03 Novembro 2023
"Só a paz é o bem para todos, e a guerra é o mal absoluto. Abençoada aquela criança que responderá ao ódio com humanidade, que não matará, que nos permitirá recomeçar a contagem dos vivos", escreve Mao Valpiana, presidente do Movimento Não Violento e Executivo da Rede Italiana de Paz e Desarmamento, em artigo publicado por Il Manifesto, 02-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Houve um tempo em que a não violência habitava a Palestina. Desde 1983, o Centro Palestino para o Estudo da Não Violência (PCSN) vem atuando na tradição da luta de libertação no estilo de Gandhi e com base nos estudos do cientista político Gene Sharp, identificando 120 técnicas não violentas de resistência à opressão israelense. Os colonos arrancavam oliveiras centenárias e grupos mistos de palestinos e israelenses não violentos replantavam o dobro durante a noite. Dessa forma, milhares de hectares foram salvos da ocupação. A não violência finalmente havia encontrado uma nova forma de enraizar-se no mundo árabe, dando continuidade à extraordinária experiência de Abdul Ghaffar Khan, o Gandhi muçulmano, líder indiscutível dos pashtuns que em 1929 fundou um exército não-violento de cem mil Servos de Deus contra o colonialismo britânico. Os seus textos foram traduzidos para o árabe e divulgados em Gaza, onde muitos muçulmanos apreciavam o fato da não violência ser parte integrante do Islã.
Em 1987, as autoridades israelenses acusaram Mubarak Awad, líder do Centro Palestino para o Estudo da Não Violência, de violar as leis do país ao incitar a revolta e organizar a desobediência civil; ele foi intimado a deixar o país e foi expulso. Hoje vive nos Estados Unidos e dirigiu-se aos líderes do Hamas e ao governo de Tel Aviv pedindo-lhes que “aceitem um cessar-fogo imediato, incluindo a cessação dos ataques com mísseis contra Israel e dos ataques militares contra Gaza”. As sementes da não violência que haviam sido plantadas na Palestina há quarenta anos parecem não conseguir mais germinar.
O pessimismo é compartilhado pela palestina Nivine Sandouka, diretora executiva da ONG Our Right de Jerusalém: “56 anos de ocupação e 15 anos de cerco em Gaza fizeram crescer enormemente a radicalização e tiraram espaço à humanização: a maioria dos jovens segue quem diz que os defende com as armas. Mas a nossa única possibilidade – continua Sandouka – é demonstrar que só o diálogo e a paz defenderão realmente os direitos da Palestina”.
Eran Nissan, um ativista israelense pela paz que vive em Jaffa, líder da organização progressista Mehazkim, diz que a maioria dos seus concidadãos está consciente de que a solução não poderá ser militar, mas política: “Depois do 7 de outubro, em Israel, os partidos do controle e do apartheid falharam em sua narrativa, agora existe a possibilidade para o partido da igualdade, que cresceu enormemente com grandes manifestações majoritárias, para oferecer uma saída, a coexistência, por uma terra que deve ser partilhada entre os dois povos”.
A saída está nas mãos de quem romperá a espiral do ódio, rejeitando a lógica perversa da guerra. Somente os civis israelenses e palestinos que escolherão o caminho da não violência, da ação comum para a paz, poderão devolver esperança para o futuro da região.
A organização mista israelense-palestina The Parents Circle – Families Forum (PCFF), reúne mais de 600 famílias enlutadas que tiveram vítimas no conflito; proferiu palavras inequívocas: “Nossos corações estão partidos. É um momento de grande dor. O custo da violência não se conta com os números, se conta com os sonhos desfeitos. É hora para todas as partes envolvidas de refletir sobre a insensatez deste conflito e reconhecer a humanidade compartilhada que nos une a todos”.
Chegamos à obscenidade macabra da solidariedade medida em número de mortos, como se um cadáver contasse menos de dez cadáveres. Como se 1.400 vítimas identificadas tivessem mais dignidade do que 8.000 vítimas anônimas.
A única contagem de mortos possível é a soma para denunciar quantas vidas destruídas produz o monstro da guerra. As 3.018 crianças mortas nos primeiros dias da guerra após o ataque de 7 de outubro são de Israel, Gaza, Cisjordânia. A cada hora aumentam. Aquelas crianças não têm bandeiras, apenas uma mortalha branca. A guerra é isso: seja guerra santa pela jihad, ou guerra pela existência milchamà, guerra de defesa ou guerra de ataque, a cadeia deve ser quebrada. Não é a luta do bem contra o mal. É ódio contra ódio. Só a paz é o bem para todos, e a guerra é o mal absoluto. Abençoada aquela criança que responderá ao ódio com humanidade, que não matará, que nos permitirá recomeçar a contagem dos vivos.
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A derrota da não violência incompleta. Artigo de Mao Valpiana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU