06 Janeiro 2025
"O problema não é a secularização, como se afirma. Pelo contrário, poder-se-ia dizer que começa com o cristianismo: é o próprio cristianismo que diz que devemos viver de forma secular. O que seria a encarnação se não fosse assim? Jesus passa pelo laós, o povo, é laico. Falar de secularização não explica a tragédia", diz o filósofo Massimo Cacciari.
A entrevista é de Gian Guido Vecchi, publicado por Corriere della Sera, 24-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, que sentido tem o Jubileu hoje?
Certamente não de jubilar. O verbete é inventado, mas bonito, o Jubileu é uma boa notícia que deveria fazer as pessoas exultar de alegria, o momento da conversão que produz resultados concretos, como a remissão das dívidas. Mas, em vez disso...
Veja bem, as figuras dos últimos pontífices são trágicas. Tentaram devolver ao Jubileu o seu significado porque conheciam a situação.
E qual é a situação?
O problema não é a secularização, como se afirma. Pelo contrário, poder-se-ia dizer que começa com o cristianismo: é o próprio cristianismo que diz que devemos viver de forma secular. O que seria a encarnação se não fosse assim? Jesus passa pelo laós, o povo, é laico. Falar de secularização não explica a tragédia.
E onde está a tragédia?
Na descristianização. No fato de que as pessoas não escutam mais as palavras de Jesus. Você pode muito bem não acreditar em Deus, não acreditar que Jesus é o Logos que está junto a Deus, etc., mas as suas palavras são de uma figura histórica, proferidas e transmitidas. Aqui não se trata da ‘morte de Deus’ na concepção de Nietzsche. São as palavras do Evangelho, as bem-aventuranças, o samaritano, que hoje se calam.
Como “se calam”?
Pense na maneira como as guerras recentes foram tratadas, os náufragos deixados para se afogar. É evidente que as palavras do Evangelho não tiveram valor algum. Não que elas outrora tenham agido profundamente, Kierkegaard já falava de dois mil anos de escândalo. No entanto, havia uma disposição para a escuta em vastas camadas da sociedade e da política. Embora nunca tenham sido realmente encarnadas, exceto em figuras extraordinárias como Francisco de Assis, pelo menos lançavam um chamado. Eu até podia não ter a força para segui-las, mas chamavam.
E agora?
Elas não são mais um chamado para esta sociedade. Se alguém cair meio morto na rua, você tem que socorrê-lo, se ele estiver com fome, oferecer-lhe comida, se estiver nu, vesti-lo. Ponto. Se você não fizer isso, sentirá que falhou com uma voz que lhe chamava para fazer isso. Agora não há mais nem mesmo isso. Ainda haverá cristãos, restos de Israel, em algum mosteiro ou no andar de baixo, mas são pessoas, não constituem mais a enervação de uma comunidade. Aquelas palavras não falam mais à ação política, àqueles que formam a opinião pública. A política faz exatamente o oposto e não tem mais nem mesmo vergonha disso. Esse é o salto.
Francisco abrirá uma porta santa na prisão como um chamado ao Evangelho...
É um grande gesto, como foi não ir àquela cerimônia blasfema em Notre-Dame, entre aqueles poderosos. Mas o que fazem ali, corram para salvar vidas na Ucrânia ou em Gaza.
Fica a natureza trágica da situação.
Sim. Trágica é a figura de Wojtyla, que luta a vida inteira contra o ateísmo comunista e no fim descobre que o perigo vem do consumismo. Trágico é Ratzinger, um grande teólogo e um grande europeu, que vê a descristianização no centro sagrado do cristianismo, Roma, a Europa, e renuncia para que ela não se espalhe na própria Igreja. E trágico é Francisco que a considera como certa e fala de periferias: tudo bem, mas como se faz? Qual é o sentido de falar de periferias se é o centro que está faltando?
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“Momento trágico. As pessoas não escutam mais as palavras do Evangelho”. Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU