20 Agosto 2020
"A esperança é, afinal, para um ser que não é dono da existência, uma forma de confiança na vida: como se a esperança fosse religiosa e a confiança laica. Assim como não é possível viver sem esperança, também não é possível viver sem confiança: é uma forma de ser fiel à vida, de não a trair e acolhê-la em seus temores e tremores, em suas fragilidades, em suas solidões que pedem ajuda", escreve Giancristiano Desiderio, jornalista, escritor e professor italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 19-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um ensaio do psiquiatra Eugenio Borgna explora a “paixão do possível” (e seu contrário).
Além da medicina. Quantas vezes, falando com um amigo ou raciocinando conosco mesmo num diálogo interior, concluímos dizendo: "Vamos esperar"? Quase sempre. Porque a esperança faz parte de nós mais do que estamos dispostos a admitir e aceitar. A esperança faz tão parte da condição humana, que não só é, como diz Foscolo nos Sepulcros, a última deusa a fugir, mas é da sua fuga ou da sua ausência que nasce o irmão ou meio-irmão: o desespero.
O filósofo dinamarquês Kierkegaard, reconhecido pai do existencialismo, distinguia entre angústia e desespero e enquanto para a primeira ele reconhecia uma via de salvação, para o segundo falava de "doença mortal" que é o estado em que não se está vivo nem morto e nos desesperamos. Acontece, dizia o autor de Aut-Aut, quando o homem se recusa a ser uma criatura e se concebe como um ser perfeitamente autônomo, enquanto os seres humanos, que os gregos chamavam de mortais, são criaturas frágeis. É nisso que Eugenio Borgna se inspira para seu último livro: Speranza e disperazione (Esperança e desespero, Einaudi). Um texto para todos porque, mesmo considerando os limites próprios da psiquiatria, é dirigido ao leitor comum que, esperançoso ou desesperado, vai em busca de uma ubi consistam e, mais simplesmente, de confiança.
Speranza e disperazione
Eugenio Borgna
Eugenio Borgna exerceu a ciência psiquiátrica em campo – no hospital de Novara – e no livro as vivências clínicas dos pacientes, seus depoimentos, dores, dramas, angústias e a pesquisa na tentativa de ouvir e dar um sentido à vida. Porém, precisamente porque esperança e desespero não dizem respeito apenas a casos extremos, mas tocam as existências comuns, a vida que nos aproxima, Borgna leva a psiquiatria além da psiquiatria e encontra a literatura, a filosofia, a poesia, que são todos modos ou "vias" para expressar as angústias humanas e dar um sentido de esperança às nossas frágeis vidas cheias de desejos.
Não é por acaso que no centro do livro, tão rico em exemplos e referências, de Agostino a Pascal, de Kierkegaard a Jaspers, de Goethe a Benjamin, existem dois literatos e poetas como Giacomo Leopardi e Cesare Pavese. Do primeiro assume-se a "filosofia" básica, que abre justamente o livro de Borgna com uma frase tirada do Zibaldone: "Em suma, o próprio desespero não existiria sem a esperança, e o homem não se desesperaria se não estivesse esperando". Aqui estão os dois irmãos: esperança e desespero.
Filhos da mesma mãe que, às vezes, albergam no mesmo coração, dilacerando-o. Do segundo, de Cesare Pavese, é analisado por meio das cartas, do diário, dos poemas, uma existência dominada pela solidão até o ponto em que, justamente a solidão, prevalecerá e a morte virá com o suicídio, que é o última forma que assume o estado de ânimo depressivo do desespero. ”O suicídio não teria acontecido – escreve Borgna – se os acontecimentos que marcaram a sua vida tivessem sido diferentes? O desejo de suicídio manifestou-se na adolescência de Pavese, mas o amor de Costanze Dowling teria podido salvá-lo da morte voluntária?”. Não o sabemos e nunca o saberemos, todo suicídio, diz Jaspers, médico psiquiatra e filósofo, é um mistério; e Borgna responde com honestidade intelectual "Não sei", enquanto através da vida e da morte, a solidão e a poesia de Pavese, – "A morte virá e terá teus olhos" – quis destacar a importância de falta de esperança em não dar um sentido à vida do autor de La bella estate.
O esforço do psiquiatra, que aqui se faz escritor, é oferecer uma espécie de fenomenologia da esperança na tentativa de iluminar o lado escuro da alma humana e mostrar que "esperança é abertura" que redime o passado e o presente olhando para o futuro.
Um grande santo como Alfonso de Liguori – "simpático santo napolitano" segundo a definição simpatética de Croce – costumava dizer que a vida é um olhar pela janela. Pois bem, à sua maneira, a esperança é esse olhar: é, para usar a expressão de Kierkegaard que o psiquiatra assume, "paixão do possível" que não exclui que a luz possa irromper mesmo nas noites escuras da alma, de uma alma eternamente inquieta. A esperança e o desespero perpassam uma no outro. Leopardi no Zibaldone une indissoluvelmente esperança e vida e diz: "Vivo, portanto espero". Cada momento da vida de um homem é caracterizado pelo ato de esperança que é basicamente uma forma de desejar a vida e nosso apego ao amor próprio.
Quando a perda da esperança é substituída pelo desespero, o homem pode recusar a própria vida. Naquele momento tudo é negro como o Abismo e do Abismo se é sugado porque se está só. Por isso é tão importante manter sempre um diálogo aberto, consigo mesmo e com os outros: os seres humanos – os mortais – no fundo são uma trama de relações e a esperança, ela mesma tão frágil e mutável, nasce, morre e renasce precisamente nas relações que dizem respeito aos outros e ao tempo de nossa vida feita, como repetia Agostinho, de passado ou memória, de presente ou intuição, de futuro ou expectativa. Por isso, é importante não só ter esperança, mas sobretudo aprender a ter esperança como forma de conhecimento da própria condição humana. Já Heráclito, no alvorecer do pensamento, nos convidava a ter esperança, pois “se não espera, não encontrará o inesperado”.
Mas o que esperar hoje? A esperança da fé em um Deus além do mundo é coisa mais única que rara, é algo que parece pertencer ao mundo dos contos de fadas de que falava Nietzsche; entretanto, o homem, quer acredite em um Pai ou não, ainda é uma criatura e sua dimensão criatural o torna "aberto" à confiança por sua experiência histórica e por sua necessidade.
A esperança é, afinal, para um ser que não é dono da existência, uma forma de confiança na vida: como se a esperança fosse religiosa e a confiança laica. Assim como não é possível viver sem esperança, também não é possível viver sem confiança: é uma forma de ser fiel à vida, de não a trair e acolhê-la em seus temores e tremores, em suas fragilidades, em suas solidões que pedem ajuda.
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A esperança pode ser aprendida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU