25 Agosto 2024
João Paulo Pacífico (São Paulo, 1978) não é um executivo comum. Ele usa cabelo comprido "para não parecer como os outros". Sua frase predileta é de Martin Luther King Jr.: “A escuridão não pode expulsar a escuridão; apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, apenas o amor pode fazer isso”. E ele lança vídeos no Instagram repletos de mensagens anticapitalistas. Em janeiro passado, João Pacífico se tornou o primeiro milionário latino-americano a assinar o manifesto Proud to Pay More, apresentado no Fórum Econômico Mundial de Davos por super-ricos que querem pagar mais impostos. “Quanto mais você tem, mais paga, e ponto. O Estado precisa de dinheiro”, assegura João Pacífico nesta entrevista à CTXT.
A vida de Pacífico, engenheiro de formação, deu uma reviravolta após a crise financeira de 2008. Ele percebeu que o mercado financeiro para o qual trabalhava era desumano. Em 2009, fundou o Grupo Gaia, especializado em operações financeiras e títulos de dívida para pequenos produtores de agricultura orgânica. “Quando me aprofundei na agroecologia, percebi que tudo o que eu apoiava antes estava errado”, diz. Em 2022, vendeu a única empresa do grupo que trabalhava para setores tradicionais e doou todo o dinheiro para uma ONG. Desde então, deixou de ser o dono do Grupo Gaia e passou a ser um empregado. “Acumular dinheiro é coisa de idiotas”, defende com frequência o autor de livros como Onda azul (2017) e Seja líder como o mundo precisa (2022).
O Grupo Gaia apoia projetos de habitação popular, educação, energias renováveis e agricultura orgânica. A empresa movimenta cerca de 4 bilhões de reais em operações financeiras e se orgulha de ter uma equipe mais feminina do que masculina e mais negra do que branca. “Uma sociedade regida por homens brancos e heterossexuais fomenta o individualismo”, afirma.
Com mais de 217.000 seguidores no Instagram, João P. Pacífico é um intruso no Wall Street brasileiro (a avenida Faria Lima de São Paulo). E ele se tornou um guru da esquerda. Seus vídeos contêm duras críticas ao bolsonarismo, ao mercado financeiro, ao setor agropecuário e a todos os tipos de negacionismo.
A entrevista é de Bernardo Gutiérrez, publicada por CTXT, 18-08-2024, publicada sob o título "Elon Musk é um ser desprezível".
Após a crise de 2008, sua vida deu uma guinada radical. O que aconteceu?
Em 2002, comecei a financiar o setor agropecuário. Ainda estava dentro do sistema. Pensava que precisávamos dos pesticidas e que o Brasil era o celeiro do mundo. Após a crise de 2008, percebi a falta de humanidade do mercado financeiro. Ele só pensa em ganhar mais dinheiro. Demitiu muitas pessoas de forma desnecessária. Então, decidi montar uma empresa mais humana.
Como foi o início da sua relação com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)?
Todo mundo falava mal deles. Visitei um assentamento e, para mim, abriu-se um novo mundo. Vi que o que o MST dizia fazia sentido. Pensei: tenho que usar minha habilidade para criar operações financeiras a fim de apoiar essas pessoas. Em uma situação de opressão, se você permanece em silêncio, está apoiando o opressor. E o MST estava sendo oprimido pela opinião pública.
E então, conseguiu financiamento para o MST, um movimento que ocupa latifúndios improdutivos. Como você conseguiu isso?
Primeiro, emiti um título de dívida. Funcionou. Depois, fiz uma segunda operação para que qualquer pessoa, em vez de colocar o dinheiro no banco, o emprestasse ao MST. Entregamos esse dinheiro a uma cooperativa do MST, que cumpre o combinado e depois paga os investidores com juros.
Ou seja, o investidor financia a agricultura sustentável e, além disso, obtém lucro com isso...
Se você deixa o dinheiro no banco, ele não fica parado. O banco o empresta para a indústria de pesticidas ou para uma velhinha com juros exorbitantes. Quando fazemos uma operação como a que fizemos, fazemos com que as pessoas entendam que seu dinheiro é poderoso, porque você está reduzindo a desigualdade e produzindo alimentos orgânicos. É uma revolução. Quando me aprofundei na agroecologia, percebi que tudo o que eu apoiava antes estava errado.
Como suas ideias mudaram?
Comecei a levantar a bandeira contra os pesticidas. Passei a defender a reforma agrária e a agricultura familiar. Comecei a criticar a monocultura, as commodities, os transgênicos. Mudei completamente de lado. Então, vendi todas as minhas operações no mercado tradicional.
E decidiu transformar suas empresas em uma ONG...
Tecnicamente, vendi a empresa e criei uma gestora de fundos patrimoniais. O dinheiro da venda se transformou em uma doação. Agora tudo pertence a uma associação, uma ONG. Por que fiz isso? Porque acredito que é necessário para enfrentar nossos dois grandes problemas, a desigualdade e o meio ambiente. Para reduzir a desigualdade, quem tem mais deve renunciar aos seus ativos.
Assinou o manifesto "Proud to Pay More", para reivindicar o papel dos impostos. Por quê?
É muito justo que quem tem mais pague mais impostos, não só de maneira absoluta, mas proporcionalmente. Quanto mais você tem, mais você paga, e ponto. É uma questão de justiça social. O Estado precisa de dinheiro. Obviamente, temos que exigir eficiência do Estado. Temos que parar com a acumulação. Temos comida para todo mundo, mas no Brasil, vinte milhões de pessoas passam fome.
O neoliberalismo elogia a mão invisível do mercado, mas alguns de seus ícones, como o Vale do Silício, estão encharcados de dinheiro público...
Por isso, defendo um Estado forte para ter educação, saúde pública e pesquisa de qualidade. O sistema público inventou a Internet e a NASA. Esses mesmos neoliberais, quando as coisas ficam feias, são os primeiros a pedir ajuda ao Estado. Agora, após as inundações no sul do Brasil, um aeroporto privado de Porto Alegre pede ajuda pública. Defendem um Estado mínimo, mas para os pobres.
Alguns multimilionários, como Amancio Ortega, doam dinheiro para lavar sua imagem e reforçar o mito do livre mercado. Pensar que um milionário explorador é bondoso porque doa uma miséria é uma fantasia. Ele faz isso porque explora as pessoas e a cadeia produtiva.
Você é crítico em relação à meritocracia. O que lhe incomoda nessa narrativa?
A meritocracia é uma grande mentira do neoliberalismo.
Recentemente, você ajudou a denunciar a CEO do Nubank por colaborar com plataformas de extrema-direita. É importante fomentar debates nas redes sociais?
Esse fenômeno das redes sociais é bom e ruim. É bom porque as pessoas têm mais voz. Ruim porque existem notícias falsas. É muito difícil lutar contra as notícias falsas, porque elas geram interação e as plataformas lucram com isso. E quando há uma tentativa de regular as redes sociais, dizem que é censura.
A extrema-direita no Brasil continua forte. Este ano, há eleições municipais. Como você vê isso?
A extrema-direita é um dos grandes problemas do mundo. Bolsonaro, embora esteja inelegível, ainda condiciona o voto de muita gente. No Brasil, não existe mais a direita, apenas a extrema-direita e a esquerda. Lula só ganhou de Bolsonaro porque é um grande líder. Qualquer outro teria perdido. Precisamos formar novos políticos progressistas.
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"A meritocracia é uma grande mentira do neoliberalismo". Entrevista com João Paulo Pacífico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU