29 Abril 2025
"A crise do Ocidente é o ocaso aparentemente irrefreável de qualquer razão para a existência da Europa que não se reduza a lógicas do mercado. Essa situação dramática era clara na visão do Papa Bergoglio: o fim da centralidade europeia é vivenciado aqui do ponto de vista da cristandade, que até o século XX constituía o tecido fundamental da “família” europeia, resistindo aos tremendos ataques de seu perene bellum civile".
O artigo é de Massimo Cacciari, filósofo italiano, publicado por La Stampa, 26-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe uma história providencial e eterna que guia o curso das nações? Quem sabe quantas vezes o Papa Bergoglio se terá questionado sobre isso. Para um homem de fé, é impossível não acreditar que ela se revela em nossas próprias ações, apesar de parecer fugidia em seu acontecer histórico. Mesmo o não crente, no entanto, ao tentar interpretar esse acontecimento, é forçado a recorrer não apenas a nexos causais, mas também a alguma ideia de finalidade. Devemos admitir cientificamente que a Natureza não tem nenhum propósito, mas como “suportar” que isso também valha para a nossa história? Algumas grandes configurações geopolíticas envolvendo civilizações inteiras marcam essa história e sua evolução talvez possa indicar qual o destino de nosso presente. Mas de uma forma totalmente indeterminada. A política é o reino de Epimeteu, apenas o passado é, e sempre aproximadamente, claro ao nosso olhar. Para esse olhar, devem parecer evidente a revolução pela qual o mundo passou no último século, o ponto a que chegou e os possíveis eventos que podem ser realisticamente esperados.
A primazia do Ocidente europeu desmorona na virada da Primeira Grande Guerra, depois que suas formidáveis ondas inundaram todo o globo (a população de origem europeia era um terço da população mundial no início do século XX). Mas não foi a decadência do Ocidente, e sim a afirmação daquele estadunidense. Essa translatio imperium já parecia imparável bem antes do suicídio europeu de 1914-18: em 1871, o PIB estadunidense ultrapassou o britânico pela primeira vez e, a partir daquele momento, manteve a supremacia. Uma resiliência verdadeiramente imperial! É a primazia econômica, militar, tecnológica e, certamente, também cultural e científica.
Hoje, a participação do PIB estadunidense-britânico no total mundial ainda está bem acima de 30%, semelhante àquela de 30 anos atrás, enquanto que para os países da União Europeia caiu de 26% para 18% (só para lembrar, no início do século XX ultrapassava 50%). O Ocidente está pagando a conta pela Europa, por sua unidade política, pela missão que havia assumido para si após duas guerras mundiais desencadeadas a partir de dentro, a de ser um fator de paz, de reconhecimento mútuo entre os grandes espaços políticos, de um novo direito internacional.
A crise do Ocidente é o ocaso aparentemente irrefreável de qualquer razão para a existência da Europa que não se reduza a lógicas do mercado. Essa situação dramática era clara na visão do Papa Bergoglio: o fim da centralidade europeia é vivenciado aqui do ponto de vista da cristandade, que até o século XX constituía o tecido fundamental da “família” europeia, resistindo aos tremendos ataques de seu perene bellum civile. O Papa Bergoglio tenta o contra-ataque: os destinos da cristandade devem ser “salvos” do ocaso da Europa. Mas pode haver um Orbis, um Globo, sem Capital, sem Urbs? Nem mesmo o mais poderoso sismógrafo hoje poderia prever isso.
Enquanto isso, acaba certamente faltando a única voz que no atual ruído ensurdecedor nos convidava a pensar sobre política. A voz do realismo próprio da grande tradição inaciana. O homem faz a história, mas quase nunca entende que história é. Muitas vezes se move como uma criança entre mal-entendidos, equívocos, cegas esperanças, vãs expectativas, astúcias e enganos rasos, avaliações errôneas do adversário e de suas próprias forças. Talvez nada seja mais irracional do que pensar que seu agir possa seguir uma linha de razoabilidade. E, ainda assim, continua sendo necessário realizar todos os esforços para convencê-lo disso, confiando em seu próprio egoísmo: o risco de se destruir quando se atua sem avaliar a situação de forma responsável é imenso. E a Europa já experimentou isso até demais. No entanto, ainda não parece ser suficiente.
Para o Papa Bergoglio, que veio da finis Terrae, isso parecia um escândalo inconcebível. Como é possível uma política do Ocidente que não reconheça o significado revolucionário da afirmação de novas potências econômicas, militares, técnicas e científicas e, portanto, não se mova ao longo da rota de um rearranjo multipolar, policêntrico, dos equilíbrios internacionais? Como é possível, nesse contexto, acreditar que o destino da Rússia estivesse marcado para sempre pela obra puramente desagregadora de figuras como Yeltsin? A Igreja Católica sabe muito bem, assim como aquele papa que contribuiu de forma talvez decisiva para a queda dos regimes comunistas, Karol Wojtila, que a Rússia é uma grandeza irredutível à medida de seus czares, seus Stalin, muito menos de seus Yeltsin ou, hoje, de seus Putin. Uma grandeza trágica, que deve ser considerada e tratada como tal. E, no entanto, no exato momento em que a Igreja, repito já com Wojtila, conclama o Ocidente a não se iludir de que a Rússia possa se resignar à perda absoluta de seu papel como grande potência, ela se dirige ao Kremlin com igual realismo: sua derrota na Guerra Fria é irrevogável, sua renúncia a qualquer ambição de poder interferir nas decisões dos governos dos antigos Estados do Leste, ex-Pacto de Varsóvia deve ser incondicionalmente afirmada. Não são seus governos, mas seus povos que querem se juntar, após décadas de ditadura estrangeira, a todos os órgãos da aliança ocidental. É somente a partir do reconhecimento dessa realidade que depois será possível discutir as formas de alargamento da OTAN, da União e as relações a ser estabelecidas com a Federação Russa.
Somente com base nisso será possível chegar a um verdadeiro tratado de paz. Caso contrário, haverá armistícios na continuidade da guerra civil, até que esta, na impossibilidade de ser vencida pela Ucrânia sozinha, por mais armada que seja, não envolverá diretamente toda a Europa, e assim, pela terceira vez, a Europa não envolverá todo o globo na catástrofe. A Terceira Guerra Mundial está juntando seus pedaços, e os líderes deste mundo se assemelham cada vez mais aos cegos de Brueghel, grudados uns nos outros, enquanto marcham em direção à vala. Que eles sejam surdos à voz da misericórdia, paciência, mas que pelo menos tentem escutar aquela do realismo que o Papa Bergoglio também representou, no espírito da grande forma política que a Igreja Católica também foi ao longo de toda sua história.