02 Novembro 2024
"A Terceira Guerra Mundial em pedaços, uma de tipo novo, pois não é mais questão, ou pelo menos ainda não é, de dois 'blocos' que se contrapõem em uma grande guerra", Paolo Pombeni, cientista político e escritor itáliano, em artigo publicado por SettimanaNews, 30-10-2024.
Quando o Papa Francisco lançou a provocação da "Terceira Guerra Mundial em pedaços", muitos, inclusive quem escreve, a receberam com certa perplexidade. Pensando bem, isso se deve ao fato de que permanecemos ligados à interpretação que demos da Segunda Guerra Mundial: um grande confronto entre as "nações unidas" (democráticas) e as ditaduras de extrema-direita.
Deixemos de lado a questão, longe de ser secundária, de se a URSS de Stalin poderia ser incluída entre as democracias, ainda que como um regime em evolução tendencial para uma "democracia socialista" (foi uma tese que circulou, embora tenha se revelado infundada) e coloquemos em evidência a imagem "bipolar" que foi dada ao evento bélico: democracia contra fascismo.
Essa imagem/interpretação foi rapidamente transferida para o bipolarismo da Guerra Fria. Ambos os contendores, EUA e URSS, com seus respectivos "blocos", pretendiam ser cada um o verdadeiro herdeiro da frente democrática, sendo o adversário o continuador, sob novas formas, do fascismo.
Pensava-se que isso acabaria levando à retomada da "grande guerra", justamente a Terceira Guerra Mundial, Ocidente contra Oriente, capitalismo contra socialismo, ou algo do tipo, com a repetição do confronto bélico agora sob o espectro do confronto nuclear.
Talvez porque se percebia que seria uma destruição mútua assegurada, uma "loucura total", talvez porque circunstâncias favoráveis no desenvolvimento econômico aconselhassem a não arriscar isso, talvez porque em certos momentos exista alguma racionalidade também na gestão das relações internacionais, essa grande guerra não ocorreu, apesar de vários momentos críticos.
Acho, no entanto, que hoje precisamos fazer uma reflexão mais abrangente, que reveja a interpretação do significado das duas guerras mundiais. Em 1961, foi publicado o livro do historiador alemão Fritz Fischer, que evidenciava, com ampla documentação de arquivo, como as classes dirigentes da Alemanha do início do século XX eram movidas pela convicção de que era preciso questionar o equilíbrio de poder que se havia estabelecido na Europa, e consequentemente no mundo, com o arranjo que se estabelecera entre o Congresso de Viena (1814-1815) e os eventos por volta de 1870.
O livro foi traduzido para o italiano pela Einaudi em 1967 com o título Assalto ao Poder Mundial. Muito discutido, certamente passível de refinamentos e precisões, tocava em um ponto fundamental: no início do século XX, uma parte muito significativa da cultura de governo alemã estava convencida de que era inevitável enfrentar o problema da "discutibilidade precária" do equilíbrio existente, e que isso acarretaria uma guerra que envolveria todos.
É preciso esclarecer que convicções semelhantes eram bastante difundidas entre as classes dirigentes de outras "potências" (mais ou menos relevantes), embora nem todos acreditassem que a crise do equilíbrio fosse tal que não pudesse ser restabelecido, e acreditavam que os riscos de uma guerra, grande e mundial, prejudicial à prosperidade econômica, poderiam ser evitados.
Apesar das ressalvas de alguns, houve a guerra, que não conseguiu de forma alguma restabelecer uma nova forma de equilíbrio (embora invocada em palavras por alguns vencedores), também devido àquela "paz cartaginesa" (a famosa definição é de Keynes) que não tinha a intenção de se adequar a essa perspectiva.
Novamente, o objetivo da Segunda Guerra Mundial, justamente considerada uma espécie de continuação da Primeira (lembremo-nos da definição do período como "nova guerra dos trinta anos"), foi como regular a ordem internacional, não mais com base em um "concerto de potências" (a antiga definição oitocentista), mas no uso de uma ideologia compartilhada da ordem internacional como instrumento regulador, como se considerava que havia se maturado na grande aliança antifascista.
Naquela ocasião, porém, chegou-se, embora com todas as ambiguidades e dificuldades da história humana, a construir, em etapas, um equilíbrio de convivência que perdurou até quase o final do século XX.
Parece-me que neste momento estamos chegando, novamente por etapas contorcidas, ao desafio generalizado à ordem internacional pós-1945. O neoimperialismo que está se afirmando não deve ser subestimado. Certamente é cada vez mais impressionante o desafio aberto que a Rússia de Putin lançou contra o "Ocidente" (categoria misteriosa, de fato, como são todas as categorias da espécie "diabólica"), mas trata-se de um fenômeno que envolve muitos componentes: desde a galáxia de países e movimentos que, de formas diferentes e até contraditórias, referem-se a uma certa tradição do islamismo, ao ressurgimento do que me permitiria chamar de "asiatismo" (não só a China, mas também a Índia), a muitas correntes que percorrem o antigo Terceiro Mundo e a América Latina.
A incerteza quanto à manutenção do consenso sobre a estabilização, certamente discutível, mas aperfeiçoável em vez de desprezível, alcançada na segunda metade do século XX, permeia também aquela parte do mundo onde se desenvolveu e se afirmou a cultura que a produziu. Veja-se o fenômeno duplo e concorrente da fuga para a utopia, que rapidamente identificaremos nas várias e compostas versões da cultura do cancelamento, e da ressurreição do reacionarismo, moderado ou radical.
Esse contexto está desencadeando uma espécie de "liberou geral", em que forças diversas pensam, ou mais provavelmente se iludem, que podem desestabilizar a história, abrir uma nova era com as demagogias associadas. Assim, desencadeia-se uma multiplicidade de conflitos de diferentes intensidades e relevâncias, conflitos que têm como objetivo redesenhar o mapa ao menos de partes do mundo, que, no entanto, são partes-chave e, por isso, têm repercussões globais: alguns são muito evidentes e já assumiram dimensões consideráveis (invasão russa na Ucrânia; guerra no Oriente Médio com o neoimperialismo tentacular iraniano e a busca de uma resposta final a ele pelo atual governo israelense, talvez líder de um projeto mais amplo de reestruturação da área); outros têm formas mais sutis (a política chinesa e indiana, a turca; o assalto à África), e incentivam também de várias maneiras guerrilhas locais sangrentas e um universo terrorista a não ser subestimado.
Trata-se, e volto ao ponto de partida, da Terceira Guerra Mundial em pedaços, uma de tipo novo, pois não é mais questão, ou pelo menos ainda não é, de dois "blocos" que se contrapõem em uma grande guerra (embora muitos protagonistas trabalhem para construí-los na tentativa de se fortalecer em um confronto global).
Estamos diante de um ataque tendencialmente muito amplo à racionalidade da convivência no equilíbrio, ataque que, temo, ganha força com o declínio da confiança de que ainda haja espaço para continuar no caminho de um desenvolvimento econômico e social do qual o mundo possa se beneficiar amplamente (o declínio do mito da affluent economy, que poderia se tornar um fenômeno generalizado).
Como esse desafio, ou mais precisamente esse ataque ao equilíbrio mundial, poderá se desenvolver, quem escreve certamente não é capaz de determinar. As incógnitas são muitas, estamos lidando com o surgimento de interpretações culturais que enquadram a história fora das categorias que foram dominantes e aceitas nos últimos dois séculos; também nessas relações estamos sempre diante da concorrência do acaso e da necessidade, dois elementos mutáveis e imprevisíveis que dificilmente podem ser racionalizados a priori: já seria muito tentar mantê-los sob controle e tentar administrá-los de alguma forma quando se manifestam.
No entanto, acredito que essa situação deve ser colocada em pauta, especialmente em contextos como o europeu, e em especial o italiano, onde se brinca com disputas de quintal enquanto lá fora se avança para um confronto épico (não chamemos de confronto de civilizações, porque isso não agrada: mas é algo vagamente semelhante). Não sei se aqueles a quem cabe refletir em público, como os que se expressam nos meios de comunicação, estão realmente aptos a dar respostas. Penso, porém, que deveriam pensar nisso.
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Uma Terceira Guerra Mundial em pedaços. Artigo Paolo Pombeni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU