24 Abril 2025
O cardeal deposto por Bergoglio, Angelo Becciu, exige entrar no Conclave sob ameaça de impeachment, enquanto participa das reuniões do grupo mais extremista de cardeais que já caminham para a eleição papal.
A reportagem é de Natalia Chientaroli e Jesús Bastante, publicada por El Diario, 23-04-2025.
Ao longo de uma calçada de paralelepípedos no Vaticano, entre pinheiros e muros de tijolos, dois cardeais caminharam na manhã de quarta-feira para entrar na Casa Santa Marta e participar da procissão que levou o corpo do falecido Papa até a Basílica de São Pedro. Eles sorriram para os transeuntes, parando em frente a uma das poucas câmeras de televisão que não estavam mais na praça. À tarde, eles seriam um dos 103 cardeais presentes em uma das reuniões preparatórias para o conclave. Eles podem até dormir esta noite em um dos quartos próximos àquele onde Francisco viveu durante os últimos 12 anos de seu papado, que foi selado após sua morte. A residência Santa Marta agora retorna à sua função original: abrigar os participantes do conclave para designar o próximo papa.
Angelo Becciu exigiu comparecer à reunião. Uma grande ameaça política à reunião de cardeais porque Becciu foi destronado como cardeal por Francisco em 2020. Bergoglio o destituiu dos "direitos associados ao cardinalato" depois que seu envolvimento em irregularidades financeiras no fundo para os pobres se tornou conhecido. Se ele acabar entrando na Capela Sistina, será um passo desastroso para o legado de Francisco e a primeira vitória dos extremistas, de acordo com delegados do Vaticano já presentes na cidade.
O cardeal Becciu está ligado ao escândalo em torno da compra e venda do palácio londrino na Sloane Avenue, um caso pelo qual ele foi condenado e permanentemente banido do cargo pelos tribunais do Vaticano — embora a decisão esteja sendo apelada. De fato, seu nome não consta na lista dos 133 cardeais (após as renúncias de Antonio Cañizares e do bósnio Vinko Pulji) com menos de 80 anos que se trancarão na Capela Sistina para eleger o sucessor de Bergoglio.
Mas o cardeal sardo não desistiu e ameaça desafiar o Conclave se não estiver presente. "O Papa reconheceu minhas prerrogativas cardeais como intactas, já que não houve intenção explícita de me excluir do Conclave nem qualquer pedido escrito explícito de minha renúncia", reiterou o cardeal condenado ao jornal Unione Sarda.
Por enquanto, Becciu participou da primeira reunião preliminar nesta segunda-feira, onde foi definida a data do funeral de Bergoglio, segundo fontes do Vaticano. O porta-voz oficial se recusou a responder às perguntas dos repórteres: "Estamos relatando quantos cardeais estão participando, não quais". No entanto, ele esclareceu que a participação nas reuniões pré-conferências não implica automaticamente na participação na votação para eleger o novo líder da Igreja Católica: "Todos os cardeais estão convidados a participar das congregações, mas a participação no conclave será discutida oportunamente", disse o porta-voz.
O homem desonrado aos olhos do falecido Papa sustenta que sua exclusão do conclave foi comunicada exclusivamente por meio de uma nota da Sala de Imprensa, e não por meio de um ato formal assinado pelo Papa. Com essas armas, o antigo responsável pelo óbolo dos pobres argumenta que seus direitos (incluindo o direito de receber um salário) foram suspensos, mas não seus "deveres". E a ofensa mais grave para um cardeal é participar do conclave.
Como prova, Becciu afirma que foi convidado a participar do último consistório de cardeais de Francisco, realizado em 8 de dezembro. Ele também foi visto nos terços noturnos celebrados na Basílica de São Pedro durante a internação de Francisco no Hospital Gemelli.
A decisão final caberá à congregação de cardeais, a menos que apareça um esclarecimento póstumo de Francisco que resolva a questão. Fontes episcopais ainda não descartaram essa possibilidade, pois ainda faltam vários dias para o conclave.
Quer Becciu permaneça excluído ou seja admitido, o resultado é significativo e tem consequências neste tipo de Jogo dos Tronos que a eleição do sucessor do Papa está gradualmente se tornando, com o corpo de Francisco ainda na Basílica de São Pedro.
Porque a presença de Becciu representaria um golpe na autoridade do pontificado anterior, bem como uma vitória para o grupo de cardeais que considerou a pena do cardeal "excessiva", já que ele sempre se viu alvo de perseguição por parte de setores progressistas.
Enquanto isso, o grupo de cardeais mais próximos de Bergoglio — ainda se recuperando da morte do Papa, como alguns confessam — está começando a perceber como a facção mais extremista, liderada por Raymond Burke, Robert Sarah, Gerhard Müller e Joseph Zen (o cardeal emérito de Hong Kong tem sido um dos mais ferrenhos opositores de Francisco, especialmente em seu relacionamento com a China), está agindo mais como políticos do que como pastores da Igreja. Eles e o próprio Becciu já participaram de reuniões discretas realizadas em Roma nas últimas horas, de acordo com delegados já presentes no Vaticano.
Nesse sentido, um dos cardeais conservadores americanos, Timothy Dolan, de Nova York, fez uma declaração que soa como uma declaração de intenções: "Procuro o coração caloroso de Francisco no próximo Papa, mas com mais clareza e tradição".
Jornais italianos, sempre monitorando de perto as complexidades papais, falam sobre o rearmamento do setor conservador, mas destacam as dificuldades que eles podem enfrentar para reunir votos suficientes para um número consensual. Na verdade, essas reuniões podem estar tentando unificar posições em torno de um nome.
Na realidade, essas manobras dão continuidade ao trabalho que vem sendo realizado há meses por grupos ligados ao bloco MAGA nos Estados Unidos — e seus veículos de comunicação afiliados — que já enviaram a todos os cardeais eleitores um livro dissecando cada um dos cardeais, com base em critérios de suposta ortodoxia ou heterodoxia doutrinária, em torno de temas como a bênção de casais homossexuais, as mudanças climáticas, as missas em latim ou as relações ecumênicas.
Sua tarefa, por enquanto, teve algum sucesso: inicialmente, veículos de comunicação de todo o mundo aceitaram como corretas previsões que colocavam Burke ou Sarah como candidatos papais ou descreviam o cardeal filipino Luis Antonio Tagle como um “heterodoxo perigoso”, ou seja, indesejável.
Ao mesmo tempo, especialistas e membros da Igreja que se disponibilizam têm a garantia de uma entrevista, em meio à enorme expectativa que se sente em qualquer rua de Roma ou ao redor da Praça São Pedro. Ninguém quer se envolver com o que pode acontecer dentro da Capela Sistina. Há muitas incógnitas porque não há um favorito claro e por causa da diversidade do conclave. Haverá um primeiro Papa negro? Será asiático? O papado retornará à Itália? Será continuísta, reacionário ou entreguerras? Por enquanto, todos em público preferem falar sobre seu relacionamento com Francisco e elogiar suas habilidades e valores. No fim de cada análise, quase sempre ouvimos a mesma frase: "Quem entra na Capela Sistina como Papa, sai como Cardeal".