15 Julho 2024
Trabalhadores tinham descontos ilegais nos salários e eram submetidas a condições degradantes como falta de acesso a água e banheiros nos cafezais; cooperativa informou que os cafeicultores foram bloqueados.
A reportagem é de Renatta Leite e Poliana Dallabrida, publicada por Repórter Brasil, 12-07-2024.
Três Produtores de Café foram autuados por submeter 23 trabalhadores a condições análogas à escravidão em Minas Gerais. Entre os fazendeiros flagrados, dois são cooperados da Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé), a maior cooperativa de café do mundo e responsável por 10% das exportações brasileiras do grão. Os cafeicultores tiveram suas operações bloqueadas pela cooperativa.
As fiscalizações foram realizadas entre os dias 17 e 20 de junho. Entre os resgatados estava um adolescente de 16 anos. Segundo auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ouvidos pela Repórter Brasil, os trabalhadores resgatados nas três propriedades estavam submetidos a condições degradantes como o não fornecimento de água potável, nem acesso a banheiro e local adequado para realizar as refeições nos cafezais.
As condições de trabalho oferecidas variavam em cada um dos três fazendas, mas em todas os trabalhadores atuavam na informalidade, sem qualquer direito trabalhista garantido por lei. “Ou seja, se um desses trabalhadores sofresse um acidente no campo ou um acidente durante a viagem para a fazenda, por exemplo, ele não teria nenhuma cobertura. Nem ele e nem a família”, afirma Marcelo Campos, auditor-fiscal que coordenou a operação.
Os trabalhadores contratados também eram cobrados pelo aluguel das derriçadeiras, equipamento usado para acelerar a colheita do grão, e pela gasolina usada nessas máquinas, de acordo com a fiscalização. O valor do alojamento também seria descontado dos salários pagos aos trabalhadores. Todos esses descontos são ilegais, segundo a legislação trabalhista brasileira. Os 23 resgatados eram trabalhadores vindos do Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas Gerais, e do Maranhão.
Ao todo, sete fazendas foram fiscalizadas no Sul de Minas Gerais, região responsável por 16% da produção nacional de café. “Em todos eles, haviam irregularidades importantes, mas o trabalho escravo ficou caracterizado apenas nessas três fazendas”, esclareceu Campos.
Para Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere/MG), os trabalhadores são atraídos com promessas de ótimos salários durante a colheita. “Quando chega na fazenda, o empregador coloca o preço do café lá embaixo. Então, ainda que eles tenham muita produção, eles ganham pouco em valores fechados”.
No Sítio Mata do Sino, propriedade de Marcos Florio de Souza em Juruaia (MG), seis trabalhadores foram resgatados. Em Nova Resende (MG), outras dez pessoas foram resgatadas na Fazenda Cachoeirinha, que pertence a Vagner Freire da Silva. O terceiro flagrante ocorreu em Alfenas (MG), na propriedade Sítio de Ilha, de Luis Carlos Moreira, onde sete foram submitidos a condições análogas à escravidão. Após o resgate, todos os produtores assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e realizaram o pagamento de verbas rescisórias.
Dos três fazendeiros flagrados submetendo trabalhadores à condições análogas à escravidão, os cafeicultores Marcos Florio de Souza e Vagner Freire da Silva fazem parte do quadro de cooperados da Cooxupé.
Em resposta à Repórter Brasil, a Cooxupé confirmou que os dois fazendeiros autuados são cooperados. A cooperativa não informou desde quando os produtores estão impedidos de realizar vendas de café para a cooperativa, apenas que o bloqueio ocorre no momento em que a entidade é informada oficialmente de uma infração.
“Informamos que a Cooxupé não comercializa café de propriedades que não sigam rigorosamente a legislação trabalhista. Diante de eventuais constatações de inconformidades com o Ministério do Trabalho, as atividades comerciais dos mesmos são automaticamente bloqueadas e suspensas pela Cooxupé, independentemente de certificação ou verificação”, afirmou a cooperativa.
Procurados pela Repórter Brasil, os produtores flagrados durante as fiscalizações negaram que os trabalhadores foram submetidos a condições análogas à escravidão.
O cafeicultor Vagner Silva afirmou que forneceu botina, luvas e óculos de proteção, alimentos e alojamento na propriedade sem descontar dos salários.
Marcos Souza, por sua vez, afirmou que “nunca existiu tal situação” em sua propriedade e que ainda não foi formalmente notificado da autuação pelo MTE. A Repórter Brasil confirmou que os autos de infração foram registrados no dia 5 de julho.
O fazendeiro Luis Carlos Moreira afirmou que os funcionários, que já haviam trabalhado em outras safras em sua fazenda, eram bem remunerados e estavam alojados em um imóvel na área urbana do município de Areado. “A falha que houve é que eles não eram funcionários registrados, mas estavam sendo remunerados, bem alojados em uma casa na cidade, com televisão, geladeira, fogão, gás, não tinha ninguém dormindo pelo chão”, disse o produtor à Repórter Brasil.
A posição dos cafeicultores pode ser lida aqui.
Essa não é a primeira vez que relações da Cooxupé com fazendeiros flagrados por trabalho escravo se tornam públicas. Em abril, a Repórter Brasil mostrou que dois cafeicultores incluídos na “lista suja” do trabalho escravo forneciam para a cooperativa. Os produtores foram autuados pela submissão de 11 trabalhadores a condições análogas à escravidão no Sítio Douradinha, em São Pedro da União (MG), em junho de 2023.
A Cooxupé ficou na 26ª posição na lista da Forbes das 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro de 2023. É a única cooperativa que atua exclusivamente com café a integrar o seleto grupo da revista. Na última safra, a cooperativa faturou R$ 6,4 bilhões e as suas exportações de café chegaram a clientes em 50 países.
Após os três casos no Sul de Minas Gerais, o deputado federal Emidinho Madeira (PL-MG) foi à tribuna da Câmara pedir apoio para mudar a norma que orienta a fiscalização trabalhista no campo, instituindo a “dupla visita” nos casos de flagrantes de trabalho escravo. Nesse mecanismo, a fiscalização trabalhista primeiro orienta e só depois pune, em caso de manutenção da irregularidade. O instrumento já é previsto pela legislação em casos de infrações leves, mas não é aplicado em casos de flagrantes de trabalho escravo e infantil. Em seu pronunciamento, o deputado também acusou a fiscalização de causar pânico entre os produtores de café.
Em 2023, o cultivo de café foi a atividade econômica onde mais trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão, com 316 vítimas resgatadas, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
“Nesses três empreendimentos, que direitos laborais esses trabalhadores tinham? Nenhum direito. O que essas vítimas são, se elas não possuíam nenhum direito? Nada mais são que escravizados contemporâneos”, afirma Marcelo Campos, auditor que coordenou as fiscalizações nas propriedades. “Nós vamos continuar fazendo o nosso trabalho, independente da grita de um ou outro parlamentar”, completa.
Em 6 de junho, uma operação da Polícia Federal teve como alvo um homem que disparou áudios com ameaças contra a fiscalização do trabalho que atua na região cafeeira de Minas Gerais. Ele prestou depoimento e teve o celular apreendido. Os áudios chegaram aos servidores públicos durante fiscalização em lavouras na região do município de Muzambinho (MG), em maio, e foram encaminhados à PF, que identificou o autor.
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Cooperados da Cooxupé são flagrados com trabalho escravo em colheita de café - Instituto Humanitas Unisinos - IHU