14 Mai 2024
Diante do cenário desolador, faz-se urgente uma reflexão profunda sobre o papel do Estado na proteção ambiental e na promoção do desenvolvimento sustentável.
A opinião é de Bruno Fabricio Alcebino da Silva, em artigo publicado por A Terra é Redonda, 12-05-2024.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva é bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).
Sim! Eduardo Leite é culpado. O Estado do Rio Grande do Sul, outrora referência em políticas ambientais progressistas, enfrenta atualmente uma situação de calamidade pública exacerbada por décadas de desmonte das estruturas estatais de proteção ambiental. Nesse cenário sombrio, o governador Eduardo Leite emerge como uma figura central de culpa, tendo liderado reformas legislativas que enfraqueceram significativamente as proteções ambientais do estado.
A aprovação do novo Código Ambiental do Rio Grande do Sul em 2019 foi um marco desastroso nessa trajetória. Sob a gestão de Leite, 480 pontos da legislação ambiental foram alterados ou eliminados, em um processo apressado e pouco transparente. Esse código, concebido para “modernizar” as leis ambientais, na verdade representou um retrocesso de décadas, favorecendo interesses empresariais em detrimento da preservação ambiental.
A velocidade com que o projeto foi aprovado na Assembleia Legislativa, sem consulta adequada a especialistas e sem debate público suficiente, evidencia uma clara falta de responsabilidade e comprometimento com o bem-estar da população e do meio ambiente. Ao agradecer os votos favoráveis à reforma do código, Leite revelou sua prioridade: promover o desenvolvimento econômico a qualquer custo, mesmo que isso signifique sacrificar a proteção ambiental.
As consequências desse desmantelamento das leis ambientais se tornam dolorosamente claras durante as atuais catástrofes naturais que assolam o estado. Enchentes devastadoras e perdas humanas e materiais significativas são, em parte, resultado direto da negligência governamental e da priorização de interesses econômicos sobre a preservação ambiental.
A política ambiental adotada pelo governo de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul é profundamente prejudicial ao meio ambiente, seguindo os princípios neoliberais de um Estado mínimo e confiando excessivamente no livre mercado como solução para todos os problemas, esse também foi o marco do governo anterior de José Sartori (2015-2019). Sob essa perspectiva, vemos uma série de ações que colocam em risco os recursos naturais e o bem-estar das comunidades locais.
Uma das características marcantes dessa política é a privatização de bens comuns, como água e energia, e a entrega de importantes patrimônios públicos, incluindo a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e a Companhia de Gás do Rio Grande do Sul (Sulgás). Essa abordagem é complementada pelo desmantelamento de órgãos públicos, como a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), que tem sua atuação relegada a um mero “balcão” de licenciamento ambiental, sem capacidade efetiva de fiscalização e proteção.
O paralelo entre essa política e as medidas adotadas pelo ex-ministro Ricardo Salles no governo de Jair Bolsonaro é inevitável, ao deixarem “passar a boiada”. Ambos os governos seguiram uma linha de ataques sistemáticos ao meio ambiente, visando flexibilizar e desregulamentar as leis ambientais em prol do desenvolvimento econômico desenfreado. Essa abordagem, no entanto, tem um custo altíssimo para o meio ambiente e para as comunidades afetadas.
O discurso de Eduardo Leite sobre conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico se mostra vazio diante da realidade dos fatos. Sua gestão favoreceu os interesses do agronegócio em detrimento da segurança ambiental e do bem-estar da população. Ao flexibilizar as leis ambientais em favor de grandes corporações, o governador colocou em risco não apenas o meio ambiente, mas também a vida e o sustento das pessoas.
É urgente que sejam tomadas medidas para reverter esse quadro desolador. A reconstrução do Rio Grande do Sul não pode se limitar apenas à restauração de infraestruturas danificadas, mas deve incluir a restauração do equilíbrio ambiental e a proteção das comunidades vulneráveis. Isso requer não apenas recursos materiais, mas também uma mudança radical na abordagem governamental, priorizando a preservação ambiental e o bem-estar da população em detrimento dos interesses corporativos.
Eduardo Leite e outros líderes políticos que priorizam o lucro sobre a proteção ambiental devem ser responsabilizados por suas ações. Não podemos permitir que o desastre ambiental no Rio Grande do Sul seja esquecido ou ignorado. É hora de exigir prestação de contas e tomar medidas concretas para evitar que tragédias como essa se repitam no futuro.
O aumento do nível do Lago Guaíba é um fenômeno que remonta a uma série de causas complexas, muitas das quais estão intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento histórico, econômico e social da região ao longo dos séculos. Essa ascensão do nível da água tem implicações profundas não apenas para a região metropolitana de Porto Alegre, mas também para a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental de toda a área circundante.
Ao longo da história, o Lago Guaíba tem sido uma fonte vital de água para a população local, desempenhando um papel crucial no abastecimento de água potável, na navegação, na pesca e no lazer. No entanto, o rápido crescimento populacional, aliado à falta de planejamento urbano e ao desenvolvimento industrial desenfreado, resultou na degradação contínua da qualidade das águas do lago. A negligência no tratamento de esgotos e o despejo indiscriminado de resíduos poluentes contribuíram significativamente para a poluição e contaminação das águas, comprometendo assim sua utilidade ecológica e econômica.
A história da poluição do Lago Guaíba remonta aos primeiros anos de colonização da região. Durante o século XIX e início do século XX, a população local consumia diretamente a água do lago, muitas vezes sem qualquer tratamento, resultando em uma série de problemas de saúde pública. O despejo de dejetos humanos diretamente no lago, a lavagem de roupas nas margens e a ausência de regulamentação sanitária contribuíram para a deterioração da qualidade da água. Mesmo com o início da construção de redes de esgoto no início do século XX, o despejo indiscriminado de resíduos no lago persistiu, tornando-o essencialmente o destino final dos esgotos urbanos.
Além da poluição originada diretamente em Porto Alegre, os afluentes do Lago Guaíba também contribuem significativamente para a degradação de suas águas. O Rio dos Sinos, em particular, tem sido afetado pela poluição resultante do desenvolvimento industrial desenfreado na região. O crescimento urbano não planejado e a instalação de fábricas coureiro-calçadistas ao longo do rio levaram a uma rápida deterioração da qualidade da água, afetando não apenas o rio em si, mas também o Lago Guaíba, para o qual o Rio dos Sinos é um importante afluente (ver mapa 1).
Além disso, as transformações urbanas ocorridas em Porto Alegre ao longo dos séculos XIX e XX tiveram um impacto significativo no ecossistema do lago. A expansão urbana e os aterramentos realizados nas margens do lago para a construção de novas áreas residenciais e comerciais alteraram drasticamente a geografia e a hidrologia da região, afetando a circulação da água e contribuindo para a ocorrência de enchentes.
As enchentes históricas, como a que ocorreu em 1941, são indicativas dos desafios enfrentados pela região devido às flutuações do nível da água. As mudanças climáticas e as variações sazonais nas precipitações pluviométricas podem aumentar ainda mais o risco de enchentes e inundações, colocando em risco as comunidades que vivem às margens do lago.
A poluição e degradação do Lago Guaíba não são apenas questões ambientais, mas também econômicas e sociais. O lago desempenha um papel fundamental na economia local, fornecendo água para abastecimento, suportando atividades comerciais, recreativas e turísticas. A degradação do ecossistema do lago ameaça essas atividades econômicas, além de representar uma ameaça à saúde e ao bem-estar das comunidades que dependem dele.
Na contemporaneidade, a erosão das estruturas estatais tem sido uma realidade preocupante, impactando diretamente a gestão ambiental e, por conseguinte, gerando consequências nefastas, como a atual tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Para compreender esse fenômeno complexo, recorremos às lentes teóricas do renomado geógrafo Milton Santos, que nos oferece ideias profundas sobre as dinâmicas socioespaciais e as transformações do Estado.
Segundo Milton Santos (2002), o Estado desempenha um papel fundamental na regulação e proteção do ambiente, garantindo o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação dos recursos naturais. No entanto, nas últimas décadas, temos testemunhado um processo de desmantelamento das estruturas estatais, marcado por políticas neoliberais que enfraquecem a capacidade regulatória e fiscalizatória do Estado em prol de interesses econômicos imediatos.
Essa tendência é evidenciada de forma gritante no contexto brasileiro, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, cuja gestão tem sido marcada por ataques sistemáticos às políticas ambientais e de proteção territorial. A expressão “passar a boiada”, cunhada pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ilustra de maneira clara essa estratégia de desmonte ambiental, na qual medidas de flexibilização e desregulamentação são implementadas de forma sorrateira, aproveitando momentos de distração da opinião pública.
O Rio Grande do Sul, conhecido por sua riqueza ambiental e importância econômica, tornou-se palco de uma das maiores tragédias ambientais da história recente. O desastre que assola o estado, com o aumento do nível do Lago Guaíba e suas consequências devastadoras, não pode ser dissociado das políticas irresponsáveis adotadas pelo governo estadual. Eduardo Leite, atual governador, tem sido conivente com práticas que exacerbam a degradação ambiental, como a flexibilização das leis de proteção e a concessão desenfreada de licenças ambientais para empreendimentos duvidosos.
Essa conivência e negligência política têm agravado a situação no Rio Grande do Sul, exacerbando os impactos das enchentes e colocando em risco não apenas o meio ambiente, mas também a vida e o bem-estar das comunidades locais. O desmantelamento do Estado, aliado à omissão e cumplicidade de figuras políticas, como Eduardo Leite, amplifica os efeitos das crises ambientais, transformando-as em verdadeiras tragédias humanitárias. Como ressalta a economista Maria da Conceição Tavares a ganância financeira resulta: no aprofundamento da competitividade, na produção de novos totalitarismos, na confusão dos espíritos e no empobrecimento crescente das massas, enquanto os Estados se tornam incapazes de regular a vida coletiva. É uma situação insustentável (TAVARES apud SANTOS, 2002, p. 2).
Diante desse cenário desolador, faz-se urgente uma reflexão profunda sobre o papel do Estado na proteção ambiental e na promoção do desenvolvimento sustentável. É preciso resistir às investidas neoliberais que visam enfraquecer as instituições públicas e fortalecer os interesses privados em detrimento do bem comum. Somente através do engajamento coletivo e da mobilização social podemos reverter o curso destrutivo que ameaça não apenas o Rio Grande do Sul, mas todo o nosso país e o planeta como um todo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Calamidade pública no Rio Grande do Sul. Artigo de Bruno Fabricio Alcebino da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU