"A aventura que Francisco nos convida a participar é a do encontro: 'deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus'”.
O artigo é de Faustino Teixeira, teólogo e colaborador do IHU e do Canal Paz eBem.
Faustino Teixeira (Foto: Ricardo Assis/UFJF/divulgação)
O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui.
O papa Francisco é alguém muito especial na vida da igreja católica. O seu exemplo e testemunho engrandecem todos os que buscam uma igreja de rosto humano, voltada para a causa fundamental do evangelho; uma igreja empenhada no caminho da simplicidade e do testemunho profético em favor da causa dos pobres e desvalidos; de uma igreja atenta aos sinais dos tempos, que busca comprometer-se com a causa da Terra e o cuidado com nossa casa comum.
Como tão bem mostrou Francisco em sua encíclica Evangelii Gaudium, sobre a alegria do evangelho, a tarefa primordial da igreja é irradiar a alegria num tempo marcado pelo cansaço e pelo desgaste da compaixão. O seu grande projeto tem sido afirmar uma igreja “em saída”, com as portas abertas no caminho dos outros (EG 46), uma igreja que aceita de forma viva o desafio “de viver na fronteira e ser audazes”. Em singular entrevista concedida ao pe. Antonio Spadaro, em 2013, Francisco afirmou que a igreja não é apenas uma casa que acolhe e recebe, mas também que busca novos e inusitados caminhos, uma igreja que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro do outro, mesmo daquele que está distanciado ou mostra-se indiferente. Desde o início de seu pontificado, Francisco tem reiterado que o evangelho nos convida fundamentalmente à alegria, mas também ao despojamento e ao serviço. O mais fundamental de tudo é o testemunho. É ele que deixaremos como nossa principal herança, não há dúvida.
Em outra clássica entrevista, concedida a Eugenio Scalfari, Francisco acentuou que o amor (ágape) é o lugar preferencial do amor a Deus. É no exercício do amor que manifestamos, de fato, o caminho mais nobre do amor a Deus. É mediante o amor que estendemos os nossos corações, braços e mentes em direção aos outros. Francisco radicaliza, e de forma ousada sublinha que o amor é o “único” modo indicado por Jesus para o exercício das bem aventuranças.
No caminho profético de Francisco, o diálogo vem ocupando um lugar de destaque. O Deus que Francisco nos anuncia não é um Deus católico, pois ele mesmo disse que esse Deus particularizado não existe. O Deus em que acreditamos é um Deus de todos, que acolhe a todos, que se coloca disponível e atento bem antes que nos dispomos a busca-lo na nossa vida e ação. Francisco foi sempre um vivo adversário de qualquer proselitismo. Sua proposta é sempre dialogal. Como ele disse, certa vez, com acerto, “o mundo vem percorrido por estradas que nos avizinham e distanciam, mas o importante é que nos levem ao bem”.
Em seu testemunho nessas décadas, Francisco tem igualmente nos mostrado um caminho espiritual bonito, de despojamento e ternura, uma ternura que cobre não só os seres humanos, mas toda a criação. Em sua encíclica sobre o cuidado da casa comum, sinalizou que “todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”. Francisco coloca-nos, assim, na vanguarda de um dialogo que não se restringe ao ecumenismo ou ao diálogo com as religiões, mas também com todas as criaturas: um diálogo inter-espécies, voltado para a garantia de uma habitualidade essencial no mundo: fraterna e solidária.
Em sua visita ao Brasil, em 2013, Francisco deixou de forma muito clara qual o testemunho que considera fundamental nesses tempos sombrios do Antropoceno: conservar a esperança, viver na alegria e deixar-se surpreender por Deus. Foi o que falou em sua homilia na Basílica do Santuário Nacional de Aparecida. São três traços fundamentais, e que expressam o singular convite que Francisco busca deixar para todos nós e para a igreja como um todo. A aventura que Francisco nos convida a participar é a do encontro: “deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus”.
Lendo os jornais na manhã do dia 11 de abril de 2025, uma sexta feira delicada, e que se abriu com um sol modesto, fui surpreendido com uma linda imagem de Francisco em matéria do jornal Folha de São Paulo. Ele aparece de surpresa na Basílica de São Pedro, não com as vestes papais, mas de forma simples, como um homem comum. Ele quis mostrar ao mundo inteiro que ele é um homem simples, como tantos outros; alguém que habita a nossa aldeia. Ele aparece sem os trajes de pontífice, de forma simples, humana, contingente. É essa imagem de "Francisco" que ele sempre quis passar para todos. Em sua visão, o papa é alguém como qualquer ser humano, que apenas exerce uma tarefa especial, no campo da ação no mundo e na evangelização. Que traço mais encantador. Assim deveriam ser todos os papas: simples bispos de Roma. O que dele se irradia, com esplendor, é o seu testemunho pessoal, o seu despojamento e a sua disposição para ser um servidor do evangelho. Por isso essa minha emoção.