16 Agosto 2024
"É preciso esclarecer um ponto: não se trata de xenofobia genérica, mas de islamofobia. Esse mal tem suas raízes na antiga luta entre a Europa cristã e o Oriente Médio muçulmano, que durante séculos lutaram por inteiras áreas do planeta, com epicentro na cidade sagrada de Jerusalém", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 14-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Falou-se a respeito. Mas, na minha opinião, não com a ênfase necessária, dada a seriedade do episódio, que viu a Grã-Bretanha ser atravessada por uma caça ao homem, que, também em seus modos, tem muitas semelhanças com a caça ao judeu desencadeada no Daguestão no início do conflito em Gaza.
Apenas para lembrar que a nossa Europa “tão civilizada” não é tão diferente de áreas do mundo que nós, ainda tomados por um eurocentrismo pós-iluminista, consideramos subdesenvolvidas.
Mais uma vez, foi uma fake news que se tornou viral graças ao uso habilidoso das redes sociais, dessa vez orquestradas pelo ativista britânico de extrema direita Stephen Christopher Yaxley-Lennon, conhecido como Tommy Robinson, influencer “negro” com quase um milhão de seguidores.
Os fatos são bem conhecidos: várias cidades do país foram envolvidas em um clima de guerrilha urbana, com lojas incendiadas, vidraças quebradas, policiais feridos como resultado das invenções propagadas sobre um trágico assassinato em Southport. Islamofobia
ATENÇÃO: na Inglaterra e na Irlanda do Norte a direita está saindo às ruas para "caçar imigrantes". Ontem eles agrediram todos os negros, latinos e muçulmanos que encontraram pelas ruas. Agora estão destruindo e saqueando os comércios e casas dos imigrantes. Nós já vimos isso em… pic.twitter.com/dufwJZbFug
— Vinicios Betiol (@vinicios_betiol) August 4, 2024
É preciso esclarecer um ponto: não se trata de xenofobia genérica, mas de islamofobia. Esse mal tem suas raízes na antiga luta entre a Europa cristã e o Oriente Médio muçulmano, que durante séculos lutaram por inteiras áreas do planeta, com epicentro na cidade sagrada de Jerusalém.
Um confronto hegemônico entre civilizações imperiais que, em nossas paragens, alimentou o imaginário do Islã como a religião da espada e do muçulmano como um feroz Saladino pronto para atacar a Europa movido por sua sede de conquista. Um sentimento de medo que, quase por associação de ideias, com o passar do tempo se ligou com um sentimento supremacista de apartheid sul-africano, segundo o qual os negros são vistos como animais dominados por instintos primitivos. Que depois, cada um define as cores à sua maneira, como nos ensinou Wittgenstein.
Imagens sedimentadas em dados culturais e até psicológicos, deflagradas novamente no mundo pós-11 de setembro e impulsionadas pela onda de migração após a desestabilização criada no Mediterrâneo pelas revoltas árabes de 2011.
Momentos em que eram claramente reconhecíveis os argumentos antigos sob a nova cara de estranhas teorias da substituição, principalmente úteis para fazer a fortuna de escritores e editoras.
Raramente se chegou a tal indecência, propagandeadas entre nós a torto e a direita por expoentes da direita parlamentar, que desempenham em nosso país o papel incendiário de um Nigel Farage na Grã-Bretanha.
Obviamente, caso necessário prontos para se reciclarem como uma câmara de compensação de uma raiva social que, de outra forma, seria muito mais destrutiva. Em vez disso, o oposto é mais verdadeiro: sua constante e grosseira propaganda legitima o protesto violento, que pode se dar ao luxo de ser assim por causa do apoio popular que geralmente o cerca.
Eu não sou racista, mas... A violência deve ser rejeitada, mas... Nesse cenário, que explora um imaginário coletivo sedimentado ao longo de séculos de história, há quem tenha tido a audácia de apontar o dedo para a suposta aquiescência do governo de Sunak em relação à ação de guerra israelense em Gaza.
Como se a história desse primeiro quarto do novo milênio não fosse pontuada por uma infinidade de episódios semelhantes e como se a islamofobia não fosse há anos um reservatório constante de votos para a extrema direita racista e xenófoba.
É quando se desmerece, além de endossar, talvez inconscientemente, a estratégia política dessa direita, que, se alguma vez se aproximou de Israel e da identidade judaica, o fez em termos flagrantemente instrumentais, sem sequer tentar cortar os laços com seu próprio recente passado nazifascistoide.
Tinham entendido muito isso os organizadores da marcha contra o antissemitismo realizada em Londres em 22 de novembro passado, que pediram ao já mencionado Yaxley-Lennon que não participasse porque não era bem-vindo.
Eles se lembravam bem de seu infame artigo de 2022, Tommy's Statement: The Jewish Question. Começando com um ataque visceral à Liga Anti-Difamação, Robinson acabava dando uma piscadela para as tradicionais teorias de conspiração sobre os judeus que controlam Hollywood e as mídias globais.
Mas o que os eventos britânicos demonstram é o fato de que antissemitismo e islamofobia são vasos comunicantes. Com uma diferença: se depois do Holocausto é tabu se declarar antissemita, mesmo que se fale como eles, se vista como eles, se comporte como eles, você pode se candidatar às eleições com uma agenda islamofóbica. Talvez tenha chegado a hora de dar reconhecimento jurídico também a essa forma de ódio ao outro.
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Caça ao muçulmano. Antissemitismo e islamofobia são vasos comunicantes. Artigo de Davide Assael - Instituto Humanitas Unisinos - IHU