24 Abril 2025
"Essas e outras lindas perguntas, que não deu para acolher aqui, estão presentes nesse livro maravilhoso, que é um atestado vivo do carinho misericordioso e terno que Francisco sempre dedicou às crianças, seguindo o grande exemplo de Jesus, que sempre acolheu os pequenos com grande alegria".
O artigo é de Faustino Teixeira, teólogo, professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Nesses dias que se seguem à Páscoa de Francisco muitas imagens foram divulgadas por todo canto. O que percebemos, vivamente, é que Francisco foi amado e querido por muita gente. O que estamos vendo é apenas a retribuição a tantos gestos de amor que ele dedicou sobretudo aos excluídos, aos rechaçados, aos migrantes e àqueles privados de mundo. Queria, porém, lembrar aqui o seu carinho imenso pelas crianças. Talvez a cena que me tenha mais comovido dentre tantas que venho assistindo foi a de um menino que queria perguntar ao papa se o seu pai que era ateu, e morreu, estaria no céu. O menino, muito emocionado, não conseguiu se expressar no microfone. Foi tomado pelo choro. Foi quanto, então, Francisco o chamou para perto de si, e o convocou a fazer a pergunta ao seu ouvido. A imagem é simplesmente linda, com Francisco reclinado, envolvendo o rosto do menino com suas mãos ternas. Algo assim comovente.
Por todo canto que Francisco andou, a festa se instalou entre as crianças, que corriam para aproximar-se dessa figura carismática, dessa pessoa especial e terna. Lembro-me da festa que fizeram quando Francisco visitou o Brasil. Essas são as imagens que ficam. Elas expressam todo o carinho que Francisco sempre dedicou a elas, em todos os momentos de seu pontificado. Pensando nisso, fui buscar aqui em meu escritório um dos livros que tanto aprecio, que aborda justamente o tema de Francisco com as crianças, onde ele busca responder às questões levantadas por elas. Junto com as questões vinham desenhos muito lindos. O livro foi publicado no Brasil em 2016, pela editora Loyola, com o título: Querido Papa Francisco.
Logo no início, Francisco agradece às crianças pelas perguntas enviadas a ele, e comenta que todas as cartas provocaram nele uma grande alegria. O livro traz vários depoimentos, que buscam apenas responder uma questão. “Se pudesse fazer uma pergunta ao papa Francisco, o que você perguntaria?” Era apenas uma indagação singela, que as crianças foram respondendo, e o livro registrou. Quero partilhar aqui, com você, alguns dos trechos que me tocaram.
Num depoimento terno, o menino João, de Portugal, partilha sua alegria com Francisco, por ter recebido dele um olhar de carinho na Praça de São Pedro. Ele então pergunta a Francisco, o que ele sente quando vê as crianças. A resposta do papa foi singela: “Fico feliz quando vejo crianças. Sinto sempre muita ternura e carinho por elas. Mas não é só isso. Na verdade, quando olho para uma criança como você, sinto uma grande esperança no coração porque, para mim, ver uma criança é ver um futuro”.
A menina Natasha, do Quênia, perguntou ao papa se foi verdade que Jesus andou sobre as águas. A resposta veio recheada de humor, como sempre ocorreu com Francisco: “Ele não voou sobre as águas nem deu cambalhotas enquanto nadava. Ele andou como você anda, um pé após o outro, como se a água fosse terra. Ele andou sobre as águas e viu os peixes nadando felizes e velozes em baixo de seus pés”. Essa foi a resposta desse homem de bem, simples e delicada, natural e livre.
Na pergunta de Emil, da República Dominicana, estava presente uma curiosidade: se seus parentes falecidos podiam ser vistos lá no céu. Francisco respondeu, expressando uma certeza: “Esteja certo de que eles podem, sim, nos ver”. E complementou sua reflexão dizendo que quando Deus permite, eles, os parentes, podem nos ver ao menos em alguns momentos, pois não estão longe de nós. Eles estão, de lá, sorrindo para todos nós.
Em resposta ao Ryan, do Canadá, que perguntava a Francisco sobre o que Deus fazia ante de criar o mundo, o papa respondeu que “antes de criar qualquer coisa, Deus amou”. Desde quando Deus começou a fazer o mundo, completou Francisco, “ele estava simplesmente expressando seu amor”. Josephine, do Reino Unido, perguntou ao papa qual o seu lugar preferido para rezar. À vontade, Francisco respondeu que ele gosta de rezar em qualquer lugar. E disse: “Rezo até no meu escritório ou em minha poltrona na sala. Muitas vezes, à noite, estou cansado e não desço até a capela, então rezo no meu quarto mesmo”. Disse ainda que gosta muito de rezar na capela, de ficar lá “em silêncio diante de Deus”, mas que reza também quando caminho, por exemplo, ao ir ao dentista.
Hannes e Lidewij, duas crianças da Holanda, perguntaram ao papa sobre o que ele gostaria de fazer para tornar o mundo mais bonito e justo. Francisco respondeu indicando a ele que gostaria de fazer muitas coisas, por exemplo, “sorrir sempre”. Em primeiro lugar, sorrir para Deus “para agradecer-lhe todo o bem que ele faz às pessoas”. Agradecer também por sua paciência, por sua capacidade de esperar por nós. Sublinha ainda que o que gostaria de fazer era “ajudar as pessoas que sofrem”, e ter a certeza “de que não há mais injustiças ou pelo menos de que não há tantas”.
Livro "Querido Papa Francisco: O Papa responde às cartas de crianças do mundo todo", de Jorge Mario Bergoglio - Papa Francisco (Edições Loyola, 2016).
Ivan, da China, pergunta ao papa se seu avô que não é católico, mas que não está disposto a fazer o mal, tem um lugar no céu depois de morrer. Em sua resposta, Francisco garantiu ao menino que “Jesus ama muitíssimo” e quer que todos possam ir para o céu. Ele, Jesus, é alguém que nos acompanha por toda vida, completou Francisco, e “está perto de nós até o último momento”. E lembrou ainda para o menino uma frase bonita de um sacerdote santo, João Vianey: “Saiba que entre a ponte e o rio há a misericórdia de Deus”
As crianças faziam perguntas distintas, e algumas bem festivas, como a de Prajla, de seis anos, da Albânia. Ela perguntou ao papa se ele gostava de dançar. Francisco não titubeou, e disse a ela que gostava demais de dançar, sobretudo o tango. E lembrou a ela que “dançar é expressar alegria e felicidade”. Disse ainda a ela que só não dança quem está enredado na tristeza, o que não ocorre com os jovens, que sempre estão felizes. E recomendou a ela: “Dancem agora que são crianças, assim não serão tão sérios quando forem adultos”.
Do Peru veio a pergunta de Alejandra. Preocupada, perguntou ao papa porque Deus não derrotou o diabo, mesmo nos amando. Francisco respondeu que “Deus derrotou o diabo e ele fez isso na cruz”. Venceu o diabo, à sua maneira. Lembrou a ela que o diabo é sempre um perdedor. Sugeriu a ela pensar numa imagem: “O diabo é como um cachorro preso que late e rosna, mas, se você não chega perto dele, ele não pode mordê-la”.
Em outra pergunta, lançada por Alexandra, das Filipinas, ela indagou ao papa sobre os desentendimentos entre os povos. Francisco respondeu dizendo que nós discutimos porque somos humanos, e que a convivência sempre traz problemas. Isso não é motivo para se assustar, pois o acordo pode ocorrer em seguida. E indica para ela uma “receita mágica”: “Os pais devem tentar nunca terminar o dia sem fazer as pazes. Quando carregamos raiva e tristeza dentro de nós à noite, acordamos de manhã com o coração frio, que não se aquecerá facilmente”. Indicou ainda para ela a imagem bonita do arco íris, que é símbolo da paz. Ele “sai das nuvens, bem como o sol. Isso é a paz!”
Lendo o livro, pude perceber como esse tema dos desentendimentos entre os povos, a dor e a guerra, estão presentes nos corações das crianças. Impressionante. Isso porque muitas delas vivem em meio a conflitos dolorosos, como os que vêm ocorrendo atualmente em Gaza, e são elas, as crianças, as que mais sofrem, sem razão! Preocupado, Mohammed, da Síria, perguntou ao papa se o mundo vai voltar a ser bonito como antes. Francisco respondeu com o seu iluminado otimismo, dizendo a ele que almeja por um mundo diferente. Reconhece que há muito sofrimento e dor no momento presente, pessoas que “fabricam armas para que outras lutem e façam guerra”, pessoas “que têm ódio no coração”. Mas que isso vai passar. Acrescenta ainda que todo esse sofrimento presente deve ser “vivido com esperança”, e de que não somos prisioneiros dele. O que nos aguarda, diz o papa, é uma casa “transfigurada e transformada pela presença de Deus”.
O tema da pobreza também aparece nas questões levantadas pelas crianças, como aquela feita por Thierry, da Austrália. Ele indagava sobre a falta de comida para os pobres. Francisco responde dizendo que esta carência de comida se deve à ganância dos ricos, que “não querem dividir com os outros. Completou sua resposta dizendo que Jesus é muito severo com esses gananciosos, e que todos devemos aprender a compartilhar nossos bens com os outros.
Perguntado por William, dos Estados Unidos, se caso pudesse, qual o milagre que gostaria de fazer? Francisco respondeu: “Eu curaria as crianças. Nunca consegui entender por que as crianças sofrem. Para mim é um mistério. Não encontro uma explicação”. É algo por que sempre pergunta, e também reza para conseguir entender. Conclui dizendo que se pudesse fazer um milagre, seria o de curar todas as crianças. Por enquanto, diz Francisco, sua resposta vem coberta pelo silêncio, ou por alguma palavra que brota das lágrimas.
Essas e outras lindas perguntas, que não deu para acolher aqui, estão presentes nesse livro maravilhoso, que é um atestado vivo do carinho misericordioso e terno que Francisco sempre dedicou às crianças, seguindo o grande exemplo de Jesus, que sempre acolheu os pequenos com grande alegria.