasdaran que sob a sua cobertura teológica exercem o verdadeiro poder, aquele da força e do dinheiro, tivessem simplesmente aproveitado uma oportunidade? Na desordem do século desencadeada pelo seu aliado Putin, é possível ousar o que até dois anos atrás era demasiado perigoso, impossível. Num caos em que já não se poupa mais a guerra, acreditam que é possível atacar Israel e depois ditar-lhes as regras: missão terminada, agora ficamos quites...
Enquanto os drones iranianos voavam em direção a Israel e declaravam a guerra aberta e direta entre os dois verdadeiros, grandes inimigos do Oriente Próximo, a questão é: por que essa escolha? Afinal, Teerã já tinha ganho bastante ao tornar a derrota de Israel de 7 de outubro, diante do Hamas, irremediável porque destruiu o mito fundador da sua inviolabilidade. Não tinha nenhum interesse em deixar a confortável posição de diretor oculto. A passagem do tempo, seis meses de massacre, com o progressivo isolamento de Israel e a manifesta impotência do quinto exército do mundo para alcançar o incauto nível da vitória, aniquilar o Hamas, que o estado judeu havia se fixado, já era uma preciosa vitória estratégica contra o "Pequeno Satanás" do Oriente Médio que os aiatolás prometeram cancelar. Não menos exaltada a demonstração de impotência do Grande Satanás estadunidense atordoado em uma humilhante negociação com o primeiro-ministro israelense para convencê-lo a não exagerar em Gaza. Rasgando o véu sobre a realidade: Washington não consegue mais ditar ordens nessa zona do mundo nem sequer ao seu principal aliado.
Portanto esperar, protelar, no máximo utilizar os peões da grande crescente xiita que o Irã costurou pacientemente, os iraquianos, Bashar e a sua seita síria, mantido no poder e agora vassalo, o Hezbollah libanês, cuja existência sem os aiatolás e os guardiões da revolução não duraria um dia, para desferir alguns golpes em Israel, lançamentos de foguetes, incursões de comandos terroristas. E assim acertar as contas pelo assassinato dos comandantes da Guarda da revolução em Damasco sem riscos. Mas…
Deixamos o Irã enfraquecido pelas sanções internacionais (mas, da mesma forma que a Rússia, esse instrumento de punição ocidental ainda é eficaz sobre os renitentes?) minado na base pela rebelião heroica das suas jovens gerações. Em última análise, um Estado vilão: bastava ter paciência para festejar o fim do sonho teocrático de Khomeini no convulsivo final do breve século. Não levamos em conta que as teocracias têm uma capacidade de violência absoluta contra as revoluções internas que podem demonizar como insurreições contra Deus e aniquilá-las é uma terapia necessária para erradicar a heresia. E sobretudo que uma guerra, uma guerra contra o Inimigo por definição, Israel, é um suculento nirvana para desviar os problemas internos, tornando toda dissidência, mesmo a mais justificada, uma simples “traição”.
Teerã estava empenhada numa luta sutil contra o tempo, prolongando o confronto com o Ocidente num plano verbal até que o verdadeiro objetivo da estratégia dos aiatolás atingisse o seu ponto sem retorno, a posse da arma atômica, que garantiria a impunidade absoluta a qualquer delito. Poderá o ataque a Israel significar que a arma atômica que se supunha ainda distante já está no seu arsenal?
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A vingança de Teerã. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU