22 Outubro 2024
"Muitos pensam que a Igreja possa ser vivida de forma diferente, que novos caminhos possam ser tomados sem trair a regula fidei, e que essa mudança seja urgente. Ai se este Sínodo acabasse sendo, como diz o teólogo Jesús Martínez Gordo, 'um aborto'. A crise da Igreja é profunda demais para tolerar decepções e promessas não cumpridas", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 21-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A quarta e última semana dedicada aos trabalhos do Sínodo convocado pelo Papa Francisco sobre a sinodalidade começou, mas infelizmente continua um grande silêncio sobre os trabalhos, o debate e a escuta mútua entre os membros na sala Paulo VI no Vaticano. Um silêncio que não ajuda o povo de Deus a se sentir parte desse evento, mas o coloca mais uma vez, apesar de suas intenções, em um estado de espera.
Nem mesmo a conclamada escuta é possível.
Na comunidade cristã, me perguntam o que está sendo trabalhado, mas não posso dar uma resposta. E não há apenas silêncio sobre o evento: como Severino Dianich observou, houve muito convite para a escuta, mas só é possível escutar se houver quem tome a palavra publicamente, com responsabilidade e discernimento.
Quais são as expectativas do povo de Deus, o sujeito principal do Sínodo, que serão apresentadas ao Papa como propostas, deixando a ele a liberdade e o poder de torná-las indicações obrigatórias para a Igreja? Não sabemos nada.
Parece-me que esse modo de proceder extingue qualquer possibilidade de interesse, já escasso, por esse evento, que poderia ser um novo Pentecostes iniciando uma reforma da Igreja.
É preciso também levar em conta que o povo de Deus não está interessado em elucubrações teológicas, mas quer que a vida da comunidade cristã seja marcada por uma conversão, a fim de ser mais fiel ao Evangelho. Muitos pensam que a Igreja possa ser vivida de forma diferente, que novos caminhos possam ser tomados sem trair a regula fidei, e que essa mudança seja urgente. Ai se este Sínodo acabasse sendo, como diz o teólogo Jesús Martínez Gordo, “um aborto”. A crise da Igreja é profunda demais para tolerar decepções e promessas não cumpridas.
O Papa quis um Sínodo que fosse capaz de instaurar a novidade de uma vida fraterna nas comunidades cristãs, uma vida na qual os membros se sentissem alegremente parte de uma convocação que vem da Palavra do Senhor. Infelizmente, não vi uma oração intensa pelo Sínodo, como aconteceu na véspera do Concílio Vaticano II. Naquela época, o evento era capaz de despertar esperança, enquanto o Sínodo de hoje parece rotineiro, não o que Francisco queria. Se as aquisições formuladas pelo Sínodo ou pelo Papa não forem traduzidas em procedimentos que reformem o ordenamento canônico, então ressoarão como meros votos. Hoje, em todas as assembleias sinodais, mesmo na italiana, há um recurso excessivo a uma linguagem obsoleta, há muitas expressões inventadas que não dizem nada às pessoas, como “os canteiros de Betânia”. Por fim, há uma pretensão de que os trabalhos sigam fases predeterminadas, nas quais até mesmo a profecia não é um dom do alto e um dom do Espírito, mas é decidida por nós como se pudesse ser uma aquisição.
A cada assembleia sinodal eu digo: mais sobriedade, menos páginas escritas, mais seriedade. Disso se alegrará não apenas o povo de Deus que é o povo dos humildes, mas também quem tem uma verdadeira formação bíblica e venera apenas a Palavra de Deus, não as fotocópias.
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O silêncio sobre o Sínodo. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU