Confissão e seus segredos. Artigo de Lorenzo Prezzi

Foto: Unsplash

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

27 Mai 2025

"Recuperar a estrutura processual do sacramento, devolver à elaboração da pena o seu próprio espaço intransponível e reabrir o diálogo com a longa tradição do sacramento beneficiaria a discussão sobre a obrigação do segredo. Assim como a abertura ao 'terceiro rito', felizmente experimentado durante a Covid, seria benéfica", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 26-05-2025.

Eis o artigo.

A questão do segredo a que está obrigado o confessor volta a inquietar as consciências dos fiéis e dos legisladores. Após o discurso da Comissão Real, alguns estados australianos deslegitimaram o sigilo da confissão diante da emergência do abuso infantil. O debate foi aberto na Irlanda, França e Espanha.

Alguns estados dos EUA tentaram legislar sobre o assunto. A legislação sobre essa questão chegou à legislatura estadual em Washington. No início de maio, foi aprovado o projeto de lei 5.375, que prevê a ausência de reconhecimento legal do segredo sacramental. Aprovado por 64 votos a 31, o texto, segundo seu proponente, o democrata Bob Ferguson, pretende proteger em primeiro lugar as crianças e, de forma mais geral, toda a cidadania.

A controvérsia surgiu imediatamente. Reconhece-se na lei uma contradição intolerável porque, ao mesmo tempo que garante o sigilo a outras figuras profissionais, nega-o aos sacerdotes católicos, únicas figuras eclesiásticas que estão vinculadas ao dever de silêncio no contexto das religiões.

Segundo, a lei violaria um artigo fundamental da Constituição dos EUA que garante a liberdade de religião. Há uma longa tradição jurídica a esse respeito que remonta a 1813. O Departamento de Justiça federal já expressou sua preocupação, e Harmeet Dhillon, procurador-geral assistente de direitos civis da agência federal, fala de um "conflito direto com o livre exercício de uma religião estabelecida".

O caso de Washington

A reação dos bispos das dioceses envolvidas foi preocupada e dura. Dom Paul Etienne observou: “O clero católico não pode violar o segredo do confessionário, sob pena de excomunhão da Igreja […] Todos os católicos devem saber e ter certeza de que suas confissões permanecem sagradas, seguras, confidenciais e protegidas pela lei da Igreja”.

O bispo de Spokane, dom Thomas Daly, também compartilhou a mesma conclusão com outros bispos do estado.

Os hierarcas ressaltam que desde o início do século a Igreja Católica impôs normas severas para proteger crianças e jovens que frequentam paróquias, que os párocos têm a obrigação de denunciar quando sabem de abusos fora da confissão, que todos os agentes pastorais e ambientes educativos têm protocolos rígidos, que as denúncias diminuíram nessas duas décadas e que, na prática, os casos de confissões de abusadores são muito raros. Entretanto, há sempre a indicação de que o pecador abusador deve se entregar à justiça civil.

Segredo e crime

De Roma a indicação é decisiva e ancorada no direito e na teologia. Em 2021, o Cardeal Piacenza, então penitenciário-mor, recordava que "o segredo da confissão não é uma obrigação imposta de fora, mas uma exigência intrínseca do sacramento e, como tal, não pode ser dissolvido nem mesmo pelo próprio penitente. O penitente não fala com o confessor humano, mas com Deus. Portanto, tomar posse do que pertence a Deus seria um sacrilégio".

No campo, as soluções práticas para a norma são diferentes.

No caso australiano, alguns padres disseram que estavam desistindo de celebrar a confissão para não se verem em uma situação difícil. Outros se propuseram a condicionar a absolvição à repetição da admissão de culpa fora da confissão, de modo a ficarem isentos da obrigação de silêncio.

Algumas questões também são colocadas à Igreja pela Comissão Francesa (Ciase), criada pelos bispos que levantaram a questão do abuso. Na recomendação n.º 8 que acompanha o substancial dossiê convida as autoridades eclesiásticas a garantir aos confessores e aos fiéis que "o segredo da confissão não pode derrogar a obrigação prevista pelo código penal e em conformidade, segundo a comissão, com o imperativo do direito natural de proteger a vida e a dignidade da pessoa, de denunciar às autoridades judiciais e administrativas os casos de violência sexual contra menores ou pessoas vulneráveis".

Questionada sobre isso, a Irmã Véronique Margron, presidente dos religiosos da França, nos disse que a questão não é esconder um segredo, mas evitar um crime: "Trata-se de um perigo iminente, portanto diferente do caso da confissão de um adulto de violência sofrida na infância. Além disso, uma criança que conta a um padre na confissão que seu pai — ou um padre — a machucou não está confessando um pecado, mas está fazendo uma confidência terrível. Consequentemente, do ponto de vista moral, a questão do segredo não se coloca, pois não se trata do pecado da criança, mas do crime de um adulto contra ela. Em casos como este e somente em relação a uma situação de perigo iminente, creio que hoje na França todos concordam em afirmar que a proteção da criança em perigo é primordial".

Salvando o sacramento além do segredo

Quanto à questão do segredo, é bom alargar o nosso olhar para abranger todo o sacramento da confissão. Há mais a ser salvo do que um segredo, mas o próprio sacramento.

Sua compressão em um contexto judicial e canônico retirou a dimensão do processo da confissão, reduzindo-a a um evento único. Reduzir o sacramento à simples soma de confissão e absolvição significa ignorar o "espaço de elaboração da dor do coração, de expressão e de 'trabalho sobre o corpo' que hoje se resolve facilmente com o carácter absoluto de uma palavra de absolvição" (A. Grillo).

Recuperar a estrutura processual do sacramento, devolver à elaboração da pena o seu próprio espaço intransponível e reabrir o diálogo com a longa tradição do sacramento beneficiaria a discussão sobre a obrigação do segredo. Assim como a abertura ao “terceiro rito”, felizmente experimentado durante a Covid, seria benéfica. Independentemente das possíveis limitações, "onde quer que tenha sido implementado registrou – não sem surpresa – um eco significativo. Recebeu uma ampla resposta dos fiéis, uma participação consciente e uma resposta marcada pela gratidão. Entre os crentes surgiu uma necessidade de reconciliação, um desejo de perdão e uma exigência de comunidades mais amplas do que o acesso limitado à confissão individual sugeriria".

Leia mais