23 Julho 2024
"No pano de fundo da condenação da guerra, emerge das palavras do Patriarca Bartolomeu e do Papa Francisco o emaranhado problemático da relação entre religião e política. Comum à maioria das tradições religiosas, esse nó assumiu aspectos característicos em âmbito bizantino e passou para o cristianismo eslavo", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 21-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O último importante expoente religioso a intervir na guerra na Ucrânia foi Bartolomeu. Em maio passado, o Patriarca de Constantinopla, primeiro no mundo ortodoxo, condenou mais uma vez a atitude de Kirill. Em uma entrevista à revista espanhola Vida Nueva, de fato definiu como "desprezível" a posição do Patriarca de Moscou, alinhado ao lado de Putin porque a "injusta e injustificável invasão de uma nação soberana pelo Estado russo" é contrária aos princípios cristãos e aos direitos humanos.
Como pode "um pregador do evangelho e ministro da igreja" chegar ao ponto de "prometer garantias de salvação espiritual a exércitos enviados para aniquilar uma nação vizinha habitada por irmãos ortodoxos"? E como "pode um pastor responsável punir seu próprio clero porque em suas paróquias reza pela paz em vez da vitória?", questionou-se o arcebispo de Constantinopla. Somente o Papa Francisco – aliás, muito criticado, e não injustamente, por sua linha nada hostil à Rússia – havia sido mais contundente quando, em 2022, poucas semanas após a invasão, havia dito ao editor do Corriere della Sera que Kirill "não pode se transformar no coroinha de Putin".
O pontífice tinha referido uma sua conversa com o patriarca de Moscou "via zoom" por cerca de quarenta minutos. "Nos primeiros vinte minutos, com um papel na mão, ele me leu todas as justificativas para a guerra. Eu escutei e lhe disse: sobre isso não entendo nada. Irmão, nós não somos clérigos do Estado, não podemos utilizar a linguagem da política, mas aquela de Jesus. Somos pastores do mesmo santo povo de Deus. É por isso que devemos buscar caminhos de paz".
No pano de fundo da condenação da guerra, emerge das palavras do Patriarca Bartolomeu e do Papa Francisco o emaranhado problemático da relação entre religião e política. Comum à maioria das tradições religiosas, esse nó assumiu aspectos característicos em âmbito bizantino e passou para o cristianismo eslavo.
O tema permeia os acontecimentos russos desde o "batismo" da nação: uma conversão do paganismo que foi fixada no ano de 988 e que, de acordo com uma crônica medieval, está ligada ao fascínio da liturgia bizantina. "Ainda não conseguimos esquecer aquela beleza", teriam relatado ao príncipe Volodymyr de Kiev os enviados que retornaram de Constantinopla, evocando um termo que, da filosofia grega, chegará à famosa afirmação de Dostoievski de que será justamente a beleza que salvará o mundo.
O vínculo muito próximo entre sacerdócio e império também remonta ao mundo antigo e a Constantinopla: não por acaso Empereur et prêtre ("imperador e sacerdote") é o título da clássica síntese de Gilbert Dagron sobre o "cesaropapismo" bizantino. Essas são as raízes da relação especial entre Estado e Igreja, fio condutor dos quatro volumes da Storia della Russia e do recente Da Lenin a Putin, de Giovanni Codevilla, publicados pela Jaca Book e acompanhados por dois ensaios de Stefano Caprio, autor no site Asianews do informadíssimo blog "Mondo russo".
Entre invasões do Oriente e do Ocidente, a mais importante sede eclesiástica da Rus' muda-se de Kiev, primeiro para Vladimir e depois para Moscou. Agora independente de Constantinopla - a "nova Roma" que havia caído nas mãos dos turcos em 1453 - a Igreja russa mantém laços profundos com a raiz bizantina. Assim, nasce a ideia de Moscou como "terceira Roma", o grão-duque torna-se imperador (tzar) e, a partir de 1589, o metropolita assume o título patriarcal. Como escreve Thomas Bremer (La croce e il Cremlino, Queriniana), tudo isso implica "a consciência de um papel salvífico predestinado": o da Rússia e da sua igreja como "o último, livre bastião ortodoxo".
É então que o czar e o patriarca adquirem uma "sacralidade particular", determinando a "especificidade da concepção russa de poder secular e espiritual". O vínculo também resiste à supressão do patriarcado: liquidado em 1721 por Pedro, o Grande, que o substituiu por uma instituição sinodal mais dócil, depois de quase dois séculos o patriarcado é reconstituído em 1917 pelo Concílio de Moscou, composto em grande parte por leigos, um "caso único" na história, ressalta Codevilla.
São "dias terríveis, em meio a fogo e golpes de canhão mortais" da revolução bolchevique, como afirma o novo Patriarca Tikhon em 4 de dezembro, durante sua entronização: dias "muito dolorosos e difíceis" - reitera o patriarca recém-eleito em sua primeira carta - quando "os princípios cristãos de construção estatal e social foram obscurecidos na consciência popular, a própria fé foi enfraquecida, enfurece o espírito sem Deus deste mundo". Mas esse é apenas o início de um período sombrio de setenta anos: aquele do poder soviético.
Sobre a igreja russa recai "uma perseguição única em termos do número de vítimas, da duração e da qualidade da opressão, do tipo de agressão por parte de um Estado que não queria apenas reduzir os espaços, mas queria se substituir a ela”, resumiu Adriano Roccucci em Stalin e il patriarca (Einaudi). E os números são assustadores: "De acordo com estimativas confiáveis, pelo menos um milhão de vítimas apenas por motivos religiosos", foram mortas principalmente nas décadas de 1920 e 1930.
Com a morte do Patriarca Tikhon, enviado a julgamento, em 1925, a ofensiva contra a religião torna-se implacável e o hierarca ortodoxo não recebe um sucessor. Até 1943, em plena guerra, para envolver também a igreja na defesa da pátria, o perseguidor Stalin permite a eleição de um novo patriarca, Sérgio, inevitavelmente contíguo ao poder soviético, como seriam seus sucessores: Aleixo I, Penemo, Aleixo II e agora Kirill. Após a vitória na Segunda Guerra Mundial, Stalin continua na Ucrânia a liquidação dos bispos e do clero greco-católico, e essa igreja é reunida à força com aquela ortodoxa, da qual havia se separado em 1596. A operação foi realizada por Nikita Kruschev, que, após a morte do ditador em 1953, tornou-se seu sucessor, denuncia seus crimes e inicia a destalinização - daí sua imagem positiva -, mas ordena com dureza a retomada da luta antirreligiosa e a subjugação dos quadros eclesiásticos ao Partido Comunista.
No mesmo tempo, em resposta à virada do pontificado imprimida na Igreja Católica por João XXIII e à convocação do Concílio, é inaugurada uma presença internacional inédita da Igreja Russa. Que atua tanto no plano ecumênico - apesar das reservas recorrentes e da constante competição com Constantinopla - quanto em coerência com a política soviética, baseada na fácil retórica da paz para obter consenso na opinião pública ocidental.
Entre os hierarcas ortodoxos selecionados e obviamente condicionados pelo regime soviético, destaca-se o pró-católico Nikodim, "ministro das relações exteriores" da igreja russa, em quem, aliás, as autoridades políticas não confiam. Mas em 1978 o brilhante metropolita morre de ataque cardíaco, com menos de quarenta e nove anos, nos braços de João Paulo I, que lhe reserva um elogio público: "Ortodoxo, mas como amou a igreja!". E em 2004, sua história é contada no romance L'hôte du pape, do escritor francês de origem russa Vladimir Volkoff, onde esse "hóspede do papa" é ao mesmo tempo bispo e oficial da KGB: dois papéis coexistentes inspirados nas biografias reais de não poucos clérigos do Patriarcado de Moscou.
À sombra de Nikodim cresce Kirill, filho e neto de heroicos sacerdotes, cuja colaboração juvenil com a KGB foi documentada em 2023 por uma investigação jornalística suíça. Capaz e preparado, Kirill é nomeado "ministro das relações exteriores" em 1989 e torna-se popular graças a um programa de televisão que o lança na nova Rússia pós-comunista. Depois, suas inescrupulosas iniciativas econômicas lhe rendem a reputação de "oligarca eclesiástico".
Kirill atua com sucesso na revisão, em 1997, da lei sobre a liberdade religiosa aprovada sete anos antes: em um sentido restritivo e favorável à Igreja Ortodoxa, que estabelece laços cada vez mais fortes com o poder do Estado e também se fortalece com uma doutrina social sem precedentes que quer imitar aquela católica.
E com a concepção totalizante e imperial do "mundo russo" - Russkij mir, uma expressão que também significa "paz russa" - o patriarca, eleito em 2009, oferece a base ideológica para a política agressiva de Putin. Demonstrando ser seu verdadeiro inspirador, mais que coroinha.