29 Abril 2025
Do Sudão do Sul ao Congo, Bergoglio levantou sua voz contra a exploração, a escravidão e pelos direitos do continente. Ele é o papa que “africanizou” o Colégio de Cardeais mais do que qualquer outro: uma escolha que pesará na eleição do sucessor. Jorge Bergoglio vinha “do fim do mundo”, como ele disse na ocasião de sua primeira saudação logo após sua nomeação, mas de um contexto que, embora colonizado e parte do Sul global, era muito diferente da África. Da mesma forma, nos doze anos de seu pontificado, Francisco soube e quis progressivamente colocar a África no centro da Igreja e contribuiu a inseri-la na agenda geopolítica internacional.
A reportagem é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 25-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com sua insistência em ser uma igreja “em saída” e na necessidade de alcançar as periferias físicas e existenciais, o último papa entendeu e fez entender que o futuro de sua igreja e do mundo inteiro se jogariam ali e gradualmente assumiu uma consciência mais claramente descolonizada, também graças à contribuição que figuras emergentes de prelados africanos deram à igreja universal.
Francisco entrará para a história como o papa que mais “africanizou” o Colégio de Cardeais: ele criou um total de 18 cardeais vindos da África ou residentes na África. Ele nomeou mais cardeais africanos em 12 anos do que seus dois antecessores em 35: 18 contra 16. Dos 252 cardeais vivos no momento, apenas 135 têm direito a voto no conclave. Desses, 18 são africanos (15 nomeados por Francisco).
No C9, o Conselho de Cardeais, seus colaboradores mais próximos, ele queria o cardeal Friedolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa e um dos principais expoentes de uma igreja africana que está começando a ter peso e que alguns imaginam como um possível papa negro.
Quando decidiu instituir o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, Bergoglio inaugurou o ano santo voando para Bangui, a capital da África Central, e ali abriu a porta santa da catedral em 29 de novembro de 2015, em um momento em que o país estava passando por um conflito muito duro.
Francisco herdou um catolicismo africano em expansão. Desde 1980, houve um aumento no número de pessoas batizadas que beira os 250%. A África compreende 20% dos católicos do planeta e o número de fiéis aumentou de 272 milhões em 2022 para 281 milhões em 2023, um aumento de 3,31%. Mas o foco de Francisco à África não deve ser atribuído apenas aos números crescentes. O papa argentino olhou para a África não apenas com os olhos do pastor, mas também com os olhos do estadista, do mediador da paz e da justiça.
Ele tem acompanhado com atenção constante as muitas emergências humanitárias naquele continente, não apenas fazendo os clássicos apelos do Angelus, mas implementando uma série de estratégias e gestos importantes, se não clamorosos. Como quando, em abril de 2019, na iminência da Semana Santa, ele convidou o presidente da República do Sudão do Sul, Salva Kiir Mayardit, e o vice-presidente - e inimigo histórico - Riek Machar para Roma, oficialmente para um retiro espiritual. O país mais jovem do mundo (tornou-se independente do Sudão em 2011) estava passando por uma guerra terrível desde 2013, muitas vezes objeto de apreensão do pontífice.
No final dos encontros realizados na Casa Santa Marta, Bergoglio, para o espanto de todos que assitiam, a começar pela equipe do cerimonial, curvou-se e beijou os pés de todos os presentes. O gesto, realizado em líderes políticos com um currículo banhado de sangue, e as palavras subsequentes “Exorto-os a buscar o que os une, começando por pertencer ao mesmo povo, e a superar tudo o que os divide” causaram um forte impacto e contribuíram para uma relativa pacificação subsequente e para a manutenção (infelizmente com sérios solavancos recentes) do governo de unidade nacional.
João Paulo II foi 14 vezes à África e visitou 42 estados (em um pontificado de mais de 27 anos). Bento XVI foi apenas duas vezes à África (Camarões, Angola e Benin) em oito anos. Francisco, em 12 anos, visitou 10 países africanos: Quênia, Uganda e África Central em 2015, Egito em abril de 2017, Marrocos, Moçambique, Madagascar e Ilhas Maurício em 2019 e Sudão do Sul e República Democrática do Congo no final de janeiro e início de fevereiro de 2023. As viagens, o vento africano trazido para o Colégio de Cardeais ou para o Sínodo sobre a Sinodalidade (2021-24), a nomeação de tantos novos bispos africanos, tudo isso contribuiu para mudar a visão do papa sobre o continente, que tem assumido cada vez mais um perfil geopolítico ao longo dos anos, ao lado do pastoral.
Quando esteve na África Central, em 2015, decidiu fazer um desvio para um dos bairros muçulmanos de Bangui, até então fora dos limites para qualquer cristão, e se encontrar com a população, encenando um gesto de chamamento à concórdia entre as religiões em um momento em que as tensões religiosas no país haviam atingido proporções assustadoras. A visita levou a um acordo de trégua (uma paz mais sólida foi alcançada cinco anos depois).
No Marrocos, Francisco pediu sem rodeios ao rei Maomé VI que “respeitasse os direitos dos migrantes”. Em Madagascar, em um país devastado por problemas ambientais, ele atacou os devastadores da terra. Mas a obra-prima política africana de Francisco veio durante sua viagem ao Sudão do Sul e à República Democrática do Congo em 2023.
Em seu discurso proferido no encontro com as autoridades e a sociedade civil em Kinshasa, em 31 de janeiro - que entrou para a história como o manifesto pan-africanista e anticolonial de Bergoglio - resumiu a visão de que a Igreja e o mundo deveriam finalmente assumir em relação à África, depurada de racismo, exploração e escravidão.
Em “Tirem as mãos da África!”, o slogan gritado a partir do grande estado centro-africano, onerado por instabilidade política e pobreza endêmica, apesar de ser o mais rico em matérias-primas do mundo, juntamente com “Parem de sufocar a África: não é uma mina a ser explorada ou um solo a ser saqueado”, há todo o credo do último papa amadurecido após anos de contato físico e moral com o continente.
A África, mais recentemente, também tem sido um grande espinho no lado de Francisco. No início de 2024, após a publicação do documento Fiducia Supplicans, que autorizava a bênção de casais do mesmo sexo, houve uma verdadeira revolta na África. As conferências episcopais se levantaram, em alguns casos ameaçando o cisma. O Cardeal Ambongo, Arcebispo de Kinshasa e fiel conselheiro, teve que pegar o primeiro avião para Roma e mediar um compromisso. No final, o papa teve que dar um passo atrás e declarar: “Para eles, a homossexualidade é algo ‘feio’ do ponto de vista cultural; não a toleram”.
No próximo conclave, portanto, os 18 cardeais africanos com direito a voto certamente terão mais peso do que nos anteriores, não apenas em termos numéricos, mas também políticos. Em algumas questões, como justiça social, libertação de culturas coloniais e eurocêntricas, meio ambiente e migrantes, poderiam estar muito alinhados com Francisco.
Mas em assuntos mais pastorais ou doutrinários, alguns expoentes africanos, em primeiro lugar Sarah da Guiné, afirmarão posições muito mais conservadoras. No entanto, todos, conservadores e progressistas africanos, de alguma forma deverão uma nova relevância justamente ao Papa Francisco.