10 Junho 2022
O cardeal Cristóbal López Romero, de Rabat, Marrocos, agradeceu ao Papa Francisco por fazer do diálogo com os muçulmanos uma prioridade, apesar das críticas de algumas lideranças católicas.
“Alguns cardeais sem coração o acusaram de ser herege”, disse o salesiano espanhol de 70 anos.
“Ele foi muito compromissado, visitando países de maioria muçulmana, como Albânia, Iraque, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Turquia. Ele também nomeou cardeais compromissados com esse diálogo”, disse o cardeal López, que está em Roma nesta semana para a sessão plenária para o Dicastério do Diálogo Inter-Religioso.
Como muitos dos homens que Francisco fez cardeais, López não é um bispo comum. Ele tinha apenas 11 anos quando entrou para os Salesianos de Dom Bosco e apenas 16 quando fez seus primeiros votos.
Ele passou a maior parte do seu ministério no Paraguai e Bolívia, antes de retornar para sua Espanha em 2014, como chefe regional dos salesianos.
O Papa Francisco surpreendeu muitas pessoas quando em dezembro de 2017 quando nomeou o padre López para ser arcebispo de Rabat, no Marrocos. Então, menos de dois depois, o Papa deu-lhe o barrete vermelho.
O cardeal López fala nesta entrevista sobre a Igreja no Marrocos, a urgência do diálogo muçulmano-cristão e as formas com que o Papa Francisco continua universalizando o Colégio de Cardeais.
A entrevista é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 06-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O que caracteriza a Igreja Católica nos Marrocos, onde é uma minoria? Quais são seus desafios?
Nossa Igreja é composta por 30 mil católicos de 100 países diferentes. Devido a esta realidade, damos especial atenção à unidade. É um desafio permanente.
Neste contexto, e apesar de sermos maioritariamente estrangeiros, devemos ser uma Igreja do Marrocos, e não uma Igreja estrangeira em Marrocos.
Outra das minhas preocupações é a evangelização. Como podemos evangelizar em um mundo que é predominantemente muçulmano? Devemos considerar a evangelização não como um esforço falado ou escrito, mas focar no testemunho que damos por meio de nossas ações.
Como fez Charles de Foucauld, que acaba de ser canonizado, não se trata de estar contra os muçulmanos, mas com eles.
Finalmente, estou atento ao diálogo inter-religioso como forma de construir juntos o reino de Deus. Na Igreja universal, queremos testemunhar que é possível trabalhar com os muçulmanos, que não somos seus inimigos. É possível viver e trabalhar juntos.
Como diz o Concílio Vaticano II em Nostra aetate, lutamos “sinceramente pela compreensão mútua e pela preservação e promoção conjunta para o benefício de toda a humanidade, a justiça social e o bem-estar moral, bem como a paz e a liberdade”.
Como você responde àqueles dentro da Igreja que pensam que esse diálogo é ingênuo?
Quando vejo padres falando mal dos muçulmanos, muitas vezes é porque nunca viram um.
Devemos falar menos sobre os muçulmanos e mais frequentemente com eles. Eles são crentes como nós.
Conheço muçulmanos no Marrocos que arriscariam suas vidas por mim se fosse preciso, assim como eu arriscaria a minha por eles.
Não caiamos na armadilha do preconceito. O islamismo e o catolicismo não são duas multinacionais lutando por clientes ou fatias de mercado.
Você sente a pressão de movimentos islâmicos radicais?
No Marrocos, não sentimos isso. O país trabalhou duro para conter o radicalismo.
Desde os ataques de Casablanca em 2003, não passa uma semana sem que uma célula seja desmantelada.
As autoridades são muito ativas na promoção do Islã moderado e aberto, conhecido como “caminho do meio”.
Qual o papel do Papa Francisco na promoção do diálogo muçulmano-cristão?
Ele tem um papel muito importante. Ele tem estado muito comprometido, visitando países de maioria muçulmana como Albânia, Iraque, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Turquia.
Ele também nomeia cardeais comprometidos com esse diálogo. Esta é, sem dúvida, também a minha situação.
Mas isso não lhe rende apenas amigos: alguns cardeais o acusam sem entusiasmo de ser um herege...
Alguns dizem que seu esforço nesta área está causando divisão na Igreja. Isso também é verdade para a sua situação?
Essas acusações são um sinal do Evangelho. O Evangelho é uma pedra no caminho para o nosso mundo. É isso que o papa nos propõe.
Na realidade, o papa não está provocando divisões: elas já estão lá. É simplesmente que suas propostas destacam divisões pré-existentes.
Isso é verdade em muitas áreas: quando ele diz que o capitalismo mata, isso também não agrada a todos.
No final de agosto, o papa realizará um consistório com todos os cardeais do mundo. Você estará presente pela primeira vez. Você já conhece os outros cardeais?
Quando você é cardeal, todos pensam que você passa todo o seu tempo em Roma e que está sempre encontrando os outros cardeais. Mas esse não é o caso. Conheço uma parte muito pequena deles.
O que me impressiona no Colégio dos Cardeais é que viemos de todo o mundo. É um órgão muito internacional, e muitos de nós vêm das periferias. Há um cardeal na Mongólia, Timor e Rabat, mas não em Veneza, Milão ou Paris.
Basicamente, considerando a mentalidade do passado, isso é bastante chocante. Mas é a Igreja em saída que o Papa Francisco quer.
A Igreja é católica e universal, não italiana ou europeia. A Igreja Católica não é uma organização ocidental.
Esse desenvolvimento foi acelerado por Francisco, mas foi lançado por João Paulo II e Bento XVI, que começaram a nomear cardeais de todo o mundo.
Este movimento é inspirado pelo Espírito Santo, não haverá volta.
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Cardeal do Marrocos agradece ao Papa Francisco pelo diálogo com os muçulmanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU