30 Novembro 2024
Muito midiático, tão odiado pelos mais conservadores tanto quanto apreciado pelos jovens e progressistas, aquele que até recentemente era conhecido como “Padre Matthieu” decidiu pendurar a batina. Esse é mais um exemplo da crescente desafeição em relação à Igreja francesa, já enfraquecida pelos escândalos.
A reportagem é de Vanessa Schneider, publicada por Le Monde, 26-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando o Le Monde o encontrou pela primeira vez, ele usava um colarinho romano, uma pequena cruz de prata no bolso do paletó e o nome “Père Matthieu”. Um ano depois, está usando um moletom com capuz, jeans cinza e tênis, com cabelos levemente desgrenhados e uma barba de quatro dias. Aos 39 anos, ele voltou a usar seu nome de nascimento, Matthieu Jasseron, depois de deixar o presbitério no verão passado. Pouco antes do nosso encontro em um café parisiense, em meados de novembro, fumou um cigarro na calçada, um pouco nervoso. O fato é que, ao decidir fazer seu “coming out espiritual”, o padre mais conhecido da França, com um milhão e meio de seguidores em várias redes sociais, deixou em tilt o mundo católico.
Em um longo vídeo de quarenta e cinco minutos publicado em 20 de outubro, Matthieu Jasseron explica, tendo como pano de fundo paisagens pastorais, por que renunciou. Ele jura que não tem nada a ver com as razões normalmente apresentadas por seus pares. Não é por causa de uma mulher, um homem, sanções, esqueletos no armário, excomunhão ou qualquer outra coisa, é algo mais profundo”, ele nos garante com o estilo direto e sem rodeios que promoveu seu sucesso no TikTok.
Em seguida, ele lista uma ladainha de reclamações de forma confusa, apesar de uma montagem de vídeo cheia de cortes mostrar que ele tentou fazer isso várias vezes: “Fui linchado, abusado, insultado, manipulado”, diz ele, antes de falar sobre uma “agressão física” por um bispo, a proibição de participar de uma missa informada a ele pelos serviços de notícias locais, uma “violação do sigilo da confissão” e “intimidações”. “Vivi o pior ano de minha vida”, resume ele, visivelmente abatido.
Falando ao Le Monde, ele coloca seus pensamentos em ordem: “Eu me senti muito deslocado”. Tanto com seus paroquianos quanto com sua hierarquia. “Afirmo ter uma fé interpretativa, mas não é isso que se espera de mim”, continua ele. “Para mim, a questão não é se um palestino andou sobre as águas há dois mil anos ou se Maria era virgem, o que conta é o legado transmitido: a fé cristã transformou o mundo e os Evangelhos são o melhor manual de bem-estar de todos os tempos!”
Respondendo a perguntas de internautas, ele se questiona cada vez mais. “Eu tenho uma fé prática. Entendo que isso não é aceitável para a Igreja”. Da qual pinta um quadro terrível: “autoritária” e “totalizante”, “geradora de abusos”, que “funciona como um partido político com pessoas cuja primeira preocupação é defender a empresa em vez de fazer o bem”. Ele lamenta o fato de que “das 31 paróquias de Yonne, apenas duas acolheram migrantes, enquanto todas têm instalações vazias”.
O adeus desse jovem padre e altamente midiático, tão invejado e odiado pelos mais conservadores quanto apreciado pelos jovens e progressistas, é uma péssima notícia para uma Igreja francesa já enfraquecida por uma série de escândalos e por uma crescente desafeição. O número de seminaristas e padres ordenados está despencando. De acordo com os números divulgados em junho pela Conferência Episcopal Francesa, havia 29.000 em 1995, em comparação com apenas 11.644 em 2022. Ainda mais preocupante é o fato de que o baixo número de aspirantes (709 em 2022) não é de forma alguma capaz de compensar o envelhecimento da população clerical.
O número das saídas é um segredo mantido pela Igreja, que relata apenas 17 abandonos em 2016. De acordo com Josselin Tricou, sociólogo do catolicismo da Universidade de Lausanne (Suíça), esse número não reflete a realidade, pois muitos saem “em silêncio”. “A maioria deixa a instituição “por dentro” [sem renunciar oficialmente], porque deixar o presbitério é extremamente caro, tanto literal quanto figurativamente. Mais do que entrar. Além disso, alguns padres não cumprem o passo oficial de atualizar seu status”. Matthieu Jasseron não é um caso isolado, admite Dom Pascal Wintzer, o novo arcebispo de Sens-Auxerre. “Os fracassos nunca poderão ser evitados”, afirma. “Há um certo número de desistências desde o primeiro ano. A maioria acontece entre o terceiro e o sexto ano de sacerdócio, e muitas vezes por razões sentimentais”. Como o ex-pároco de Joigny aponta em seu vídeo, enfatiza a pesada carga de trabalho do padre, que é ao mesmo tempo líder comunitário, gerente, psicólogo e evangelizador.
“A diferença entre o que se aprende no seminário e a realidade da vida sacerdotal, que acontece na província diante de comunidades de poucas pessoas, em sua maioria idosas, pode ser um choque”, admite Mons. Wintzer. As tarefas administrativas e logísticas podem, às vezes, ter precedência sobre os compromissos assumidos, o que pode ser um fator desmotivador”.
No entanto, Matthieu Jasseron havia escolhido ser padre na Igreja com todo o coração e alma. Filho de um engenheiro e de uma farmacêutica, frequentou a faculdade de economia e comércio antes de se estabelecer e morar com a namorada e trabalhar em uma empresa de gestão patrimonial.
No entanto, ele sempre se sentiu deslocado naquele mundo dos grandes capitais e decidiu sair depois de apenas dois anos. Em seguida, deixou Paris e foi para a Borgonha, onde se envolveu no voluntariado, especialmente no Secours Catholique. Esse jovem católico não praticante, que não havia recebido nenhuma formação religiosa, conheceu alguns cristãos que o inspiraram. Depois de passar um ano em um mosteiro dirigido pelos Frades de São João - uma congregação que mais tarde foi seriamente envolvida em casos de abusos sexuais, que Jasseron jura ter ignorado na época - ele chegou à conclusão de que a vida monástica não era para ele e decidiu entrar para o seminário em 2013.
Izabela Jurasz, que o teve como aluno no seminário onde lecionou teologia patrística de 2006 a 2019, lembra-se dele como “um aluno muito bom, interessado, inteligente, que buscava entender fazendo muitas perguntas, sem nunca provocar”. “Ele era o tipo de padre que eu gostaria de ter encontrado em meu caminho”, acrescenta. E depois se entristece: “Geralmente são os melhores que vão embora. Pessoas como ele, inteligentes e sensíveis, são massacradas pela instituição”.
Matthieu Jasseron tem boas lembranças de seus anos de formação. “Eu estava em Orléans, no seminário conhecido como 'Seminário ZUP', porque muitas pessoas vinham da classe trabalhadora, conta ele. No primeiro ano, encontrei-me com um ex-engenheiro, um educador de rua e um rapaz que havia passado quinze anos em uma fábrica de laticínios”. Já na época se destacava: em uma sessão de discussão sobre pornografia, ele convidou uma atriz pornô para acompanhá-lo, com grande incômodo de alguns colegas de curso. Mas, em sua opinião, a maioria dos religiosos que o cercavam na época eram espíritos livres, “capazes de não se importar com o Sudário, embora fossem ótimos cristãos: foram eles que fortaleceram [sua] vocação”.
Matthieu Jasseron admite prontamente seus defeitos: “Sempre tive um espírito livre, uma necessidade de liberdade que os outros não tinham. Certamente tenho uma forte necessidade de reconhecimento e também fraquezas psicológicas, mas quem não tem?”. De qualquer forma, seu percurso como seminarista transcorre sem problemas. De acordo com as regras, um ano e depois três meses antes da ordenação sacerdotal, o conselho eclesiástico realiza duas investigações sobre as capacidades dos aspirantes. Em cada etapa, Matthieu Jasseron foi considerado apto. Foi ordenado em 2019. “Se foi ordenado, é porque tinha o perfil adequado”, admite Wintzer.
Enviado para Joigny, ele é cheio de iniciativas. Ele usa a mídia social, postando vídeos curtos para responder às perguntas que lhe são feitas. Sua conta no TikTok se torna uma das mais populares. Ele é convidado a participar do círculo de “pregadores da web” organizado pelo Vaticano. Sua fama atrai inúmeros pedidos e o presidente francês Emmanuel Macron pede várias vezes que ele o acompanhe a Roma para encontrar o papa. Prudente, ele recusa. Ele logo percebe que, quanto mais publicidade recebe, mais inimigos atrai e invejas desperta. Ele é condenado por dois vídeos, um sobre a masturbação e outro sobre a homossexualidade, sobre o que disse em 2021 que “não é um pecado”. “Um ano e meio depois, o Papa autoriza as uniões homossexuais: eu estava à frente dos tempos”, sorri o ex-pároco.
Seu relacionamento com Dom Hervé Giraud, o bispo que o ordenou, deteriorou-se a ponto de os dois homens quase não se falarem mais. No centro de seu conflito está o projeto de reestruturação da igreja de Joigny, para o qual o “padre da web” queria organizar uma campanha de arrecadação de fundos no valor de 2 milhões de euros. Sua iniciativa encontrou oposição da diocese. “Não deve ter sido fácil para ele lidar com alguém como eu”, admite Jasseron, em defesa do bispo, que há um ano decidiu se retirar das redes sociais.
Mas isso não é suficiente para acalmar as tensões. Ele está cada vez menos tolerante com a “hipocrisia” e o “autoritarismo” da instituição.
“No entanto, a hierarquia da Igreja é menos imponente do que em outros setores”, diz Wintzer. “Um padre pode dizer muitas coisas sem ser sancionado. O próprio Matthieu Jasseron desfrutava de grande liberdade”. A professora Jurasz, por outro lado, fala de uma “linguagem ambígua”: “Há uma perversão no sistema que incentiva a ser inovadores, a se destacar da multidão, mas se for levado esse convite a sério, não se é mais aceitos”. “Na ausência de um ente regulador ou de uma terceira parte, todo conflito com a hierarquia pode se degenerar”, enfatiza o sociólogo Tricou.
A Igreja tenta compensar os abandonos com paliativos, por exemplo, compensando o declínio das vocações com a importação de padres da África Ocidental, que são enviados sozinhos para paróquias no campo, longe de sua cultura, por um período de três anos, renovável uma vez. Foi um desses padres, como em boa parte do departamento de Yonne, que substituiu o pároco de Joigny.
Matthieu Jasseron, que alega ser cristão, sente-se de luto. O que acontece com os padres que deixam seus cargos? “Nada é previsto para quem renuncia”, diz o ex-padre. “Não há subsídios de desemprego, centros de emprego, sindicatos ou tribunais industriais para resolver as disputas”. Felizmente, ele tem seu próprio teto, uma casa de madeira que ele mesmo construiu. Ele vive da renda de seus livros. Em seu último, Le Pouvoir du Kintsugi (Flammarion, 336 páginas), ele dá conselhos sobre como “sublimar e reparar as feridas da vida”. Ele pretende continuar publicando e frequenta cursos de psicologia on-line. A partir de 2025, pretende organizar “retiros espirituais”. Quanto ao resto, ele gostaria de se apaixonar por uma mulher “entre 30 e 40 anos, e começar uma família”.
“Talvez você possa colocar meu número no fim do artigo”, diz ele brincando, com um olhar um pouco triste em seus olhos azuis.
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Por que Matthieu Jasseron, o padre star do TikTok, dá adeus à Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU