30 Outubro 2024
"O texto do Relatório Final muda decididamente de rumo. Apresenta a 'questão litúrgica' em uma perspectiva diferente, precisamente a partir daquelas evidências que o Concílio Vaticano II redescobriu como decisivas", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por Come Se Non, 28-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos seriam os aspectos a serem cuidadosamente avaliados no texto de 155 proposições sinodais. Por enquanto, eu gostaria de me limitar a dois temas: o tema da “liturgia” e o da “participação das mulheres na vida da Igreja”. É útil compreender a evolução dos conteúdos, considerando as três fases de desenvolvimento recente: o Relatório de Síntese de 2023, o Instrumentum Laboris de julho de 2024 e, por fim, o último texto conclusivo e oficial. É de grande interesse observar como, até certo ponto, nos dois temas que considero, houve uma evolução significativa no estilo e na abordagem, mesmo quando o texto teve que permanecer indeterminado, para não perder o consenso da Assembleia. De fato, nos temas que abordo, há duas das proposições que receberam o maior número de votos contra, embora tenham sido aprovadas e, portanto, adquirido autoridade de magistério.
Na leitura do Relatório de síntese, de cerca de um ano atrás, era fácil notar, sobre o tema litúrgico, uma certa involução de linguagem e ideias bastante confusas. Em primeiro lugar, a referência à liturgia aparecia, pela primeira vez, no terceiro capítulo, dedicado à “Iniciação Cristã” entre as “convergências”. Na realidade, as “tradições litúrgicas” parecem garantir uma “pluralidade” diante da unidade do mistério sacramental. Aparecia aqui, pela primeira vez, uma diferença entre sacramento e liturgia que parecia problemática e “velha”. A retomada da referência litúrgica entre as “propostas”, referindo-se, nesse caso, à Eucaristia, introduzia o conceito de “autenticidade”, que retomava mais a linguagem da Liturgiam authenticam do que a lógica conciliar. A correlação entre “dom” e “celebração” não era adequadamente identificada pelo conceito de “autenticidade”. Um segundo elemento de “proposta” era identificado na adequação da linguagem litúrgica, para que pudesse ser melhor “encarnada” na diversidade de culturas. O convite a um papel maior para as Conferências Episcopais era contrabalançado, de forma um tanto ambígua, pelo chamamento à “continuidade” e à “formação”: não era claro, no documento, que a encarnação está justamente a serviço da continuidade e da formação, e não é uma lógica oposta ou diferente. O terceiro ponto, sempre nessa área de propostas, era a maior “gradualidade” a ser desenvolvida, nas formas do culto litúrgico comunitário, sem atribuir um papel exclusivo à celebração da missa. Também aqui, porém, a confusão entre liturgia e piedade popular, embora com todas as suas razões, não parecia ter claro o campo primário de desenvolvimento do que é “litúrgico” (liturgia da Palavra, liturgia penitencial, oração no tempo...). Igualmente problemática parecia não apenas a ausência da terminologia da “inculturação” (mencionada apenas uma vez e em um contexto não litúrgico), mas a interpretação singular da relação entre iniciativas de “adaptação da linguagem” e “continuidade da tradição”. Aqui emergia claramente um preconceito, segundo o qual a continuidade da tradição implicaria a ausência de adaptação, enquanto qualquer adaptação comprometeria a continuidade.
O texto do Relatório Final muda decididamente de rumo. Apresenta a “questão litúrgica” em uma perspectiva diferente, precisamente a partir daquelas evidências que o Concílio Vaticano II redescobriu como decisivas. Gostaria de destacar como os números 21-27, sob o título As raízes sacramentais do povo de Deus, apresentam a vida litúrgica como um todo, e são fechadas por um número que está entre os “menos votados”. Uma relação entre “liturgia” e “sinodalidade”, para a qual se pede até mesmo a criação de um novo “grupo de estudo” (que seria o número 11), abre um ponto de vista significativo sobre a relação original entre synaxis e synodus. A pesquisa sobre uma eclesiologia litúrgica parece ser o horizonte mais promissor para o trabalho desse aprofundamento, considerado como devido.
Se reconstruirmos o itinerário de outubro passado até hoje, descobriremos que, sobre esse tema, passou-se de uma condição de grave desorientação a uma formulação bastante clara dos passos que hoje resultam claros e necessários. Não vou retornar ao texto desorientado e embaraçado do n. 9 do relatório de síntese, mas gostaria de salientar como a separação do tema, delegado em julho ao Grupo de Estudos n. 5, não impedia, no Instrumentum Laboris, ressaltar que, embora a Assembleia não teria que tratar da questão, o Grupo de Estudos n. 5 deveria considerar e elaborar os resultados das duas Comissões de Estudo criadas sobre o tema pelo Papa Francisco. O que observamos, diante do texto bastante límpido redigido pela Assembleia do Sínodo (nº 60, que obteve o maior número de votos contra, 97), é que estamos agora diante de um quadro de dupla evolução, que pode ser resumido da seguinte forma:
- O tema da “participação da mulher na vida e na missão da Igreja” não foi totalmente delegado ao grupo 5, mas a Assembleia decidiu redigir um texto forte e claro, mesmo que apenas geral. Nessas linhas, lemos uma das frases mais claras que o Magistério já tenha escrito: “Não há razões que impeçam às mulheres de assumir papéis de liderança na Igreja: o que vem do Espírito Santo não poderá ser impedido. Também a questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal permanece em aberto”.
- O Grupo nº 5, cuja natureza “original” ficou clara - no sentido de que não se trata de um grupo, mas do Dicastério para a Doutrina da Fé, com “seus” grupos e órgãos internos - parece proceder com algumas escolhas não compartilhadas pelo Sínodo. Por um lado, ao contrário do que foi decidido em julho, parece desconsiderar os resultados das Comissões sobre o diaconato, às quais se refere como outro “grupo de trabalho” com resultados ainda a serem produzidos. Por outro lado, parece ter sofrido, internamente, uma certa evolução, ainda que tenda a assumir o “tema” da autoridade da mulher na Igreja com uma leitura que opõe “ordem” e “jurisdição”, reservando seu estudo apenas ao segundo aspecto.
Poderíamos dizer, então, que se abriu um campo de trabalho que envolve três dimensões de elaboração: a expressão oficial do n. 60 do Relatório Final, com a sua influência, o trabalho da Comissão sobre o diaconato (com algumas conclusões a serem publicadas e com mais trabalho a ser feito) e o Grupo 5, que está redigindo um documento, sobre cujo esquema inicial, apresentado à Assembleia e contestado, será agora útil a convergência de todos os Consultores e Membros para que possam corrigir aquelas orientações excessivamente drásticas, que o novo texto do Sínodo torna de fato superadas.
Poderíamos, portanto, dizer o seguinte: quando a proposição 60 do Sínodo diz que “não há razões que impeçam às mulheres de assumir papéis de liderança”, está bem ciente de que, embora não haja razões, há leis e tradições que alimentam preconceitos contrários não apenas à razão, mas à própria fé. Trabalhar para “dar razão” para a autoridade da mulher na Igreja não pode começar pela exclusão da ordenação, para favorecer apenas uma residual “liderança administrativa” da comunidade. Como bem apontou Umberto del Giudice em um dos primeiros comentários ao texto (que pode ser lido aqui), essa deriva de viés administrativo não seria um grande resultado para uma Igreja que quer ser sinodal.
Aqui o Vaticano II ensina melhor do que alguns juristas que os três “munera” (profecia-palavra, reino-governo e sacerdócio-santificação) dizem respeito a todos os membros do povo de Deus. Pensar que às mulheres só pode caber profecia e governo, mas não santificação, é um ponto cego que, por enquanto, o Grupo 5 parece assumir como indiscutível, mas que a Assembleia Sinodal claramente corrigiu e orientou de uma maneira mais coerente com o Evangelho e a experiência de homens e mulheres. Não há razão para deixar a reserva masculina apenas sobre a santificação. A mulher pode presidir uma assembleia de palavras proféticas e de ensinamentos eclesiais, pode presidir uma assembleia de governo e de discernimento, e também pode presidir uma assembleia de liturgia, de culto e de santificação. Hoje, não há mais razão para impedir isso, embora tenha sido feito por muitos e muitos séculos. Tradições doentes são, mais cedo ou mais tarde, substituídas por tradições saudáveis.
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“Não há razões que impeçam...” A nova linguagem do Sínodo e as questões em aberto sobre liturgia e mulheres. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU