24 Outubro 2025
A Catedral de São José, em Wamba, normalmente lugar de recolhimento e celebração, ressoou, na sexta-feira, com um eco completamente diferente.
A reportagem é de Yanick Nzanzu Maliro, publicada por Settimana News, 22-10-2025.
Nesse dia, rostos tensos e olhares sérios acompanharam a missa celebrada pelo cardeal Fridolin Ambongo. O arcebispo de Kinshasa, enviado especial do papa Leão XIV, veio tentar apaziguar uma crise eclesial de rara intensidade, que há meses sacode a diocese de Wamba, no nordeste da República Democrática do Congo.
Desde a nomeação de Dom Emmanuel Ngona Ngotsi como bispo de Wamba, em 17-01-2024, surgiu uma forte oposição entre o clero local e os fiéis. Estes, que exigem com veemência a nomeação de um “filho da terra”, contestam energicamente essa designação, recusando-se a permitir que o bispo tome posse de sua sé episcopal.
A situação criou um verdadeiro bloqueio, mergulhando a comunidade católica local em um impasse que nem mesmo o Vaticano pode ignorar.
Uma mediação sob alta tensão
A chegada do cardeal Ambongo marcou uma virada nesse conflito. A missa que encerrou sua estadia de dois dias na diocese foi muito mais do que um ato litúrgico: tratou-se de uma autêntica sessão de mediação pública, na qual ele lançou uma mensagem tanto pastoral quanto política.
“Tudo depende agora de vocês, sacerdotes de Wamba, para que se encontre uma solução positiva”, afirmou com gravidade. O ultimato foi claro: cabe agora aos sacerdotes locais decidir se desejam dar um passo em direção à reconciliação ou persistir na ruptura.
O cardeal também recordou com firmeza as regras canônicas: para que um bispo possa ser transferido ou destituído de suas funções, é necessário que ele primeiro tome posse canônica de sua diocese. Em outras palavras, qualquer discussão sobre a saída de Dom Ngona Ngotsi é juridicamente impossível enquanto sua nomeação não for reconhecida oficialmente.
Uma crise de múltiplas raízes
Embora o rejeito a Dom Ngona Ngotsi pareça direto, está longe de ser apenas doutrinal. Por trás das aparências, o conflito revela tensões muito mais profundas. Fatores étnicos, sociais e políticos parecem alimentar uma desconfiança antiga entre certas comunidades locais e o novo prelado.
Esses elementos, frequentemente omitidos nos discursos oficiais, emergem nas reações dos fiéis, alguns dos quais não hesitam em se declarar “traídos” ou “ignorados” pela Igreja universal.
A situação evidencia uma dificuldade estrutural da Igreja Católica no Congo: como conciliar a universalidade da instituição com as realidades locais, às vezes marcadas por uma forte sensibilidade identitária?
A nomeação de um bispo não pode ser reduzida a uma simples questão administrativa — ela envolve um vínculo de confiança entre o pastor e o seu povo. Quando esse vínculo se rompe, toda a missão evangelizadora vacila.
Uma Igreja em busca de unidade
Diante do impasse, o cardeal Ambongo procurou traçar um caminho. Sua mensagem foi lúcida e firme: mostrou-se disposto a ouvir as queixas dos fiéis, mas com a condição de que o processo de nomeação fosse respeitado até o fim.
“Não se pode administrar os assuntos da Igreja como os da cidade”, advertiu, criticando duramente as tentativas de politização dos debates religiosos. A Igreja Católica, afirmou, tem suas próprias regras, que devem ser conhecidas e respeitadas pelos próprios sacerdotes, chamados a guiar os fiéis na fé, não a fomentar divisões.
O desafio é enorme. Pois, além da figura de Dom Ngona Ngotsi, está em jogo a unidade da Igreja congolesa. Em um país devastado por décadas de conflitos, divisões étnicas e desconfiança nas instituições, a Igreja continua sendo um dos poucos pilares sociais ainda de pé. Qualquer fratura interna ameaça diretamente esse frágil equilíbrio.
E agora?
A intervenção do cardeal Ambongo teve o mérito de colocar os termos do debate: respeito pelos procedimentos, apelo à paciência, mas também abertura para uma solução, desde que as condições canônicas sejam cumpridas. Uma mão estendida, portanto, mas dentro dos limites rigorosos do direito eclesial.
Resta saber se os sacerdotes e fiéis de Wamba aceitarão dar esse passo. O clima continua tenso, e algumas vozes seguem rejeitando categoricamente a instalação de Dom Ngona Ngotsi. Para muitos, a missa de 17 de outubro não foi suficiente para acalmar os ânimos.
Mas uma coisa é certa: a Igreja só poderá sair fortalecida dessa provação se assumir um verdadeiro diálogo, enraizado na fé, na verdade e no respeito mútuo. O caminho da reconciliação ainda é longo, mas talvez tenha começado com essa missa em Wamba, uma hora da verdade em que a Igreja se olha no espelho e reconhece suas próprias fragilidades.
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