10 Abril 2024
“Dizer que quem recorre à gestação para outros considera as crianças como objetos é aviltante. E acho isso uma ofensa pessoal." Andrea Rubera, porta-voz da associação cristã LGBT “Caminhos de Esperança” e pai de três filhos com gestação de substituição, comenta assim o documento Dignitas Infinita do Dicastério para a Doutrina da Fé.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 09-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É um documento a ser totalmente rejeitado?
“Não, o texto tem também aspectos interessantes, apela ao respeito pela dignidade humana e pela justiça social, pela proteção dos trabalhadores e dos migrantes. Também são expressos conceitos importantes sobre o tema LGBT, como o não à criminalização da orientação sexual, que aparece pela primeira vez em um documento oficial. Mas em outros pontos parece apressado e malfeito, escrito sem se aprofundar."
Como a passagem sobre a barriga de aluguel.
“É correto condenar os casos de exploração, mas é preciso distinguir cuidadosamente a abordagem ética daquela desumana. Todos concordamos que a maternidade de substituição deve ser regulamentada, mas também é correto aprofundar os contextos, todos aqueles casos em que é feita de forma altruísta, sem remuneração. Em vez disso, no texto é dado como certo que existe um abuso e uma troca de dinheiro. Eu nunca considerei meus filhos como objetos, eles representam o desejo de amor meu e do meu marido. São crianças que não teriam nascido se não tivéssemos escolhido esse caminho”.
O documento também aborda a questão das pessoas transgêneros.
“E contém ideias muito questionáveis, como quando nega o direito à transição de gênero, exceto na presença de “anomalias genitais” evidentes. Novamente, parece escrito sem qualquer análise aprofundada e, sobretudo, sem ter ouvido nenhuma das categorias interessadas".
Por que, na sua opinião?
“A minha impressão é que a Igreja se encontra entre saltos para a frente e passos para trás. E esse documento parece concebido para fazer um agradinho às franjas mais conservadoras do catolicismo, que não surpreendentemente estão exultantes."
A inevitável “teoria de gênero” também aparece no texto.
“Justamente, continua-se a falar dessa fantasmagórica teoria, sem querer entender que ela não existe em nível acadêmico, não há nenhum texto sério que a relate, é um nome inventado pelos movimentos fundamentalistas que a usam como bicho-papão para bloquear qualquer passo em direção à inclusão e à valorização da diversidade. Movimentos dos quais Francisco parecia ter se distanciado nos últimos anos”.
Falando em Francisco, certa vez você lhe entregou uma carta.
“Em 2015, para perguntar-lhe se a Igreja estava preparada para acolher os meus filhos. Ele de surpresa me ligou e me encorajou. E tinha razão: hoje os meus filhos estão perfeitamente integrados na vida da nossa paróquia. Na prática, as comunidades cristãs evoluem, até porque, caso contrário, as igrejas ficariam vazias. Mas a doutrina é mais difícil de minar. E isso corre o risco de se tornar uma jaula para a Igreja”.
Talvez seja hora de endereçar uma nova carta ao Papa...
“Sim, poderia ser uma ideia. Eu diria a ele que a Igreja deveria se encontrar com as pessoas LGBT, tentar construir os documentos também com elas. E que deveria convidar um de nós para o próximo sínodo”.
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“Dignitas Infinita é um agradinho aos conservadores. Eu, gay e católico, me sinto ofendido”. Entrevista com Andrea Rubera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU