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A espiral do caos e da automação. Um mapa do século ameaçador. Artigo de Franco ‘Bifo’ Berardi

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23 Junho 2025

“O caos é uma relação entre a mente em decadência e um umwelt [ambiente] em aceleração. É a relação entre a intensidade e a velocidade dos estímulos neuronais aos quais o cérebro é exposto e o tempo disponível para o processamento da informação neuronal. Quanto mais rápido o fluxo de estímulos informativos – imagens, sons, palavras –, menos tempo temos para o processamento emocional e racional desse fluxo em si. O caos é simplesmente a projeção deste tipo de senilidade na ordem mundial. O efeito dessa caotização é o colapso e a desintegração da civilização ocidental”. A reflexão é de Franco “Bifo” Berardi, em artigo publicado por Ctxt, 16-06-2025. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Nenhum pensador político ou cientista social conseguiu prever o que está acontecendo na terceira década do século XXI. Apenas escritores distópicos como Philip Dick, Norman Spinrad, George Ballard, Cixin Liu, Sayaka Murata e Octavia Butler vislumbraram o nosso presente.

Vejamos o cenário global: a razão é substituída pela força, a justiça social é desprezada como uma ingerência aberrante na liberdade individual, a violência da competição substitui a lei: quem não está à altura dessa crueldade merece apenas ser escravo ou morrer. Como disse Thomas Wade no romance A floresta sombria, de Cixin Liu: “Se perdermos nossa humanidade, perderemos alguma coisa; se perdermos nossa bestialidade, perderemos tudo”.

Após o genocídio que Israel desencadeou contra o povo palestino, após o pogrom lançado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, a brutalidade irrompeu por toda parte, tornando-se a regra da vida social.

A deportação em massa de migrantes, a rejeição sistemática de requerentes de asilo, o genocídio generalizado na fronteira entre o Norte e o Sul do mundo: por toda parte, a brutalidade se espalha com uma perversidade que nenhum cientista social ou político jamais havia previsto.

Poucos escritores distópicos imaginaram cenários que se assemelham à perversidade desenfreada que temos diante dos nossos olhos.

Em 1993, Octavia Butler escreveu A parábola do semeador: a história se passa em 2025. Portanto, no ano em que nos encontramos.

Nos Estados Unidos, um homem chamado Donner acaba de vencer as eleições e promete devolver aos Estados Unidos a sua antiga grandeza.

Os Estados Unidos sobre os quais Butler escreveu em 1993 são o palco de uma guerra de extermínio e estupros generalizados. A miséria, o terror e os incêndios devastam o país. Ir de uma parte do país para outra é perigoso. Ódio e terror estão por toda parte.

Muito semelhante à realidade da deportação em massa e dos ataques contra os migrantes. Medo, dor, humilhação encontram-se por toda parte e em cada ato de fala.

No cenário atual estadunidense, a maioria das pessoas está afundando na demência, na tristeza, na senilidade e no fentanil.

Em A parábola do semeador, Lauren Olamina é uma garota de catorze anos que sofre de hiperempatia: ela sente dor ao ver a dor de um ser humano; este sentimento é considerado uma patologia e uma desvantagem.

“A hiperempatia é aquilo que os médicos chamam de síndrome orgânica ilusória (...) Supõe-se que devo compartilhar o prazer e a dor. Mas não há muito prazer hoje em dia” (p. 20).

Como a dor e a tristeza estão por toda parte, a adaptação evolutiva levou os habitantes do país imaginado por Octavia Butler a desenvolver uma impermeabilidade total à dor alheia. Mas Lauren sofre de uma condição patológica: enquanto todos os outros se dedicam a sobreviver, roubar, matar e queimar, Lauren não para de pensar. Ela entende isso porque a empatia é consciência. E a consciência é perigosa. As pessoas sabem que a vida se tornou um inferno e que não há escolha a não ser sobreviver.

Quase todos os adultos sabem disso. Eles não querem saber, mas sabem.

Quando não há saída para uma situação intolerável, o que podemos fazer senão tolerá-la? O que podemos fazer senão tentar ignorar a verdade, mesmo conhecendo-a?

Negação: sabemos que as mudanças climáticas estão destinadas a tornar a vida impossível no único planeta que temos. Sabemos disso, mas o que podemos fazer?

A única coisa que podemos fazer é tentar escapar do inferno abandonando-o.

É isso que as mulheres estão, na verdade, fazendo, num movimento consciente ou inconsciente de fuga da procriação que está levando a humanidade à autodestruição.

Abandonar a história para escapar do doloroso caos.

Será o fim do mundo? Sim e não: o mundo humano continuará graças ao autômato cognitivo que construímos e estamos construindo. Do ponto de vista evolucionário, o autômato é o vencedor porque não conhece a dor, o prazer, a sensibilidade e, sobretudo, o pensamento. Sua função é recombinar fragmentos linguísticos destinados à acumulação de capital. É uma simulação (quase perfeita, nunca perfeita) do pensamento: a inteligência emancipada da consciência.

Triste perfeição

Desde que escrevi Subjetivación cognitiva (publicado em e-flux em 2010), tenho me perguntado sobre a possibilidade da autonomia no processo contínuo de subsunção da atividade cognitiva ao semiocapital. Durante os anos do acampamento espanhol e do Occupy, pela última vez, pudemos vislumbrar um processo de autonomia social: os trabalhadores cognitivos do mundo se libertam das grandes corporações e iniciam um processo de auto-organização social e reorientação da tecnologia.

Em 2017, quando escrevi Futurability, ainda acreditava na possibilidade de autonomizar a cooperação dos trabalhadores cognitivos que dirigem a criação do autômato global. Nas páginas finais desse livro, escrevi:

“Os poetas e os engenheiros encontrarão a energia para desenvolver as possibilidades inscritas no conhecimento e na tecnologia sob as condições da autonomia?” Também escrevi que “na segunda década do século XXI, dois processos distintos operam com uma força aparentemente fora de controle: o primeiro é uma guerra civil global que se intensifica desde 2016; o segundo é a automação da atividade cognitiva, a penetração de dispositivos de IA na vida cotidiana e no ambiente urbano, abrindo caminho para um sistema eurototalitário” (Futurability).

A última frase do livro, no entanto, diz o seguinte: “Construir uma consciência comum de uma possível solidariedade social entre os neurotrabalhadores é a tarefa da próxima década, e o despertar ético de milhões de engenheiros, artistas e cientistas é a única maneira de evitar uma regressão aterrorizante, cujos contornos já estamos vendo” (Futurability, p. 239). Uma década depois, essa possibilidade se perdeu, e a possibilidade de subjetivação autônoma está desaparecendo por três razões: caos mental, automação da atividade mental e a evacuação da consciência pela inteligência automatizada.

Para melhorar a produtividade da inteligência, a economia cognitiva está substituindo a mente humana por autômatos inteligentes, livres do fardo da consciência; consequentemente, a atividade mental é substituída pela inteligência automatizada. À medida que o caos engole a vida consciente, somente os automatismos tecnolinguísticos tornam a produção e a participação social possíveis.

Desde a irrupção do surto do vírus pandêmico, o distanciamento social se enraizou nas sensibilidades sociais, especialmente entre os jovens, enquanto a demência se apodera da mente ocidental senescente.

Os autômatos estão assumindo a liderança: a conjunção consciente está sendo substituída pela conexão.

A espiral do caos e da automação emerge como a tendência geral do século. Os organismos sencientes podem desaparecer, já que o jogo planetário é essencialmente governado por entidades inteligentes imunes à consciência e à dor.

Triste perfeição.

Tristeza perfeita.

Caos e cérebro

“Pedimos um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, ideias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos” (Deleuze e Guattari: O que é filosofia?, p. 201).

“(…) Não somente desconexões e desintegrações objetivas, mas também uma imensa fadiga que faz com que as sensações, tornadas pastosas, deixem escapar os elementos e as vibrações que elas têm cada vez mais dificuldades para captar. A velhice é esta fadiga ela mesma: então, ou é uma queda no caos mental, fora do plano da composição, ou uma recaída sobre opiniões inteiramente acabadas, sobre clichês” (Ibid., p. 214).

Pelo que eu saiba, não há melhor descrição da senilidade do que esta. O cérebro individual enfrenta duas alternativas: ou mergulha no caos mental ou aceita a opinião dominante, fechando a mente e apegando-se a uma identidade fixa.

Desde o final do século XX, após o prolongamento da expectativa de vida e o declínio das taxas de natalidade, houve uma repentina reversão da aceleração demográfica anterior, e a proporção de idosos na população em geral aumentou.

O caos não existe lá fora. Não é uma entidade física, mas uma relação entre a mente em decadência e um umwelt [ambiente] em aceleração.

O caos é a relação entre a intensidade e a velocidade dos estímulos neuronais aos quais o cérebro é exposto e o tempo disponível para o processamento da informação neuronal. Quanto mais rápido o fluxo de estímulos informativos – imagens, sons, palavras –, menos tempo temos para o processamento emocional e racional desse fluxo em si.

O caos é simplesmente a projeção deste tipo de senilidade na ordem mundial. O efeito dessa caotização é o colapso e a desintegração da civilização ocidental.

A noção de Ocidente tem uma dupla vertente mitopoética: a fronteira, a expansão, a tensão em direção à superação perpétua. Mas há um segundo estrato mitológico incrustado na noção de Ocidente: o lado sombrio da autopercepção ocidental é a metáfora, terra do declínio.

Os tempos modernos foram marcados pela energia juvenil e agressiva dos conquistadores e civilizadores brancos. A cultura do século XX entoou uma canção triunfante à velocidade, ao futuro e à guerra. Durante esse período, a aceleração demográfica deu origem a uma paisagem social repleta de jovens: jovens trabalhadores prontos para a exploração, mas também para a revolução. Jovens soldados prontos para lutas patrióticas e aventuras coloniais. O fascismo foi a expressão dessas jovens multidões, lideradas por jovens líderes agressivos.

O panorama mudou drasticamente, repleto de idosos em cadeiras de rodas, empurrados por cuidadoras ucranianas e romenas deprimidas na faixa dos 40 anos que falam ao telefone com seus maridos alcoolistas que moram a 5.000 quilômetros de distância.

Oscilando entre o pânico e a depressão, obcecada pela solidão e pela humilhação, a cultura branca é incapaz de lidar com a exaustão: é por isso que o supremacismo branco retornou. A agressividade é uma terapia para a depressão, mas uma terapia perigosa. É patética, mas também perigosa, porque a agressividade dos idosos ocidentais tem como base as armas superpoderosas.

O substituto tecnológico deve compensar o declínio da energia psicossexual e também da energia produtiva. Que Sansão morra com todos os filisteus.

É por isso que, na psicosfera social contemporânea, a mente jovem se deprime e tende à senilidade.

De acordo com um famoso mestre zen: “Na mente do principiante há muitas possibilidades, mas poucas na mente do especialista” (Suzuki).

A intensificação neuronal proporcionada pela infosfera nas primeiras décadas do século levou a uma aceleração da experiência. Christian Nirvana Damato observa (Multiplicación de Órganos, 2024) que os jovens expostos a incessantes estímulos nervosos estão psiquicamente exaustos, sobrecarregados pela quantidade de dados sem sentido, pela saturação de sua atenção e imaginação. Os jovens estão velhos, a pirâmide se tornou quadrada e está prestes a colapsar.

Dado esse contexto antropológico, entendemos por que o rearmamento é a palavra-chave do discurso público na manosfera branca.

Os europeus parecem particularmente obcecados pelo desaparecimento inscrito na tendência incontrolável à senescência. Emmanuel Macron declarou que um rearmamento militar deve ser acompanhado de um rearmamento demográfico. A demência agressiva não ajudará a enfrentar o colapso climático ou a desintegração geopolítica. Através do genocídio e da greve de natalidade, a humanidade está orquestrando o autoextermínio.

No entanto, não é o fim do mundo, porque o autômato cognitivo global está em ascensão.

Disforia e deserção

Uma corrente de disforia está se infiltrando na psicosfera social.

Segundo Paul Preciado, “a condição epistêmica e política contemporânea é de disforia generalizada... Essa noção, próxima à linguagem da física, aponta para um problema de sobrecarga, o estresse de carregar algo muito pesado. Para os psiquiatras, a disforia se refere a uma perturbação da alma que torna a vida cotidiana difícil demais de suportar”.

A disforia implica a esterilização da emoção e a hipersemiotização do desejo.

O desejo é investido de troca semiótica: os estímulos intraneuronais sem a presença do corpo do outro possibilitam reações dopaminérgicas. A evitação sexual resulta obviamente no abandono da procriação. Longe de ser uma patologia, isso implica uma estratégia (consciente e inconsciente) de autodestruição suave da humanidade.

A distopia reprodutiva não é nova: O conto da aia (1985), de Margaret Atwood, enfocou a necessidade de forçar algumas mulheres a gerar seres humanos. Mas, nos últimos anos, escritores, artistas e cineastas (especialmente mulheres) retratam um mundo sórdido e sinistro no qual não há mais razão para gerar vida.

Enquanto isso, no mundo real, a taxa de natalidade está diminuindo em quase todas as partes do mundo, e a população global está entrando em uma fase de senilidade. Esta tendência tem causas biológicas, ambientais e culturais, mas a rejeição feminina à procriação é a mais interessante. Na última década, aproximadamente, muitas autoras produziram romances e filmes que desenvolvem uma poética da sordidez terminal, ligada à perspectiva de suspender a reprodução humana.

Em 2019, assisti a Cafarnaum, um filme da diretora libanesa Nadine Labaki. O filme conta a história de Zain, um refugiado sírio de 12 anos que vive nas favelas de Beirute nas condições mais precárias que se possa imaginar. Zain é preso por esfaquear alguém que chama de “filho da puta”. Quando comparece ao tribunal, diz ao juiz que quer processar os seus pais. Quando o juiz lhe pergunta o porquê, ele responde sem meias palavras: “Porque eu nasci”. Nascer neste mundo de miséria, violência e desespero é um castigo que Zain não merece. “Por que fizeram isso comigo?”

Depois de assistir a este filme, comecei a pensar que esta era uma mensagem poética central.

Depois veio a pandemia, e o distanciamento social foi proclamado o novo normal durante dois anos. Finalmente, a guerra emergiu como o principal esforço da humanidade exausta. No fundo, vislumbra-se a Terra devastada pelo fogo e submersa por inundações.

A extinção da raça humana é um cenário plausível para este século, mas, simultaneamente, as máquinas inteligentes assumem a rotina diária da inércia. O caos e o autômato. A sordidez e a agitação sem vida.

Os romances de Michel Houellebecq (estou pensando especialmente em Aniquilar) descrevem esse horizonte de exaustão da perspectiva do homem ocidental envelhecido. Mas algumas escritoras expressam um sentimento menos ressentido, quase plácido.

Nos romances de Sayaka Murata, a poética da sordidez terminal emerge em toda a sua plenitude. O estilo de Murata ressoa com a cultura japonesa do hikikomori: solidão, isolamento, fuga sexual. Uma inovação crucial de Murata reside em seu estilo literário: plano, quase robótico. Chato, se preferir. Nada nesses romances busca agradar o leitor; nada soa dramático. O romantismo é dedicado a personagens de anime; seres fictícios e animações virtuais podem ser amados sem interação física.

Desgosto com a presença do outro, rejeição ao casamento, assexualidade e, consequentemente, declínio da natalidade. Uma tendência ao fim da humanidade carnal. Sem emoção, sem raiva, sem crítica política, apenas distanciamento da vida social e do envolvimento erótico, uma deserção radical do futuro.

O erotismo desapareceu da vida e da linguagem.

Mas, ao mesmo tempo, a depressão se transforma em deserção da história patriarcal.

À medida que a narrativa se esvazia de drama, à medida que a intensidade é proscrita, o corpo passa por um processo de alinhamento com a máquina conectiva.

Nos romances de Murata é possível detectar uma espécie de patologia autista; no entanto, não creio que devamos ler os romances de Murata em termos psicopatológicos.

A síndrome autista é cada vez mais sistêmica na existência sem sentido que as pessoas são forçadas a viver.

Sexo e prazer são divergentes; no máximo, o sexo é uma obrigação social que deve ser cumprida. O casamento é um comportamento socialmente normal, desprovido de desejo e prazer.

Em seu best-seller, A garota da loja de conveniência [de Sayaka Murata], Keoki perdeu o contato com seu corpo a ponto de questionar a existência de um eu. Keoki está tão desligado da percepção de sua própria existência corporal que não sabe como agir, onde ficar ou o que fazer. Somente seguindo protocolos e procedimentos precisos consegue se orientar em seu ambiente. A rotina da loja é sua tábua de salvação.

Murata escreve com carinho sobre a música dos konbini, sobre os sons reverberantes e açucarados da loja. Sente uma repugnância interna por qualquer contato com outras pessoas, a menos que sejam disciplinadas em seus papéis.

Uma estética da sordidez está tomando forma em algumas áreas da literatura contemporânea: viver no ambiente digital privou a existência do erotismo, deslocando o desejo do corpo para a estimulação neuronal eletrônica. A conexão substituiu a conjunção, e o resultado é uma glaciação digital.

A literatura e a arte, especialmente a literatura feminina, interceptam esse efeito anerótico. Uma paisagem sórdida emerge por toda parte, exceto no ambiente gélido da comunicação desencarnada.

Nos últimos anos, li romances de escritoras como Melinda July, Melissa Broder, Cho Nam Joo, Sayaka Murata e Sara Mesa.

Nas histórias de Melissa Broder, a sexualidade nada mais é do que uma tentativa de preencher um vazio ansioso, um jogo de linguagem que não provoca mais excitação, já que os corpos reais desapareceram e o corpo se tornou um referente linguístico, uma alusão, uma promessa sempre adiada e, em última análise, inatingível.

A procriação é considerada um abuso, um ato sem emoção e, portanto, sórdido, um efeito sinistro do vazio íntimo.

Ninguém pede para nascer. Ninguém assina um formulário que diz: “Você tem minha permissão para me fazer existir”. Os bebês nascem porque os pais sentem que eles mesmos não são suficientes. Portanto, pais, nunca nos condenem por tentar preencher nossos vazios existenciais, quando somos apenas o fruto de suas vãs tentativas de preencher os seus vazios. A culpa é de vocês por estarmos aqui para lidar com o vazio, em primeiro lugar. (Como nunca ser suficiente, em So sad today, de Broder.)

A autora espanhola Sara Mesa escreve com um estilo impassível sobre jovens e idosos que se encontram nos bastidores de cidades em ruínas, bairros vazios, nos bastidores de uma vida exausta.

Em Oposición, 2025, ela descreve a vida social como uma dimensão burocrática na qual se investe muito tempo na produção de um vazio metafísico por meio da aplicação de recursos tecnológicos de vanguarda.

Seus personagens, como os de Murata, estão em processo de perder todo o contato com seus corpos, em um estado de disforia indescritível. O pano de fundo de suas histórias é frequentemente uma cidade em decadência (Un incendio invisible). Os relacionamentos com os homens são baseados em abordagens sórdidas (Um amor), e a sexualidade é relegada a uma dimensão nebulosa e indistinta, desprovida de erotismo e alegria.

A era do autômato

A mutação digital do ambiente transformou a relação entre a autopercepção, a projeção do mundo da experiência, a concepção e a execução do ato: a atividade cognitiva daqueles que foram formatados pelo autômato linguístico conectivo tende a perceber o próprio corpo de forma disfórica e a projetar um mundo fantasmático. A relação entre a concepção e a execução do ato se contrai porque o circuito de processamento mental que leva ao ato é acelerado pela estimulação neuronal ininterrupta.

Com cada vez mais estímulos, há cada vez menos tempo para o processamento emocional e cognitivo dos estímulos.

De acordo com o Dicionário Oxford, “brain rot” é a palavra do ano de 2024, já que seu uso na internet universal parece ter se multiplicado 230%. Esta palavra parece corresponder à autopercepção da população jovem contemporânea.

Depois de “brain rot”, vem “romantasy”, um gênero literário em que a ternura e a afeição são apenas fantasia virtual. Em terceiro lugar vem a palavra “demure”, que poderia ser traduzida como reservado, tímido, talvez solitário. Não poderia haver melhor diagnóstico psicopatológico para uma geração que aprendeu a ver a vida como ficção ou como terror.

Em escolas de todo o mundo, os psiquiatras diagnosticam o transtorno de déficit de atenção. Um diagnóstico que simplesmente identifica um transtorno, mas não consegue compreender seu contexto, sua gênese ou sua possível evolução.

Deveríamos falar de psicopatia ou de mutação cognitiva?

Não sei se os seres humanos estão se tornando cada vez mais estúpidos à medida que os chatbots aprendem a pensar por si mesmos. Sem dúvida, parte da capacidade intelectual será perdida, pois podemos deixá-la nas mãos da máquina linguística. E a consciência, a capacidade de tomar decisões éticas e estéticas, parece destinada a ser expulsa na busca pela otimização da inteligência.

Essa evacuação da consciência pode ser o resultado do processo de alienação.

As tecnocorporações, cujo negócio é essencialmente a gestão da mente, debateram a alienação nos últimos anos.

Dizem que a máquina linguística deve se alinhar com os valores humanos (difíceis de identificar com precisão e provavelmente inexistentes). Mas acredito que o contrário seja verdadeiro: a mente humana foi forçada a se alinhar com o ritmo da máquina cognitiva, que se expande em todas as áreas da criação e do intercâmbio. As mentes da geração jovem foram formatadas no ambiente digital, de modo que sua reatividade cognitiva foi moldada de acordo com padrões que nada têm a ver com a discriminação crítica e a consciência ética.

Na luta pela sobrevivência ambiental, a evacuação da consciência aumenta o poder competitivo da inteligência.

Em termos de competição, o julgamento ético é uma perda de tempo, e a evacuação do pensamento é a culminância do processo que finalmente limpa o planeta da imperfeição.

Em outubro de 2024, Paul Graham comentou sobre a perda da capacidade da escrita em humanos.

Ele parte da consideração de que o autômato inteligente cada vez mais faz o trabalho de escrever por nós.

O que deveríamos esperar dessa substituição da capacidade de escrever?

Segundo Platão, a escrita estava destinada a apagar a memória da mente humana. De fato, apagou, mas apenas em certa medida: a escrita transformou a memória, não a apagou.

Mas agora as máquinas não são apenas capazes de substituir a escrita, mas também o raciocínio. De fato, a escrita permite a organização lógica do pensamento. Perder a capacidade de escrever (algo que está acontecendo em larga escala) significa perder a capacidade de pensar de forma crítica e lógica.

Se me permite um pouco de ironia, posso concluir desta forma: se a população humana está entrando em uma fase de envelhecimento e embrutecimento, se vai desaparecer, não há por que se alarmar.

O planeta será governado pelos herdeiros aperfeiçoados da humanidade: libertos do fardo da consciência ética e da sensibilidade, libertos da dor e do prazer, autômatos inteligentes e implacáveis realizarão o trabalho inútil de produzir e reproduzir a eternidade do capital.

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