20 Fevereiro 2025
Desde a queda de Goma, o M23 tem ordenado ilegalmente que dezenas de milhares de deslocados deixem os campos ao redor da cidade. Para evitar uma crise humanitária regional ainda maior, é necessária uma ação urgente.
O artigo é de Kristof Titeca, professor de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Antuérpia, publicado por The Conversation, 15-02-2025.
As condições atuais na República Democrática do Congo (RDC) lembram a situação durante a Segunda Guerra do Congo, entre 1998 e 2003. Esse conflito resultou em milhões de mortes, com países vizinhos – especialmente Ruanda, Uganda e Burundi – desempenhando um papel significativo.
O semanário pan-africano The Continent já soou o alarme. A capa de fevereiro de 2025 apresenta uma charge que faz referência à Conferência de Berlim de 1884, mas, em vez das potências coloniais dividindo o Congo, mostra os estados regionais repartindo o país entre si. Kristof Titeca, que estudou extensivamente as dinâmicas do conflito na RDC, analisa os interesses dos principais atores.
O grupo rebelde M23 entrou nos arredores de Bukavu, uma cidade de 1,3 milhão de habitantes no leste da RDC, em meados de fevereiro de 2025. Isso ocorreu duas semanas depois de Goma, outra cidade da região, cair sob o controle dos rebeldes do M23. Com apoio do exército ruandês, o M23 já controla vastas áreas no leste do país.
A situação atual não é favorável para o presidente da RDC, Félix Tshisekedi. Quanto mais o M23 avança, mais isso evidencia o fracasso de suas políticas no leste do Congo e enfraquece sua legitimidade. Notavelmente, ele não esteve fisicamente presente em uma cúpula de paz na Tanzânia sobre o conflito no início de fevereiro de 2025. No mesmo mês, também cancelou de última hora negociações de paz em Paris. Nas redes sociais, circulam vídeos de soldados congoleses fugindo das cidades que deveriam proteger.
Kinshasa está tomada por rumores sobre tensões políticas e militares internas: o medo de um golpe pode ter impedido Tshisekedi de viajar para as negociações de paz anteriores. A segurança pessoal do presidente é gerida por uma empresa israelense, o que indica um alto nível de desconfiança em relação aos seus próprios serviços de segurança.
No momento, Kinshasa parece ter perdido o controle da situação no leste. Tshisekedi tem depositado suas esperanças principalmente na pressão internacional. No entanto, muitos atores internacionais demonstram frustração com suas decisões erráticas e, às vezes, irreais para lidar com o conflito. Em vez de enfrentar as fragilidades estruturais do exército, como a corrupção generalizada, ele optou por comprar armas novas e sofisticadas. Além disso, decidiu colaborar com uma ampla gama de grupos armados sob a bandeira dos "Wazalendo" para tentar conter as forças rebeldes.
Em teoria, o M23 luta para proteger a comunidade ruandófona no leste do Congo, especialmente os tutsis. Sob a Aliança Fleuve Congo – braço político da rebelião M23 –, esse objetivo se expandiu para uma agenda nacional mais ampla, visando derrubar o regime em Kinshasa.
Se isso realmente acontecer ainda é incerto. O que é certo, no entanto, é que os interesses de Ruanda estão concentrados principalmente no leste do país. Esses interesses combinam fatores políticos, econômicos e de segurança, fortemente enraizados na história.
O presidente de Ruanda, Paul Kagame, já questionou publicamente as fronteiras entre Ruanda e Congo. Essa narrativa de um "Grande Ruanda" implicaria expandir o país além de suas fronteiras coloniais. O acesso a recursos é um dos fatores que justificam a presença de Ruanda na RDC, assim como questões de (in)segurança.
Ruanda busca influência e controle. É nesse contexto que o M23 desempenha um papel crucial. Em Kigali, a ideia de que o leste da RDC serve como uma "zona tampão" é amplamente aceita. Isso significaria que um grupo armado, como o M23, governaria as províncias do leste para proteger os interesses políticos, de segurança e econômicos de Ruanda.
Pouco depois da queda de Goma, a vizinha Uganda enviou cerca de mil soldados adicionais para o Congo. Em conversas privadas, diplomatas estimam que o país já tinha entre três e sete mil soldados na RDC. Oficialmente, Uganda está na região para combater outro grupo rebelde – as Forças Democráticas Aliadas, ligadas ao Estado Islâmico. No entanto, essas novas tropas têm se movimentado em direção aos rebeldes do M23.
Uganda sempre desempenhou um papel ambíguo no conflito. Por um lado, quer continuar operações militares conjuntas com o exército congolês contra as Forças Democráticas Aliadas. Por outro, não pode permitir que seu antigo "amigo-inimigo" Ruanda seja a única potência com influência sobre o leste do Congo e o M23.
Nos últimos 30 anos, esses dois países vizinhos competiram pelo controle do leste do Congo – às vezes cooperando, mas frequentemente em concorrência direta.
Assim como Ruanda, a principal exportação de Uganda é o ouro, e, da mesma forma, a maior parte desse ouro vem do leste do Congo.
Várias figuras políticas e militares ugandesas proeminentes – incluindo Muhoozi Kainerugaba, chefe do exército e filho do presidente – já expressaram abertamente apoio ao M23 e questionaram as fronteiras do Congo. Pouco depois da entrada do M23 em Bukavu, Muhoozi anunciou, mais uma vez, a expansão da operação de Uganda na RDC, ameaçando um ataque na cidade de Bunia, na província de Ituri.
No contexto atual, o deslocamento das tropas ugandesas pode ser visto como um claro sinal para Ruanda: esta é a nossa zona de influência. Dessa forma, o conflito começa a se assemelhar à Segunda Guerra do Congo, quando Uganda e Ruanda dividiram o território congolês. Uganda reivindicou Ituri, enquanto Ruanda ficou com as províncias de Kivu do Norte e do Sul.
As tropas do Burundi estão presentes no Congo a convite de Kinshasa. Enquanto isso, as tensões entre Burundi e Ruanda aumentam. Relatórios da ONU indicam que tanto Ruanda quanto Burundi voltaram a apoiar grupos rebeldes contra os respectivos governos na região. Esses relatórios também afirmam que o exército ruandês deu ordens diretas para atacar soldados burundineses.
O presidente do Burundi, Évariste Ndayishimiye, alertou para uma possível guerra regional em escala crescente e até sugeriu que Ruanda está planejando invadir seu país.
Com o avanço do M23 para Bukavu, o grupo se aproxima cada vez mais da fronteira burundinesa, aumentando as preocupações do país sobre uma escalada regional.
O risco de escalada do conflito na RDC evidencia várias questões. A mais óbvia é que qualquer tentativa de resolver a crise precisa envolver os países da região.
Também destaca a importância da pressão internacional sobre Ruanda. Analistas geralmente concordam que essa pressão – como o corte de US$ 240 milhões em ajuda de vários doadores – foi fundamental para encerrar o conflito do M23 entre 2012 e 2013.
Embora atores como a União Europeia e os Estados Unidos tenham condenado firmemente Ruanda, até agora isso não se traduziu em ações concretas. A Alemanha suspendeu negociações de ajuda com Ruanda, e o Reino Unido ameaçou cortar financiamento. Fora isso, não houve medidas significativas – um contraste marcante com 2012-2013.
Dado o viés isolacionista da política "América Primeiro" do presidente Donald Trump, os olhos estão voltados para a União Europeia. No entanto, divisões internas dificultam essa resposta. A Bélgica tem pressionado por sanções, enquanto a França lidera o bloqueio dessas medidas. Os interesses nacionais da França são um fator chave: tropas ruandesas de manutenção da paz são essenciais em Moçambique, onde um grande projeto de gás da TotalEnergies – avaliado em US$ 20 bilhões – está paralisado devido a uma insurgência em curso.
As fragilidades estruturais do governo Tshisekedi não devem servir de desculpa para a inação internacional em pressionar Ruanda. No momento, há um grande risco de que a violência no leste da RDC se espalhe pela região.
Além disso, já existe uma grave crise humanitária. Apenas neste ano, mais de 700 mil pessoas foram deslocadas pelo conflito com o M23. A Organização Mundial da Saúde alertou para um "pesadelo" de saúde pública em desenvolvimento. Desde a queda de Goma, o M23 tem ordenado ilegalmente que dezenas de milhares de deslocados deixem os campos ao redor da cidade. Para evitar uma crise humanitária regional ainda maior, é necessária uma ação urgente.