07 Agosto 2019
Uma reforma que ajude a superar a crise deste sacramento ainda não parece madura para uma intervenção pastoral próxima do Papa Francisco.
A reportagem é de Carlo Di Cicco, jornalista especializado em assuntos do Vaticano, publicada por Tiscali, 06-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há décadas na Igreja Católica se repete uma queixa muitas vezes impotente diante do crescente abandono da confissão. É o sacramento que mais contrasta com a mentalidade do homem moderno. Pode-se dizer que se trata de um verdadeiro sacramento do desconforto, porque aos cultores do super-homem requer humildade e reconhecimento dos próprios pecados.
Uma disposição interior difícil de aceitar para as gerações filhas da declaração dos direitos do homem e o reconhecimento da dignidade alta e intangível de todo ser humano. Além disso, a convicção de que, mesmo à luz dos ensinamentos da própria Igreja, se somos filhos e herdeiros das promessas de Deus, com Ele seria mais apropriada uma atitude de amor filial e leal do que de subterfúgio, como pode parecer falar ao ouvido do confessor pelo penitente. Com um pai também o pedido de perdão ou um pedido de desculpas por possíveis erros e grosserias são resolvidos sem tantas cerimônias.
Afinal, é certo que o poder de garantia do perdão dos pecados foi confiado aos apóstolos pelo Jesus ressuscitado, mas não há nenhuma palavra sobre como exercitar esse importante poder em nome de Deus. Tanto é verdade, que ao longo dos séculos mudaram as fórmulas e formas da confissão. Na realidade, uma das primeiras dificuldades em compreender este sacramento começa com o nome. O perdão dos pecados está ligado antes de tudo à conversão do coração e ao propósito do pecador de se arrepender do mal feito. Portanto, a palavra mais adequada seria chamar de Penitência esse sacramento. O ato de confessar é apenas um momento do rito previsto.
Infelizmente, ao longo dos séculos, contar os pecados ao sacerdote, talvez também devido a uma catequese insuficiente, fez com que a confissão colocasse em segundo lugar a penitência e a mudança de vida necessária para ter o perdão. Confundiu-se a Penitência com o ligar um jukebox que toca a música escolhida. Agora, diante da constatação da crise de confissão, tenta-se correr aos reparos. A necessidade de implementar uma reforma foi fortemente sentida pelo Concílio Vaticano II. Em uma das mais importantes Constituições reformadoras dedicadas à liturgia, o concílio estabeleceu que "o rito e as fórmulas da penitência sejam revistas de tal maneira que expressem mais claramente a natureza e o efeito do sacramento".
Como com outras disposições conciliares, para esta também acabamos nos contentando com um retoque, levado a termo com duas reformas de 1973 por Paulo VI e 1983 pelo papa Wojtyla. Elas resultaram bastante marginais e incompletas. O verdadeiro nó formal continua sendo a confissão auricular, o ter que contar ao padre os próprios pecados, especificando-os em cada detalhe. Em uma época em que a tecnologia obriga ao uso prolongado de fones de ouvido, continua existindo uma crescente indisponibilidade para a confissão auricular. Permanece o verdadeiro obstáculo para superar a crise. Não é de admirar, portanto, que o debate tenha continuado entre teólogos divididos em posições conflitantes entre aqueles que consideram suficiente a reforma já feita e aqueles que pedem modificações importantes e atualizadas do rito.
O mais recente se desenvolveu especialmente entre aqueles que se satisfazem com o presente e aqueles que, ao contrário, pedem que se repense a confissão com o olho no futuro. É preciso pensar de maneira criativa sobre um rito para mulheres e homens que já estão encaminhados para profundas transformações devidas à técnica, às biotecnologias e à biomedicina. Estamos à procura de um rito que fale e convença o homem moderno da necessidade e da beleza do perdão dos seus pecados, caminho seguro para se aproximar da felicidade que todos buscam. Mas sem ter que espalhar a própria privacidade íntima.
Um dos autores que se destacou, Ladislas Orsy, nascido em 1921, ensina Jurisprudência no Centro Jurídico da Universidade Georgetown, em Washington DC. Ele argumenta que "mais de 50 anos depois, sob o pontificado de Francisco, que constantemente proclama a necessidade da misericórdia, poderia ser o momento oportuno para assegurar que este santo exercício seja repetido para o sacramento da misericórdia, a penitência". As suas observações sobre a história do rito são bastante convincentes, pelo menos em parte, mas é difícil considerar seriamente a proposta concreta que sugere um eventual novo rito adequado a pessoas "que tem fome da misericórdia sacramental". Onde prevalece um "jogo de imaginação". Em determinado momento do rito comunitário imaginado como "uma utopia católica, na Paróquia de todos os Anjos, conhecida por seu pensamento corajoso". E ali, "tendo ao fundo uma música suave ou um cântico sereno, o padre pede aos que querem receber o sacramento que venham para frente. Então as pessoas, lentamente, uma a uma, vão até o sacerdote em frente ao altar e confessam com uma voz clara e audível à assembleia que pecaram contra Deus e contra o próximo e pedem a ‘remissão de suas dívidas’. O sacerdote dá absolvição a cada um - um a um, não uma absolvição geral - com palavras e/ou gestos - enquanto toda a assembleia assiste e sente o que está acontecendo".
Andrea Grillo, um conhecido liturgista progressista, esclareceu recentemente por que se sente "totalmente de acordo com Orsy quando considera insuficiente a reforma do rito de penitência, embora discorde da proposta concreta de "progresso". Para Grillo “O centro do sacramento é a cura do cristão que entrou em crise por causa do pecado. O centro não é o perdão (que o IV sacramento tem em comum com os sacramentos da iniciação), mas a resposta do coração, da boca e do corpo do pecador arrependido".
Sobre o futuro sacramento da penitência visto por Orsy e Grillo intervém Agostino Marchetto, bispo reformado e autor de obras sobre o concílio que suscitaram muitas polêmicas anos atrás. Marchetto se pergunta "com respeito, mas com franqueza", se tal argumentar" esteja ainda na linha da correta hermenêutica conciliar, aquela "não da ruptura e da descontinuidade, mas da reforma e renovação na continuidade do único sujeito Igreja". Dificilmente uma disputa teológica ainda imatura será tomada por Francisco como a base para uma eventual reforma do atual rito da penitência para relançar não só em nível da ênfase publicitária (mostrando os próprios papas aos pés do confessor), mas na vida cotidiana dos católicos o rito de penitência.
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A confissão como sacramento do desconforto moderno: debates, estudos e polêmicas entre teólogos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU