10 Abril 2024
"A sociedade civil e as igrejas têm uma grande responsabilidade: quebrar essa lógica de guerra cultural e religiosa que também chega na nossa casa, para, em vez disso, promover a estratégia da convivência e do diálogo", escreve Paolo Naso, sociólogo italiano da Comissão de Estudos da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e professor da Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado por Riforma – revista das igrejas Evangélica Batista Metodista e Valdense, 09-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Poucos dias depois da Páscoa, termina o Ramadã: o mês do calendário islâmico em que os muçulmanos de todo o mundo jejuam do amanhecer ao anoitecer para lembrar o período em que Deus revelou o Alcorão, o livro sagrado, ao profeta Maomé. Para milhões de pessoas, o Ramadã é, portanto, um período de concentração espiritual sobre os temas centrais da fé, mas também uma oportunidade para reunir famílias dispersas e celebrar juntos a quebra do jejum diário, quando as primeiras estrelas despontam finalmente no céu: é momento do iftar, no qual, após a oração, a refeição é compartilhada com amigos e parentes. No final do mês do Ramadã é celebrado o último iftar e é uma celebração alegre, que dura horas e tem as mesmas dinâmicas das reuniões familiares por ocasião das festas cristãs tradicionais, como a Páscoa que acabamos de celebrar para recordar a ressurreição de Jesus.
Tem-se falado muito sobre o Ramadã nos últimos dias, que termina no dia 10 de abril, e por motivos que pouco têm a ver com a espiritualidade islâmica que o caracteriza. Uma escola do município de Pioltello, de fato, decidiu organizar o seu calendário suspendendo as aulas no dia 10 de abril.
É uma norma permitida por lei que reconhece às instituições de ensino a liberdade de fixar, dentro de um limite máximo precisamente estabelecido e não ultrapassável, alguns feriados. Tradicionalmente, um destes é a festa católica do padroeiro local; em outros casos, são levadas em conta situações ou riscos meteorológicos; em outros, como em alguns vales do Piemonte, para lembrar a providência do rei Carlo Alberto que, em 17 de fevereiro de 1848, concedeu direitos civis aos valdenses. A razão apresentada pela escola de Pioltello é bastante pragmática: dado o grande número de estudantes muçulmanos que não teriam ido à escola para comemorar o fim do Ramadã com a família, foi decidido fechar em vez de dar aula diante de turmas pela metade ou quase vazias. Uma escolha de razoável adaptação a uma mudança social cada vez mais frequente também na Itália e agora consolidada na Europa.
Mas não foi assim que aconteceu. A escolha da escola Pioltello suscitou vigorosas reações políticas que chegaram até o pedido de cancelamento da providência e à ameaça, nem mesmo tão velada, de uma inspeção ministerial. Nem mesmo as razoáveis e ponderadas palavras do presidente Mattarella acalmaram a polêmica, que expressou apreço pela carta que a diretora da escola havia lhe enviado para justificar a decisão de suspender as aulas no último dia do Ramadã.
A polêmica continuou a aumentar, com motivações que merecem ser recordadas: o fechamento para o Ramadã violaria o princípio do secularismo da escola, alguns disseram. Argumento fraco, se pensarmos nas festividades cristãs do calendário escolar, nas missas e em outras cerimônias religiosos, por vezes programadas nos horários de aula, e a própria presença no horário escolar de um ensino religioso confessional.
Outro argumento também fraco, é aquele que a suspensão de um dia de aulas por ocasião de uma festa islâmica prejudicaria os processos de integração intercultural em curso na escola italiana.
O argumento é fraco porque nos últimos anos seguiu-se exatamente na direção oposta. Cortes de pessoal e o cancelamento de programas interculturais inteiros interromperam a história de uma boa prática inteiramente italiana. E além disso, como se pode conciliar uma suposta estratégia de integração intercultural com os apelos à italianidade e ao dever, dos “outros”, de se adaptarem à tradição italiana?
Por último, há o argumento da reciprocidade: por que razão temos de conceder reconhecimento quando “eles” – retorna esse feio contraste entre “nós” e “eles”– não nos permitem construir igrejas em seus países? Argumento fraco também, porque em países como a Tunísia, Marrocos, Egito e Senegal, todos de esmagadora maioria muçulmana, existem igrejas e missões cristãs.
Mas mesmo onde não acontece, por exemplo na Arábia Saudita, essa é exatamente a diferença entre uma democracia e uma teocracia. E deveríamos orgulhar-nos disso e não cair no jogo do espelho da limitação das liberdades religiosas. Mas, em vez disso, por exemplo em Monfalcone, a prefeita orgulha-se de ter fechado duas mesquitas. Não deu muito certo, já que o Conselho de Estado lhe intimou de reabri-las, pelo menos até que sejam encontradas novas instalações.
“Uma panela de onde sai um cheiro horrível – declarou a prefeita, referindo-se ao caso. Nenhuma ameaça poderá nos fazer recuar. Essa também é uma guerra."
Palavras pesadas, decididamente pobres em termos institucionais e de convivência que uma prefeita deveria tutelar e promover, mas que nos dizem qual é o clima em que se fala hoje do Islã na Itália.
Por isso, a sociedade civil e as igrejas têm uma grande responsabilidade: quebrar essa lógica de guerra cultural e religiosa que também chega na nossa casa, para, em vez disso, promover a estratégia da convivência e do diálogo. Que se alimenta também de pequenos gestos, como os votos que muitas comunidades islâmicas enviaram às igrejas cristãs por ocasião da Páscoa. E como as visitas de tantos cristãos que participaram dos iftars em diversas mesquitas.
Não é a solução para todos os problemas, mas é por aqui que se deve começar, do conhecimento do outro.
Como conta uma antiga fábula árabe, um homem, caminhando no deserto, viu um monstro violento e perigoso à sua frente. À medida que se aproximava, esse monstro assumia características mais reconfortantes e humanas. Cada vez mais perto, não causava mais medo e quando o viajante conseguiu olhar para seu rosto descobriu que era seu irmão.
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A Guerra do Ramadã. Artigo de Paolo Naso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU