15 Mai 2025
"Estou convencido de que Leão XIV é anticlerical, assim como Francisco foi. Acredito que ele continuará na linha de seu antecessor, mas será mais moderado: o ritmo das reformas será mais lento". O escritor espanhol Javier Cercas teve a oportunidade de conhecer José Mario Bergoglio durante a viagem apostólica de 2023 à Mongólia e de lhe fazer uma pergunta que ninguém lhe havia feito: "Minha mãe, católica convicta, realmente encontrará meu pai após a morte?"
O relato daquela viagem e a resposta do Papa são contados em Il folle di Dio alla fine del mondo (Guanda).
A entrevista com Javier Cercas, é de Filippo Femia, publicada por La Stampa, 13-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Vaticano abriu as portas da Santa Sé para você, "ateu, anticlerical e laicista militante", como se define. Foi uma das muitas rupturas de Francisco?
Acredito realmente que sim. E não só porque sou ateu, mas também escritor. Isso nunca tinha acontecido antes na história da Igreja. Ele respondeu a todas as minhas perguntas, a única que não perguntei foi ‘por que justamente eu?’. Só posso especular: permitir que um escritor acompanhe de perto o Papa faz parte da visão de mundo de Francisco. Uma visão missionária, que estou convencido de que Leão XIV compartilha. A Igreja também deve ir conversar com budistas, islâmicos e ateus. As periferias, das quais Bergoglio tanto falava, também somos nós. Convidar-me foi também um ato de extrema coragem: significava ‘Aqui não temos nada a esconder’.
Em seu livro, você define o Papa Francisco como anticlerical. A mesma definição pode ser usada para seu sucessor?
Tenho absoluta certeza disso. A luta contra o clericalismo, que Francisco definia de ‘câncer’, é uma das maiores mudanças na Igreja: o sacerdote não pode estar acima dos fiéis. Bergoglio argumentava que devia estar à frente do rebanho para guiá-lo, no meio porque faz parte dele e atrás para ajudar aqueles que não conseguem continuar o caminho. Estou convencido de que Leão XIV, devido ao seu passado missionário na América Latina, também compartilha dessa visão. A suposta superioridade produziu os males históricos da Igreja: os abusos sexuais ocorrem porque são abusos de poder, um padre se sente acima dos fiéis e se aproveita de seu papel.
Entre suas primeiras impressões de Leão XIV, há algo que o surpreendeu?
Sua capacidade de criar um equilíbrio original entre o missionário, a parte mais pura e luminosa da Igreja, e o homem da Cúria. Leão XIV não será mais radical que Francisco, mas mais moderado. Continuará com as reformas, tenho certeza, mas mais lentamente. Bergoglio muitas vezes queria escandalizar, enquanto Prevost, em vez disso, parece querer favorecer a unidade da Igreja.
A escolha de Leão XIV foi uma mensagem aos sacerdotes e fiéis ultraconservadores, não apenas dos Estados Unidos, que rezavam todas as manhãs pela morte de Francisco? "A escolha do Conclave demonstrou que a facção reacionária e conservadora da Igreja não é tão determinante. Poderíamos dizer que se tratava de uma minoria barulhenta. Muitos analistas erraram ao aplicar modelos políticos laicos às questões da Igreja: diziam que a onda neoconservadora que está dominando a geopolítica também teria repercussões na eleição do Papa. Mas os cardeais fizeram uma escolha moderada”.
Qual o papel que acredita que as mulheres terão no papado de Leão XIV?
Não sei dizer. Francisco foi revolucionário porque trouxe a Igreja de volta a uma dimensão ‘primitiva’, tirando Cristo da sacristia. No cristianismo original, as mulheres não tinham um papel importante, mas, apesar disso, Bergoglio fez mais do que todos os seus antecessores juntos: disse explicitamente que a Igreja precisava ser mais feminina e que as mulheres deveriam desempenhar papéis mais importantes. Acredito que Leão XIV seja uma pessoa inteligente e deva continuar nessa direção. Ele irá até onde a Igreja lhe permitir ir.
O primeiro discurso do novo Papa aos cardeais foi sobre Inteligência Artificial. O que o acha?
Significa que ele é um homem do nosso tempo, consciente do mundo real. Não é segredo que a inteligência artificial ameaça mudar tudo, mas Leão XIV está se demonstrando atento a um problema real. Também é verdade que ele não disse nada de concreto ou singular sobre os efeitos da inteligência artificial.
Acredita que o novo pontífice poderá alcançar resultados geopolíticos nos conflitos em curso, da Ucrânia ao Oriente Médio?
Às vezes, espera-se um milagre dos Papas, mas a verdade é que eles não têm poder real. Pensar que um conflito possa terminar porque o pontífice pede o fim de todas as guerras é uma fantasia ridícula. O Papa é um líder religioso e não é seu papel acabar com a guerra. Quando Stalin perguntou em Yalta ‘Quantas divisões o Papa tem?’, ele queria dizer isso. O verdadeiro poder está nas mãos dos políticos. Aqueles que devem firmar a paz na Ucrânia são Putin e Zelensky, com a ajuda de Trump e da EU.
O convite do Vaticano para lhe abrir as portas para escrever um livro veio há dois anos, em Turim, quando estava no Salão do Livro. Estará lá este ano?
Sem dúvida, Turim e a Itália sempre foram muito generosas comigo. Mas é difícil imaginar que algo tão mágico como o que me aconteceu em 2023 volte a acontecer.