13 Abril 2024
"A centralidade da dignidade humana e sua relação com os direitos humanos inalienáveis são articulações relativamente novas na teologia cristã, mas surgem das raízes mais fundamentais: nossa criação à imagem de Deus e o abraço de Deus à natureza humana na encarnação", escreve Sam Sawyer, jesuíta e editor-chefe da Revista America, em artigo publicado por America, 10-04-2024.
Quase todos os meios de comunicação laicos falaram da Dignitas Infinita, a nova declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre a dignidade humana, focando nos parágrafos finais do documento que criticavam a teoria de gênero, a mudança de sexo e a maternidade de substituição. Às vezes, esses relatos notaram que o documento também reafirmava a oposição da Igreja à pena de morte e ao aborto.
Mas poucos fizeram mais do que uma breve menção às outras "graves violações da dignidade humana" com as quais esses temas foram agrupados, que incluem: pobreza, guerra, o calvário dos migrantes, tráfico humano, abuso sexual, violência contra as mulheres, eutanásia e suicídio assistido, marginalização de pessoas com deficiência e violência digital.
Todos esses temas estão na quarta e última seção do documento. Talvez não seja surpreendente que nenhum dos meios de comunicação laicos que li tenha dedicado muito, ou até mesmo nada, à introdução e às três primeiras seções, que explicam como os fundamentos teológicos da dignidade humana foram esclarecidos e aprofundados ao longo do tempo.
Talvez seja compreensível – e certamente previsível – que as leituras laicas, e até mesmo algumas católicas, se concentrem nas questões mais polêmicas, tratando o restante do documento como um desabafo teológico em vista das conclusões morais. Mas não devemos nos contentar com uma leitura tão restrita da tradição católica sobre a dignidade.
Dignitas Infinita, em suas seções iniciais, apresenta uma espécie de estudo de caso do desenvolvimento doutrinário. Segue o que o título da primeira seção chama de "um crescente entendimento da centralidade da dignidade humana", desde suas sementes na antiguidade clássica, suas raízes na Escritura e seu desenvolvimento através da patrística e teologia medieval, o humanismo cristão do Renascimento e até mesmo suas expressões mais seculares no Iluminismo.
Avançando para o século XX, o documento observa que a reflexão sobre a subjetividade aprofundou a ideia de dignidade e "enriqueceu a antropologia cristã contemporânea". Por fim, o Vaticano II tornou o conceito central na Dignitatis Humanae, a declaração sobre a liberdade religiosa.
A frase final da primeira seção da Dignitas Infinita merece ser citada na íntegra: "O mesmo Magistério eclesial amadureceu, com sempre maior perfeição, o significado de tal dignidade, junto com as exigências e as implicações a ele conexas, chegando à tomada de consciência de que a dignidade de cada ser humano é tal para além de toda circunstância".
Com muita frequência, a discussão e a reflexão sobre o desenvolvimento doutrinário podem se transformar em uma série de argumentações sobre o que pode ou não mudar no ensinamento católico. Uma abordagem desse tipo pode levar à ideia implícita de que o "desenvolvimento" é fundamentalmente uma espécie de política de poder eclesial por outros meios, uma ideia que infelizmente tem se manifestado tanto entre aqueles que são hostis ao magistério do Papa Francisco quanto entre aqueles que esperam dele mudanças específicas.
Mas Dignitas Infinita nos lembra que o desenvolvimento doutrinário é um aspecto vital da tradição teológica da Igreja e um presente para ser recebido com gratidão. A centralidade da dignidade humana e sua relação com os direitos humanos inalienáveis são articulações relativamente novas na teologia cristã, mas surgem das raízes mais fundamentais: nossa criação à imagem de Deus e o abraço de Deus à natureza humana na encarnação.
Então, como podemos receber este presente com gratidão e obediência, como parte da tradição eclesial? Permita-me oferecer dois breves conselhos.
Primeiro: avance lentamente. Tire um tempo para ler o documento e orar com ele. Resista, pelo menos por um tempo, à tentação de encontrar pontos fortes ou reduzi-lo aos detalhes do que afirma ou nega. Além disso, não conclua rapidamente que os ensinamentos morais do documento equivalem ou exigem a exclusão da Igreja daqueles que discordam deles. O ensinamento da Igreja não é apenas uma lógica a ser compreendida e aplicada, mas um presente a ser recebido e cultivado ao longo do tempo.
Em segundo lugar, sua coerência deve ser um chamado à conversão. Dignitas Infinita apresenta a dignidade humana como incomparável e incondicional, e portanto, base da verdadeira liberdade humana. Ela nos pede para considerar as questões morais não apenas do ponto de vista do que é prático ou aceitável em nossa experiência, mas à luz do reconhecimento de cada pessoa humana, corpo e alma, como um dom único e infinitamente valioso de Deus. Se a leitura deste documento não questiona nosso pensamento moral, provavelmente não o lemos profundamente o suficiente.
Alguns podem considerar, compreensivelmente, que um padrão moral tão rigoroso e absoluto está em tensão com o exemplo de inclusão e acolhimento pastoral do Papa Francisco. Respondendo a Fiducia Supplicans, a declaração sobre bênçãos para casais recasados ou do mesmo sexo, os editores da revista America observaram que "não devemos ser rápidos demais em medir todos os ensinamentos com nossa tolerância limitada à confusão".
Quanto a Dignitas Infinita, talvez não devamos ser rápidos demais em medir o ensinamento com nossa capacidade limitada de coerência.
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Como ler Dignitas Infinita. Artigo de Sam Sawyer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU