12 Março 2025
"Em sua mensagem, o rei, cujo status de 'comandantes dos crentes' lhe confere a autoridade exclusiva sobre os assuntos religiosos de seu país, lembrou que a festa do sacrifício não representa um dos cinco pilares do Islã, mas uma norma ou tradição reconhecida a ser aplicada 'na medida do possível'", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 10-03-2025.
Um fato realmente raro: este ano, no Marrocos, o rei Maomé VI convida a não fazer sacrifícios para a festa de Aid el Kebir por causa da seca. O monarca marroquino tem o status de “comandante dos crentes” (o que significa autoridade sobre todas as pessoas do livro, incluindo judeus e cristãos) e tradicionalmente é o primeiro a realizar o rito do sacrifício, que este ano deveria ocorrer entre 6 e 7 de junho, depois do que toda a população muçulmana o segue.
Mas o soberano pediu à população que não realizasse o ato que todo bom muçulmano sente o dever de imitar em todo o mundo. A festa relembra o episódio em que Abraão sacrificou um carneiro no lugar de seu filho, que no Islã é identificado como Ismael e não Isaque. O motivo do pedido do soberano é a queda drástica no número de animais devido à seca que já dura alguns anos e fez com que os preços dos alimentos disparassem.
“Nosso país está enfrentando desafios climáticos e econômicos que levaram a uma redução substancial no número de animais”, observou o rei em uma carta endereçada aos fiéis e lida solenemente pelo ministro de Assuntos Religiosos na televisão nacional. Embora ciente da importância religiosa dessa celebração, o rei pediu ao seu povo que “se abstivesse de realizar o rito do sacrifício do Aid este ano”. De acordo com Maomé VI, “sua realização nas difíceis condições atuais provavelmente seria prejudicial para uma grande parte dos habitantes do país e, em particular, para aqueles de baixa renda”. O Marrocos está enfrentando o sétimo ano consecutivo de seca, que levou a uma redução de quase 40% no número de animais em um ano, devido principalmente a um déficit de 53% nas chuvas em comparação com o ano anterior. De acordo com o Ministério da Agricultura do reino, essa é a pior seca desde o início da década de 1980. A queda no número de animais já fez com que os preços da carne disparassem porque o governo subsidia os importadores, mas não o produto diretamente.
Um quilo de carne vermelha em Casablanca custa agora cerca de 11 ou 12 euros, o que representa um preço alto para os mais pobres, considerando o salário médio de cerca de 290 euros por mês.
Maomé VI quis se dirigir a seus súditos pouco antes do início do mês de jejum do Ramadã. Como em todas as festividades islâmicas, o início exato das festividades é determinado no último momento e por consenso pelos ulemás, ou seja, os sábios em ciências religiosas. Também pode haver diferenças (de algumas horas ou de um dia, no máximo) entre um país muçulmano e outro. Em sua mensagem, o rei, cujo status de “comandantes dos crentes” lhe confere a autoridade exclusiva sobre os assuntos religiosos de seu país, lembrou que a festa do sacrifício não representa um dos cinco pilares do Islã (ou seja, o testemunho de fé, a oração, a esmola, o jejum do Ramadã e a peregrinação à Meca), mas uma norma ou tradição reconhecida a ser aplicada “na medida do possível”.
Seu pai, o rei Hassan II, havia tomado uma decisão semelhante e pelos mesmos motivos em 1996. A crise ecológica e a mudança climática também estão tendo um forte impacto no comportamento social das populações, afetando também os ritos e as tradições religiosas e culturais. Maomé VI pediu aos marroquinos que honrassem as festividades concentrando-se na oração e na esmola, além de todas as outras “devoções que dão graças a Deus”. Resta saber se outras nações islâmicas seguirão o exemplo do Marrocos.