23 Agosto 2023
Ao término do ano dedicado a São Gotardo, o bispo de Hildesheim, na Alemanha, Heiner Wilmer, SCJ, dirigiu aos fiéis e às comunidades cristãs da diocese uma carta pastoral sobre a esperança.
O documento foi traduzido ao italiano e publicado em Settimana News, 18-08-2023. A tradução ao português é de Moisés Sbardelotto.
Queridas irmãs e queridos irmãos,
“A figueira não brotará e não haverá fruto na parreira; a oliveira negará seu fruto e o campo não produzirá colheita; as ovelhas desaparecerão do curral e não haverá gado nos estábulos” (Hab 3,17). É assim que o profeta Habacuc descreve de forma deprimente a situação de Israel na Bíblia.
Olhando para o estado da nossa Igreja hoje na Alemanha, certamente podemos nos sentir transportados de volta aos tempos de Habacuc. Nós também nos encontramos em uma situação difícil, com desafios enormes.
Infelizmente, nós mesmos, em grande parte, somos os responsáveis pela situação atual: na nossa Igreja, não apenas permitimos durante décadas inúmeros crimes contra jovens e pessoas necessitadas de proteção, mas também os encobrimos. Deixamos as vítimas sozinhas com seu sofrimento por muito tempo. Na Diocese de Hildesheim, estamos aprendendo com isso e dando passos na prevenção, na intervenção e no tratamento da violência sexual. No entanto, isso não pode impedir que o fracasso da nossa Igreja em enfrentar esse problema por muitos anos se reflita agora em uma enorme perda de confiança na nossa instituição.
Além disso, para muitos, os esforços de reforma dentro da nossa Igreja não são rápidos o suficiente. Temos uma alta taxa de abandonos da Igreja e um crescente afastamento de muitas pessoas em relação às tradições da nossa fé: tudo isso está pondo a dura prova uma forma familiar de fé e de Igreja, que no futuro terá que administrar com menos dinheiro e um número cada vez menor de mulheres e de homens empenhados na pastoral. Somos, portanto, uma realidade sem esperança?
Outono – a última geração de cristãos na Alemanha? Não! Podemos esperar!
Maria é uma mulher incrivelmente forte que nos dá esperança. Nestes dias, celebramos a Assunção de Maria. Celebramos uma mulher que vinha do povo, que se tornou mãe em idade muito jovem, uma mulher que nem sempre teve uma vida fácil com seu filho e que o viu morrer. Maria compartilha esse destino com muitas mulheres – à época, hoje e também amanhã.
Mas o que torna Maria tão extraordinária para nós? Encontramos a resposta no primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, no Magnificat (Lc 1,46b-55). Nessa oração, Maria nos faz entender que, apesar de todas as nossas dificuldades e desafios, podemos nos encher de esperança e de confiança.
Maria nos diz que Deus olha para a humildade. Deus é aquele que olha para o pequeno, para o insignificante. Deus escolhe aqueles que, à primeira vista, são figuras improváveis – pouco evidentes. Hoje ele faz o mesmo: está junto com as comunidades que se tornam menores. Assim como as comunidades litúrgicas permanecem fiéis umas às outras, assim também Deus permanece fiel.
Onde dois ou três estão juntos em seu nome, Deus está com eles. Não há motivo para se desesperar: Deus permanece conosco, e, portanto, também nós podemos permanecer juntos.
Maria nos diz que Deus nos dá sua misericórdia. Deus é aquele que leva em consideração cada um de nós amorosamente – quando estamos doentes, em conflito com nós mesmos e com os outros, ou quando a nossa coragem nos abandona. Não estamos sozinhos neste mundo, nem como indivíduos nem como Igreja. Deus nos segura em seus braços.
Maria nos diz que Deus faz obras poderosas com seu braço. Maria experimentou em seu próprio corpo que toda palavra é possível para Deus. A virgem se torna mãe. Devemos aceitar a palavra de Maria e confiar verdadeiramente em Deus em tudo, especialmente quando as coisas ficam mais sombrias. Maria nos mostra tudo isso com clareza.
Maria nos diz que Deus está do lado dos últimos. Na lógica de Deus, não é o forte quem vence. Na lógica de Deus, a força é do fraco. Na lógica de Deus, por meio de uma mulher comum que mora em Nazaré, o Verbo de Deus se faz homem. E, na lógica de Deus, esse ser humano vence a morte para sempre e nos dá a vida que não se consome.
Maria nos diz que Deus dá de comer aos famintos e deixa os ricos de mãos vazias. A justiça de Deus segue a sua medida, que sempre vira de cabeça para baixo o pensamento humano. Deixemo-nos também virar de cabeça para baixo: para que o coração e a cabeça possam se encontrar. Mantenhamos os olhos voltados para aqueles que não estão bem: nos nossos bairros, nas nossas comunidades, nas muitas áreas de crise do mundo. Por amor a Deus, demos de comer aos famintos deste tempo.
Maria nos diz que Deus nos prometeu sua misericórdia para sempre. Não há motivo para ficar sem esperança com Deus como companheiro. A promessa é feita a Abraão e à sua descendência para sempre.
Se pensamos em Maria em particular nestes dias, é porque ela nos deu o exemplo de que podemos nos confiar completamente a Deus.
Com essa confiança, podemos moldar o futuro da nossa Igreja. O teólogo Karl Rahner deixou-nos uma esplêndida imagem do que isso significa: “A virtude da vida cotidiana é a esperança, na qual se faz o possível e se confia a Deus o impossível”.
Confiemos a Deus o impossível. Ele permanece conosco – em todos os desafios. E confiemos também no possível: penso nos desdobramentos que ganharam força e impulso, graças também ao ano dedicado a São Gotardo.
Diante de mim, vejo as longas mesas onde pessoas com origens e perguntas muito diferentes comem e compartilham a vida juntas. Penso nos muitos educadores e educadoras das escolas infantis, que, após a pandemia, se esforçam para que os pequenos possam crescer e habitar a vida.
No processo pastoral dos espaços do futuro, experimento muitas paróquias que estão se reorientando, que estão moldando seu futuro pastoral com uma visão realista e com muita criatividade.
Está cada vez mais claro que, como cristãos, temos um bom futuro quando redescobrimos e compartilhamos o Evangelho e a nossa fé. Iniciativas como “A Próxima Quinta-Feira”, mas também as muitas pequenas e grandes experiências de peregrinação, demonstram isso e me impressionam.
Comovem-me a força e o espírito com que os cristãos e as cristãs das nossas paróquias e comunidades – muitas vezes junto com os nossos irmãos e irmãs protestantes e muitos outros – falam de modo crível sobre o Evangelho por meio de suas atividades sociais.
E me comovem a paixão e a energia de tantos que trabalham nas nossas escolas, na Caritas, nos inúmeros consultórios e nas atividades pastorais, nos hospitais e nos centros de saúde, em outros lugares particulares, testemunhando o Evangelho. Tudo isso deve ser ainda mais fortalecido.
No futuro, talvez não estaremos mais por toda a parte, mas seremos convincentes e credíveis em todos aqueles lugares em que as pessoas vivem a sua esperança e a sua fé e dão forma à sociedade e à Igreja.
No fim do ano dedicado a São Gotardo, colhemos o que foi semeado e talvez já colhido. Não estabelecemos um ponto, mas um ponto duplo: queremos promover o que foi iniciado e tem se mostrado significativo. Iniciativas como as mesas de convivialidade podem expressar maravilhosamente a força da solidariedade e da comunidade cristãs.
Fortaleceremos as inúmeras iniciativas de peregrinação, porque elas tornam visível que estamos a caminho rumo a um novo futuro. E faremos com que as pessoas não fiquem sozinhas com sua fome de espiritualidade e de profundidade na fé, mas cresçam em uma comunidade com suas energias e seus dons.
Em muitos lugares, as pessoas estão juntas, na visita aos irmãos e às irmãs, nos corais, na oração comum, nas celebrações eucarísticas. Não deixemos de experimentar novas formas e modos de ser cristão, incluindo outras formas de celebração da fé que permitem novas abordagens às velhas tradições.
Novos lugares de bênção surgem quando os queremos e os aceitamos. Estamos comprometidos em promover essas abordagens positivas e a apoiar aquelas pessoas que, na nossa diocese, as imaginaram e criaram.
Nossa Igreja está mudando. Às vezes, isso significa dizer adeus a coisas que aprendemos a amar. Ao mesmo tempo, coisas novas e inesperadas estão surgindo. Ambas são verdadeiras. O luto doloroso e o estupor incrédulo, a morte e o primeiro e novo início: ambos nos comovem.
Como cristãos e cristãs, isso não deve nos assustar. Maria deu-nos o exemplo de que Deus nos prometeu sua misericórdia “para sempre”. Podemos viver dessa esperança. Eu gostaria de encorajá-los a fazer isso! Sigamos em frente com energia, criatividade e sem medo. Assim como Maria, que disse: “O Todo-Poderoso fez grandes coisas por mim, e seu nome é santo… Demonstrou o poder de seu braço” (Lc 1,49.51).
Queridas irmãs e queridos irmãos, Deus os abençoe e lhes dê esperança.
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Esperança depois da cristandade. Artigo de Heiner Wilmer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU