“Dilexi te”: o prólogo do Papa Leão. Artigo de Lorenzo Prezzi

Foto: Wikimedia Commons | Edgar Beltrán

09 Outubro 2025

"Os direitos fundamentais não são negociáveis. A atenção às camadas mais vulneráveis e seu protagonismo são condições para o desenvolvimento da sociedade e para um verdadeiro enriquecimento da humanidade como um todo."

O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 09-10-2025. 

Eis o artigo.

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Assinada em 4 de outubro e publicada em 9 de outubro, a exortação apostólica Dilexi te é a última palavra de Francisco e a primeira de Leão. Além do título que remete à encíclica Dilexit nos sobre o culto ao Sagrado Coração, a continuidade é significativa pelo tema e pelo conteúdo: “o amor pelos pobres”.

Retomar a opção pelos pobres de seu predecessor constitui um sinal preciso da vontade e da orientação do Papa. “Tendo recebido como herança este projeto, fico feliz em torná-lo meu — acrescentando algumas reflexões — e em propô-lo novamente no início do meu pontificado, compartilhando o desejo do amado predecessor de que todos os cristãos possam perceber o forte vínculo que existe entre o amor de Cristo e o chamado a nos fazermos próximos dos pobres” (n. 3).

O texto tem 42 páginas, 121 parágrafos e 5 capítulos com os seguintes títulos:

A decisão de retomar ou não um esboço de documento do predecessor variou ao longo da história. Pio XII deixou na gaveta a primeira versão de uma encíclica de Pio XI contra o racismo, o antissemitismo e o totalitarismo do nazismo alemão, intitulada provisoriamente Humani generis unitas. Elaborado por alguns jesuítas (John LaFarge, Gustav Grunlach, Gustave Desbuquois), o documento não se tornou magistério por causa da posição que o Papa Pacelli desenvolveu diante dos totalitarismos de seu tempo.

Por outro lado, o Papa Francisco assumiu o esboço da encíclica Lumen fidei, que teria sido a quarta do pontificado de Bento XVI após aquelas dedicadas à doutrina social, à caridade e à esperança. Uma continuidade que depois foi atravessada por significativos elementos de descontinuidade expressos claramente na Evangelii gaudium, seu documento programático.

O Papa Leão define o texto como “exortação apostólica” e, como bom jurista, distingue-o da forma mais autoritativa da encíclica, à qual confiará sua linha de governo. No entanto, a continuidade nos temas fundamentais, a partir da opção preferencial pelos pobres, parece indicar que a Dilexi te constituirá uma introdução coerente com as diretrizes seguintes.

Apelo ao testemunho

A centralidade dos pobres no anúncio e na prática cristã retorna com força em muitos trechos da exortação. Com a encarnação de Jesus, pode-se “falar teologicamente de uma opção preferencial de Deus pelos pobres” (n. 16). Toda a Escritura testemunha isso. “É inegável que o primado de Deus no ensinamento de Jesus se acompanha de outro ponto firme: não se pode amar a Deus sem estender o próprio amor aos pobres” (n. 26). “É necessário afirmar sem rodeios que existe um vínculo inseparável entre nossa fé e os pobres” (n. 36).

Não se trata apenas de uma questão social: é um ponto nodal da natureza cristocêntrica da doutrina cristã (n. 84). De fato, “a opção preferencial pelos pobres por parte da Igreja está inscrita na fé cristológica que levou Deus a se fazer pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza” (n. 99). “A realidade é que os pobres, para os cristãos, não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo” (n. 110). “Não estamos no horizonte da filantropia, mas da revelação: o contato com quem não tem poder e grandeza é um modo fundamental de encontro com o Senhor da história” (n. 5).

A pobreza tem muitas formas e especificações. Suas modalidades mudam ao longo da história, e a resposta estará sempre aquém das necessidades. Mas para a Igreja é uma questão de fidelidade ao Evangelho. “O fato de que o exercício da caridade seja desprezado ou ridicularizado, como se fosse uma fixação de alguns e não o núcleo incandescente da missão eclesial, me faz pensar que é preciso reler sempre de novo o Evangelho, para não correr o risco de substituí-lo pela mentalidade mundana” (n. 15).

Encontra-se aqui também uma resposta clara às declarações do vice-presidente dos Estados Unidos, o católico JD Vance, que havia evocado a doutrina agostiniana do Ordo amoris para justificar como “visão cristã” a agressiva eliminação ou suspensão de quase todos os programas de ajuda externa dos EUA e as deportações de imigrantes ilegais pelo governo Trump. Já em janeiro de 2025, o então cardeal Prevost interveio com a autoridade de estudioso de Agostinho para refutar tal pretensão, à qual o Papa Francisco se opôs em sua carta aos bispos dos EUA (10 de fevereiro de 2025).

A atenção aos pobres é ainda condição de toda possível reforma da Igreja: “Estou convencido de que a opção prioritária pelos pobres gera uma renovação extraordinária tanto na Igreja quanto na sociedade, quando somos capazes de nos libertar da autorreferencialidade e conseguimos ouvir seu clamor” (n. 7).

O alerta ressoa fortemente contra aquelas sensibilidades religiosas que pretendem ignorar o serviço aos pobres: “Por vezes se nota, em alguns movimentos ou grupos cristãos, a carência ou até mesmo a ausência de compromisso com o bem comum da sociedade e, em particular, com a defesa e promoção dos mais fracos e desfavorecidos. A esse respeito, é preciso lembrar que a religião, especialmente a cristã, não pode ser limitada ao âmbito privado, como se os fiéis não devessem se preocupar também com problemas que dizem respeito à sociedade civil e aos acontecimentos que interessam aos cidadãos” (n. 112). Trata-se de verdadeira mundanidade disfarçada de prática religiosa.

Denúncia ao sistema – ainda que indireta

Em comparação com a oposição aberta ao sistema neoliberal e tecnocrático presente no magistério de Francisco, a palavra de Leão se detém antes. No esforço de evitar rupturas e confrontos, recua um passo, acreditando que a eficácia do testemunho pode superar rigidezes ideológicas e preconceitos infundados.

Mas a denúncia está longe de ser apagada. O acúmulo de riqueza, o sucesso social e o isolamento defensivo de poucos privilegiados são contrários ao Evangelho (n. 11). “A riqueza aumentou, mas sem equidade, e assim surgem novas pobrezas” (n. 13). A pobreza não é uma escolha nem um destino. É uma questão estrutural. “É, portanto, necessário continuar denunciando a ditadura de uma economia que mata e reconhecer que, enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria se afastam cada vez mais do bem-estar dessa minoria feliz. Esse desequilíbrio decorre de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de zelar pelo bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe de forma unilateral e implacável suas leis e regras” (n. 92).

Não é aceitável que, diante das necessidades dos pobres, a resposta seja adiada para um futuro indefinido, sem tocar hoje nas “estruturas de pecado”. “Apresenta-se como escolha razoável organizar a economia exigindo sacrifícios do povo, para alcançar certos objetivos que interessam aos poderosos” (n. 93).

Os direitos fundamentais não são negociáveis. A atenção às camadas mais vulneráveis e seu protagonismo são condições para o desenvolvimento da sociedade e para um verdadeiro enriquecimento da humanidade como um todo.

Uma história ininterrupta

Na exortação há uma atenção especial à vida consagrada e à recuperação de algumas dimensões tradicionais do serviço aos pobres. A reconstrução da história da assistência aos pobres pela Igreja começa com os textos bíblicos (Antigo e Novo Testamento) e com os Padres da Igreja (Inácio de Antioquia, Justino, Crisóstomo, Agostinho etc.) e se desenvolve através dos fundadores dos mosteiros e da vida religiosa: de Basílio a Bento, de Cassiano a Camillo de Lellis, das irmãs vicentinas às irmãs hospitalares, dos mercedários aos trinitários, de Francisco e Clara a Domingo, de Calasanzio a La Salle, de Dom Bosco a Rosmini, de Scalabrini a Cabrini.

É uma cascata de nomes, famílias religiosas e monásticas e novos serviços (pobres, doentes, escravos, ignorantes, migrantes, refugiados etc.) que compõem o tecido de uma Igreja da caridade que chega até hoje: Teresa de Calcutá, Menni, de Foucauld, Emmanuelle, a Caritas e os movimentos populares. Uma história comovente, talvez até excessivamente coesa, confiada mais às intuições carismáticas do que às estruturas eclesiásticas.

Para os séculos mais recentes, há o fio condutor da doutrina social, com a retomada de suas principais encíclicas e da constituição conciliar Gaudium et spes. A referência ao célebre discurso de João XXIII um mês após a abertura do Concílio (“A Igreja se apresenta como é e como quer ser: a Igreja de todos e, particularmente, a Igreja dos pobres”) e à intervenção do cardeal Giacomo Lercaro na assembleia (“O mistério de Cristo na Igreja sempre foi e é, mas hoje é de modo particular, o mistério de Cristo nos pobres”) revela as profundas raízes da formação de Leão.

A onda latino-americana

É muito reconhecível a dívida do pontífice com sua atuação na Igreja peruana e no contexto latino-americano. Isso aparece na lembrança das grandes assembleias continentais, em particular Medellín (1968), Puebla (1979) e Aparecida (2007): uma doutrina criativa “que foi bem integrada no magistério posterior da Igreja” (n. 16).

A citação do martírio de Oscar Romero e o destaque à pastoral das cidades acompanham a valorização dos movimentos populares, característica do Papa Francisco. Também a referência ao contato, ao encontro e à identificação com o gesto da esmola como fonte de alimentação da pietas na vida social remete a essa raiz. “Sem gestos pessoais, frequentes e sentidos, nossos sonhos mais preciosos ruirão. Por essa simples razão, como cristãos, não abrimos mão da esmola” (n. 119).

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