06 Agosto 2024
Defender o cristianismo sem se deixar arrastar pela instrumentalização política, tomar uma posição sem jogar gasolina no fogo, reivindicar o papel público das religiões e, ao mesmo tempo, neutralizar qualquer sentimento de guerra religiosa. Foi nessa linha que a Santa Sé se moveu ao criticar a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris mais de uma semana depois.
O artigo é de Iacopo Scaramuzzi, jornalista, publicado por La Repubblica, 05-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Palácio Apostólico interveio porque não podia mais ficar em silêncio. O Papa e seus homens optaram inicialmente pela subestimação. Não havia indiferença, mas a polêmica que eclodiu em torno da encenação "blasfema" no Sena, uma mesa de drag queens que para alguns lembrava a Última Ceia de Leonardo Da Vinci, pareceu imediatamente forçada. Especialmente porque a referência à Última Ceia era, se é que existia, "subliminar", como explicaram os criadores: a alusão explícita era, no máximo, ao banquete de Dionísio e de outros deuses gregos. E a famosa obra de Leonardo foi, de qualquer forma, reinterpretada inúmeras vezes, mesmo sem muita consideração, ao longo da história. No dia seguinte ao espetáculo, o L'Osservatore Romano limitou-se em relatar a nota de protesto - longe de ser inflamada - dos bispos franceses em um artigo no noticiário, sem sequer uma menção na manchete.
Nos dias seguintes, no entanto, a pressão sobre o Vaticano aumentou. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, telefonou para o papa para falar sobre o Oriente Médio e aproveitou a oportunidade para assegurar-lhe a solidariedade dos muçulmanos em relação às "manifestações imorais" de Paris. Os patriarcas cristãos do Oriente Médio se manifestaram. A Igreja Ortodoxa Russa do Patriarca Kirill interveio em tons inflamados ("Um suicídio histórico e cultural"). Todos interlocutores importantes, especialmente sobre o tema da guerra e da paz, que o Papa Francisco certamente não quer ignorar.
E não só isso: a direita católica foi à loucura. Um grupo de bispos e cardeais ultraconservadores, principalmente dos Estados Unidos, que sempre foram hostis a Francisco, se mobilizou contra os Jogos de Paris. "É difícil imaginar algo mais degradante e blasfemo", declarou o Cardeal Raymond Leo Burke, um trumpiano ferrenho. O arcebispo cismático Carlo Maria Viganò também se manifestou, esbravejando contra os "ataques vis a Deus, à religião católica e à moral natural pela elite anticristã que mantém os países ocidentais como reféns". Em suma, na frente da Igreja, estava se prospectando uma santa aliança reacionária contra as "macroníades". Parte daquela "internacional moralista", para citar o acertado título de um ensaio de Kristina Stoeckl e Dmitry Uzlaner recentemente traduzido para o italiano pela Luiss University Press, sobre os laços estreitos entre a ortodoxia russa e a direita cristã dos EUA para combater as guerras culturais. Confluência que começava a colocar o Papa na mira, acusado de permanecer em silêncio diante de cristãos maltratados. Uma irritação que ficou ainda mais intensa depois que, nos mesmos dias em que a polêmica sobre as drag queens aumentava, Bergoglio enviou uma mensagem de encorajamento à Outreach, a organização do jesuíta estadunidense James Martin, engajado na pastoral com pessoas LGBTQ+.
No Palácio Apostólico, amadureceu então a ideia de uma intervenção. O resultado foi um comunicado oficial publicado na noite de sábado em francês (como se quisesse contornar a geografia da polêmica), no qual a Santa Sé se disse "entristecida" e que "não pode deixar de se juntar às vozes que se levantaram nos últimos dias para deplorar a ofensa causada a muitos cristãos e crentes de outras religiões". Em um evento de prestígio em que o mundo inteiro se une em torno de valores comuns, continua o comunicado, "não deveria haver alusões que ridicularizem as crenças religiosas de muitas pessoas. A liberdade de expressão, que obviamente não está em questão", é especificado, "encontra seu limite no respeito pelos outros".
A nota foi publicada nas mesmas horas em que o texto do Angelus de ontem, ao meio-dia, estava sendo escrito. E, em uma espécie de divisão de trabalho, liberou o Papa da necessidade de se expressar sobre a polêmica de Paris. Francisco, portanto, concentrou-se em outra coisa: denunciou a guerra no Oriente Médio e a tensão na Venezuela, assim como no domingo passado havia atacado o comércio de armas: este, sim, "um escândalo que a comunidade internacional não deveria tolerar e que contradiz o espírito de fraternidade dos Jogos Olímpicos que acabaram de começar".
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Pressão de Erdogan e dos conservadores, é por isso que o Vaticano atacou a cerimônia depois de uma semana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU