19 Julho 2024
A cada edição, o país sede de uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo promete ter o menor impacto ambiental da história – mas, na prática, os objetivos iniciais jamais são cumpridos e o balanço final de emissões não é confiável. Paris 2024 não deve ser diferente, garante o pesquisador alemão Martin Müller, do Instituto de Geografia e Sustentabilidade da Universidade de Lausanne, na Suíça, cidade que abriga o Comitê Olímpico Internacional (COI).
A reportagem é de Lúcia Müzell, publicada por RFI, 18-07-2024.
Müller dirige um estudo comparativo de megaeventos esportivos desde 1990 e traz um olhar cético sobre o discurso ambiental dos organizadores. Os responsáveis dos Jogos de Paris chegaram a prometer realizar a primeira Olimpíada com “contribuição positiva” para o planeta. Depois, evocaram brevemente a meta de as competições serem “neutras em emissões carbono”, graças a compensações com projetos de captura de CO₂ e apoio à sustentabilidade. Por fim, abandonaram o uso dessa expressão, uma admissão de que é impossível promover um evento desta magnitude sem impacto ambiental.
“Vimos que Paris fica na média. Estas Olimpíadas não serão extremamente verdes, mas também não farão mal em relação a outras”, indica o pesquisador. “Quando falamos de ecologia, temos que observar vários aspectos e as emissões de CO₂ é um deles, para o qual o impacto das construções e da vinda de visitantes é o que mais conta. É em função desse número de pessoas esperadas que infraestruturas deverão ser construídas – e podemos constatar que Paris terá mais visitantes que a média dos últimos Jogos Olímpicos”, explica.
A promessa da França é emitir a metade do CO₂ despejado nos Jogos de Londres em 2012 (total de 3,4 milhões de toneladas) e do Rio de Janeiro em 2016 (3,6 milhões de toneladas). Para isso, apenas 5% das infraestruturas necessárias foram construídas para o evento, com técnicas de baixo carbono, e não haverá ar condicionado na Vila Olímpica.
Entretanto, nem as projeções, nem os balanços ambientais finais dos megaeventos esportivos são imparciais e confiáveis, assegura Martin Müller.
“Assim que os jogos terminam, ninguém mais se interessa por isso e não há nem dinheiro para finalizar o balanço ambiental. Faltam dados precisos e transparência. A atenção da imprensa também já se volta para a próxima edição dos Jogos Olímpicos”, observa.
“Um dos maiores problemas é que não tem uma verificação independente do balanço que é publicado, para que seja possível comparar as promessas e os resultados”, complementa ele.
Müller e outros pesquisadores pedem a criação de um organismo independente e com recursos próprios para avaliar com isenção o impacto ambiental dos megaeventos. No caso das Olimpíadas, o próprio COI se mostra imparcial, uma vez que precisa convencer outras cidades a sediarem os jogos seguintes.
Antigamente, quando o impacto ambiental não tinha tanta importância, a concorrência era grande entre os países. Mas hoje, diante da pressão por um evento cada vez mais responsável, está difícil encontrar quem aceite o desafio.
“A situação é que as cidades sabem que vão emitir muito e pensam que vão poder comprar certificados para compensar essas emissões. Só que esses certificados não são eficazes para anular, de verdade, todas as emissões – e essas, sim, serão bem reais. Elas existirão, irão para a atmosfera e terão um impacto na mesma hora”, alega o professor.
Como, então, continuar a celebrar o maior evento esportivo do mundo sem causar tantos danos ao planeta? Martin Müller toca no ponto que muita gente ainda não quer nem ouvir falar: limitar ao máximo os deslocamentos dos viajantes e das expectativas por infraestruturas impressionantes.
“O que eu recomendo é levar os jogos para as pessoas, e não as pessoas para os jogos. Isso pode ser feito com mais fan zones, que podem levar a atmosfera dos jogos às cidades”, sugere. “E deveríamos fazer Olimpíadas só com o que já existe. Isso significa escolher cidades que já possuem o que é necessário, ou então termos mais flexibilidade e aceitarmos que não teremos as infraestruturas que estarão no topo da tecnologia”.
Paris 2024 construiu um novo estádio, um centro aquático e a Vila Olímpica, todos com reutilização prevista após os Jogos. “O pouco que foi construído foi com muitíssimo menos emissões. Estamos falando de 30% menos CO₂ por metro quadrado”, disse Georgina Grenon, diretora ambiental do evento, em entrevista à RFI em espanhol. “Usamos novas técnicas de construção, muita madeira, cimento de baixo carbono, materiais reciclados”, citou.
Já a questão dos transportes foi abordada do ponto de vista local, com a ampliação da rede de transporte público e das ciclovias, e nacional, com a instalação de 30 fan zones espalhadas pelo território francês. Mas o grande elefante na sala, o deslocamento internacional dos cerca de 1,9 milhão de visitantes estrangeiros esperados, ficou de fora. Mais de um terço do total de emissões de gases de efeito estufa ocorrerá por conta do transporte aéreo de atletas, delegações e espectadores.
Segundo um relatório publicado em junho pela organização The Shifters, as emissões geradas pelos trajetos de avião para a Olimpíada de Paris comprometem o objetivo de limitar o balanço do evento a 1,58 milhão de toneladas de CO₂. A entidade, especialista em transição energética, afirma que sem diminuir a presença de público vindo do exterior, é “impossível que um evento como este seja compatível com o Acordo do Clima de Paris”.
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Modelo atual dos Jogos Olímpicos é incompatível com mundo de baixo carbono, afirma pesquisador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU