08 Abril 2022
[Feministas russas] “criaram um manifesto no qual destacam: ‘Somos contra a guerra, o patriarcado, o autoritarismo e o militarismo. Somos futuro! A vitória é nossa!’. Esse é o ímpeto, hoje, do amplo movimento de mulheres no mundo que dá vida à revolução social do século XXI”, escreve Laura Castellanos, repórter independente mexicana, dedicada a movimentos subversivos, em artigo publicado por Rebelión, 04-04-2022. A tradução é do Cepat.
O presidente russo Vladimir Putin coloca o mundo no limite, correndo o risco de provocar a Terceira Guerra Mundial, após sua invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro.
Seu homólogo ucraniano Volodimir Zelensky apontou que essa possibilidade existe, caso as negociações entre os dois falharem. O estadunidense Joe Biden alertou o russo que isso pode acontecer, caso ataque qualquer país da Organização do Tratado do Atlântico Norte. E líderes de outras superpotências bélicas, como o chinês Xi Jinping e o da Coreia do Norte, Kim Jong-un, posicionaram-se como aliados de Putin.
Nesta reedição da Guerra Fria, de um lado e do outro, os homens de poder decidem as estratégias geopolíticas, militaristas e econômicas do conflito, conforme seus interesses e excluindo as mulheres. Tem sido assim na história da humanidade sob a ordem patriarcal, geradora da atual crise civilizatória, à qual hoje se soma a do risco de uma guerra global de alcances inimagináveis.
Nós, mulheres, não deflagraremos a Terceira Guerra Mundial, assim como não deflagramos a Primeira, nem a Segunda, que deixaram um saldo de pelo menos 48 milhões de mortos e um número indeterminado de viúvas e menores órfãos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Galina Timchenko, editora-executiva de Medusa, o meio de comunicação independente russo mais perseguida por Putin, pensa o mesmo: “São jogos de homens. E neles não há lugar para as mulheres”, disse-me em uma entrevista de seu exílio na Letônia.
O presidente russo e seu regime encarnam a ordem patriarcal e procuram perpetuá-la.
Timchenko considera que há uma razão de fundo na invasão à Ucrânia: “Putin envelheceu, mas quer ganhar e manter o poder para sempre. A Ucrânia representa um foco de constante preocupação para ele: o país conseguiu uma mudança de poder, eleições livres e iniciou um processo democrático”.
A ONU registrou que os bombardeios aéreos russos atingiram hospitais, escolas e creches ucranianas. A estratégia militar é, para a jornalista russa, a destruição indiscriminada: “O mais importante nesta guerra é que tudo se reduz à vida ou à morte”.
A morte e a destruição são mecanismos de poder da ordem patriarcal que foi erigida, ao longo da história humana, por meio da violência direta, do desenvolvimento do armamentismo, das guerras, da escravidão do trabalho e da exploração sexual, bem como da pilhagem de recursos e território para fins de acumulação. Isso derivou e sustenta o atual sistema capitalista, conforme descrito por Maria Mies em seu livro Patriarcado e acumulação em escala mundial.
O fato de as mulheres não terem liderado guerras mundiais, nem as guerras colonizadoras na antiguidade, não significa que nenhuma aliada do poder tenha intervindo nelas ou as tenha financiado. Existem mulheres que apoiaram o patriarcado por cumplicidade, ignorância ou submissão. Da mesma forma, houve outras mulheres, geralmente de origem popular, que por convicção, mera sobrevivência ou emancipação pegaram em armas.
Na escalada dos conflitos armados contemporâneos, há uma presença crescente de mulheres armadas nos exércitos regulares ou resistências populares. Na guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, majoritariamente desmobilizadas, as guerrilheiras representaram aproximadamente 40% de suas fileiras; e no Curdistão, as Unidades de Proteção das Mulheres integraram mais de 30.000 mulheres para libertar o Iraque e a Síria do autodenominado Estado Islâmico, segundo a Anistia Internacional (AI).
A organização acrescenta que as mulheres que empunham uma arma, participam das guerras como enfermeiras ou cuidadoras, ou fazem parte da população civil que permanece ou foge do território em conflito, também estão expostas ao tráfico de pessoas, ao tráfico de exploração sexual e à violência sexual.
Maria Mies escreveu: “Quem possui as mulheres de um território, possui esse território”. A ONU afirma que a violência sexual é generalizada em conflitos armados e é usada como tática de guerra. Foi o que aconteceu na Bósnia, nos anos 1990, quando foi uma arma impiedosa contra mulheres e meninas, assim como é o que acontece hoje no conflito da República Democrática do Congo.
Um mês após a invasão russa à Ucrânia, existem mais de 10 milhões de casos de deslocamento forçado, segundo a ONU. A Organização Internacional para as Migrações alertou que esta população é constituída sobretudo por famílias com um único suporte, que incluem mulheres, menores e idosos. E já detectou casos de violência sexual e indicadores de tráfico em redes de transferência ou alojamento.
Enquanto isso, os meios de comunicação relatam um crescente alistamento de ucranianas em seu Exército e difundem uma imagem sexualizada delas. O Ministério da Defesa as fez marchar de salto alto. Mas essas combatentes, assim como as que alimentam as milícias pró-Rússia de Donbass, integram a população feminina mais pobre da Europa, segundo a AI.
O fim da guerra na Ucrânia ainda é incerto. Assim como são os longos conflitos que destroem a vida de populações vulneráveis na Etiópia, Nigéria, Síria, Afeganistão, Palestina e Iêmen. Neles, são os homens de poder que decidem as guerras e também a paz. Sete em cada dez processos de paz acompanhados pela ONU não incluíram mulheres mediadoras ou signatárias. E nenhum dos acordos de cessar-fogo alcançados entre 2018 e 2020 estabeleceu a proibição da violência sexual.
Isso não significa que as mulheres tenham desempenhado um papel passivo em sua demanda por paz. Na história, as mulheres foram agentes decisivos para alcançá-la e hoje, em diferentes partes do mundo, exigem de Putin um cessar-fogo. As mulheres russas protestam e, consequentemente, são presas.
As mais desafiadoras são as feministas daquele país. Um total de 45 grupos criaram o canal Resistência Feminista Contra a Guerra na rede Telegram, de onde organizam protestos e ações coordenadas. Embora anteriormente ignorados, esses grupos são hoje a força política mais ativa da Rússia, razão pela qual estão em risco de ser perseguidos.
Nesse canal, convocam as feministas de todo o mundo a protestar contra a guerra, para livrar as ucranianas dos deslocamentos forçados, da violência direta e sexual e de mais pobreza.
Além disso, criaram um manifesto no qual destacam: “Somos contra a guerra, o patriarcado, o autoritarismo e o militarismo. Somos futuro! A vitória é nossa!”. Esse é o ímpeto, hoje, do amplo movimento de mulheres no mundo que dá vida à revolução social do século XXI.
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O machismo histórico e a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU