Que Igreja o Papa Francisco encontrará na sua viagem a Portugal?

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31 Julho 2023

  • Entre os pontos mais positivos, parece justo destacar o papel social que a Igreja desempenha para com os mais vulneráveis.

  • Quero sublinhar que a Igreja Católica continua sendo uma realidade pública reconhecida também pelos meios de comunicação.

  • A prática religiosa tende a cair pela secularização e pela forma de celebração. Precisamos, também neste nível, de uma reforma profunda.

O artigo é de Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, publicado por Religión Digital, 29-07-2023.

Eis o artigo.

A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude, deixo aqui, também com base em perguntas de jornalistas, inclusive estrangeiros, algumas notas dispersas sobre a Igreja em Portugal.

Genericamente eu diria que o seu estado geral é um pouco estagnado, falta-lhe dinamismo. Entre os pontos mais positivos, me parece justo sublinhar, do qual ninguém duvidará, o papel social que a Igreja desempenha para os mais vulneráveis, nomeadamente através das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), insubstituíveis, mas também através outras instituições como o Banco Alimentar, as Conferências Vicentinas de São Vicente de Paulo... A Igreja também desempenha um papel importante e decisivo na salvaguarda de valores essenciais, como a família, a dignidade humana, a solidariedade...

Aspectos negativos. Baixo dinamismo pastoral, clero envelhecido ... Saliento que a Universidade Católica Portuguesa, com a sua Faculdade de Teologia, deve desempenhar um papel mais ativo e dinâmico na evangelização e no plano ético, ou seja, bioético.

Reconhecido pela imprensa

Quero sublinhar que a Igreja Católica continua sendo uma realidade pública reconhecida também pelos meios de comunicação.

Neste contexto, é importante apresentar dados estatísticos. Segundo o Censo de 2021, os católicos constituem a grande maioria da população: 80,2% se declaram católicos (em 2011, eram 88%); 14% dizem não seguir nenhum credo religioso.

Um outro estudo, de 2022, sobre “Os jovens, a fé e o futuro” revela que 56% dos jovens entre os 14 e os 30 anos se declaram católicos e 34% afirmam rezar regularmente e participar nas celebrações. Mariano Delgado, diretor do Instituto de Estudos das Religiões e do Diálogo Inter-religioso da Universidade de Friburgo/Suíça, assinala que “quase nenhum outro país europeu apresenta estatísticas tão favoráveis ​​para a Igreja Católica”. Deve-se notar, por exemplo, que, segundo uma pesquisa recente, mais de um terço da população italiana, 37%, se declara "não crente".

Claro que a prática religiosa tende a cair devido à secularização e também à forma de celebrar. Também a este nível, precisamos de uma reforma profunda. As celebrações têm que ser mais animadas, pois correm o risco de se tornar um ritual seco. As homilias são geralmente um desastre. Neste contexto, creio que os bispos e os padres devem aceitar o desafio de ir para o outro lado, ou seja, disfarçados, ajudando os fiéis a sentirem o que levam destas celebrações, tomando consciência de um certo vazio.

Entre os maiores desafios está certamente uma crescente secularização, no sentido de que a religião não é mais tão decisiva como era para a autocompreensão e realização das pessoas em diferentes esferas da vida. Assim, há cada vez menos casamentos na Igreja e aumenta o número de divórcios... O Estado legalizou o aborto, acaba de legalizar a eutanásia ativa...

Mas estou convencido de que a Igreja ainda encontra um lugar no mundo moderno, um lugar central, porque é portadora da mensagem decisiva do Evangelho, a melhor notícia que a humanidade ouviu ao longo da sua história. Como diz a palavra Evangelho, que vem do grego: boas novas e parabéns. Jesus deu à humanidade o Evangelho, esta boa e feliz notícia: Deus é bom, é Pai e Mãe, ama todos os seus filhos e filhas e o seu maior interesse é a alegria, a felicidade, a plena realização de todos. Portanto, a Igreja traz consigo não só o mandamento divino da justiça e da paz, mas também a mensagem do sentido último da existência: não caminhamos para o nada, mas para a plenitude da vida em Deus.

O choque do abuso sexual

Portanto, a transformação da Igreja só pode acontecer verdadeiramente se todos, a começar pelos bispos, os sacerdotes, os cardeais, se perguntarem: acredito realmente nesta mensagem? É bom para mim? Para mim? De fato, somente se eu considerá-lo existencialmente bom e feliz para mim, poderei dá-lo com confiança também aos outros.

Naturalmente, a confiança na Igreja foi abalada pelo abuso sexual. Como diz um estudo recentemente publicado, 68% dos portugueses pensam que a imagem da Igreja piorou no último ano precisamente por ter de lidar com os resultados da investigação por abuso sexual. Ao mesmo tempo, o estudo mostra que 72% acharam bom ou mesmo muito bom que a Conferência Episcopal Portuguesa tenha criado a Comissão Independente para um estudo independente dos abusos da Igreja desde 1950, mas 42% acham que a mesma Conferência Episcopal respondeu mal ou muito mal aos resultados obtidos pela Comissão, enquanto 33% consideram que o seu desempenho não foi "nem bom nem mau".

JMJ: "Um impacto mais positivo do que negativo"

Em outra pesquisa sobre a confiança nas instituições, em relação à Igreja Católica, 42% dizem que tendem a confiar e 53% tendem a desconfiar. É importante notar que faz parte do programa da visita do Papa Francisco presidir à Jornada Mundial da Juventude, um encontro com um grupo de pessoas maltratadas.

Significativamente, esta mesma pesquisa mostra que 79% acreditam que a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco, terá mais impacto positivo do que negativo. Pessoalmente, penso também que, com a presença de mais de um milhão de jovens de todos os continentes e quase todos os países, de diferentes cores, línguas, culturas e credos, poderia constituir uma espécie de microensaio de como um mundo em que o diálogo, a justiça e a paz são possíveis.

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