29 Outubro 2024
"Se as mulheres vivem sua vocação batismal, devem poder ter acesso a todos os graus de autoridade eclesial, seja no plano da profecia, como da realeza ou da santificação. As mulheres como os homens", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por Come Se Non, 26-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com singular ênfase, o Card. Fernandez, no centro de seu discurso de diálogo com os padres e madres sinodais na última quinta-feira, 24 de outubro, referiu-se a uma “teoria”, atribuída ao conhecido jurista Ghirlanda, que “embora não seja mulher”, daria novo espaço à perspectiva de pensar sobre a participação da mulher no governo da Igreja.
A teoria de P. Ghirlanda se baseia na possibilidade, mesmo após o Concílio Vaticano II, de pensar uma diferença entre o poder de ordem e o poder de jurisdição: em outras palavras, na possibilidade de que o governo da Igreja e a autoridade no ensinamento possam ser separados do poder de santificação. Aqui, é evidente, o modelo da “origem não sacramental do poder de governo”, primeiramente no Papa, e depois nos bispos, parece ser o horizonte primário de referência, para Ghirlanda e para uma longa tradição medieval e moderna. Deve-se dizer, entretanto, que o Concílio Vaticano II, mesmo sem superar completamente essa distinção, introduziu uma “unidade do ministério ordenado”, reestruturando todo o sistema e concentrando o “sacramento da ordem” nos três graus de diaconato, presbiterado e episcopado.
Ainda mais importante é compreender a lógica diferente com a qual o ministério ordenado é concebido. Enquanto anteriormente a ordenação se referia a um “cursus honorum” de sete graus, culminando no “presbiterado-sacerdócio”, o poder de jurisdição se relacionava ao bispo, que não pertencia à ordem sagrada, mas permanecia fora dela. Enquanto o presbiterado era um “sacramento da ordem”, o episcopado era um simples “sacramental”. É por isso que, ao longo da história, grande atenção foi dada aos “impedimentos” à ordenação, e não à consagração episcopal. Um exemplo interessante pode ser o da “menoridade”, que era um impedimento para receber o sacramento da ordem em seu grau máximo, mas não impedia que alguém fosse consagrado bispo. Participar do “governo da Igreja” poderia significar, portanto, exumar essa grande diferença, que já foi decisiva e que hoje, no entanto, seria um incentivo para retroceder significativamente em relação às novas evidências amadurecidas com o Concílio Vaticano II. Vamos tentar entender bem essas diferenças
a) A lógica que chega até o Vaticano II é, como mencionado, a de distinguir entre poderes de ordem (ou seja, o poder de consagrar a Eucaristia e de perdoar pecados) e poderes de jurisdição (ou seja, o poder de governo e o poder de magistério). Esses poderes podiam ser atribuídos a diferentes sujeitos: o padre era responsável pelas missas e confissões, o bispo pelos atos de governo e atos de pregação.
b) Com o Vaticano II, começa-se a pensar de acordo com o “tria munera”, três dons/tarefas, que são de Cristo e de toda a Igreja. Todo batizado participa do munus profético, do munus real e do munus sacerdotal. Esses também pertencem a todos os três graus sacramentais da ordem: tanto o diácono quanto o presbítero e o bispo têm competências proféticas, reais e sacerdotais. Ao presbítero agora são reconhecidas competências no campo da governança e da pregação, enquanto o bispo preside, acima de tudo, a celebração da Eucaristia. Nada parece restar dessa novidade na abordagem de Ghirlanda.
O que significa reintroduzir, nesse novo contexto, a diferença entre ordem e jurisdição? Isso poderia ter muitos significados diferentes: o primeiro é, certamente, um retrocesso da consciência comum. Voltamos a pensar com critérios formalistas, que isolam o “governo” da presidência eucarística. Isso, por um lado, pode permitir que certas competências sejam atribuídas a leigos (e leigas). Mas opera radicalmente uma nova separação entre a presidência eucarística, a presidência de governo e a presidência de magistério. Será que essa Igreja “dividida”, que recebemos da Idade Média e da releitura tridentina e moderna, talvez possa responder à nova demanda de participação que as cristãs batizadas vêm pedindo há décadas? Na realidade, a confusão provavelmente deriva de um uso distorcido das categorias. Isso ficou evidente em alguns comentários do Card. Fernandez, especialmente quando ele insistiu que “não são muitas as mulheres que querem o diaconato”. Ao passo que, segundo ele, seria possível atribuir a elas um poder, mas pensado apenas no plano da jurisdição.
Justamente aqui, acredito, está a questão principal. O que significa desclericalizar a Igreja? Aumentar ou diminuir a autonomia do jurisdicional em relação ao sacramental? Eu não tenho realmente certeza de que a “demanda por autoridade” que as batizadas cristãs levantam possa ser gerida apenas no plano do “governo”. O magistério da Palavra e a presidência do culto também fazem parte de uma demanda legítima, que não pode ser respondida espanando as categorias medievais, que dividem o bispo do padre, atribuindo a jurisdição ao primeiro e o sacramento ao segundo, e colocando as mulheres na linha do bispo, e não do padre.
Se as mulheres vivem sua vocação batismal, devem poder ter acesso a todos os graus de autoridade eclesial, seja no plano da profecia, como da realeza ou da santificação. As mulheres como os homens. Uma vocação universal para o ministério, com o devido discernimento, mas sem impedimentos de sexo, deveria ser uma aquisição devida.
Por fim, uma curiosidade. A longa presença do “impediment sexus”, que justificou decisivamente a “reserva masculina”, teve como justificação a “falta de autoridade das mulheres na esfera pública”. Se hoje Fernandez diz que as mulheres têm autoridade no plano público, está dizendo algo decisivo para a evolução do sistema eclesial, que desmente séculos de preconceito, ao que não se responde, como o próprio cardeal admitiu claramente, com “princípios marianos ou petrinos”. Reconhecer a autoridade das batizadas cristãs significa amadurecer as condições de uma Igreja na qual todos possam respeitar o fato de que a vocação ao ministério (instituído e ordenado) tenha assumido um caráter universal, sem reservas e sem impedimentos.
O risco, ao contrário, é que, prefigurando uma autonomia da jurisdição em relação à ordem (o que, em todo caso, implicaria uma profunda reforma do Código), se confine a vocação feminina a uma condição de minoridade: com poder, mas sem sacramento. Isso seria, em minha opinião, não uma menor, mas uma maior clericalização. E a revolução seria apenas aparente.
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A revolução aparente do Cardeal Víctor Fernandez: a jurisdição é realmente diferente da ordem? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU