"Somos todos culpados. Os povos sinceros não querem a guerra, é muito onerosa para todos, suja as consciências, é um fracasso da humanidade, os soldados voltam para casa (quando voltam) envenenados no corpo e na alma, os civis morrem e não votaram por morrer, muito menos as crianças. Vota-se sobre tudo, mas não sobre a guerra, na democracia, pela qual somos superiores", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por FineSettimana, 31-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Somos todos culpados. Nós, cristãos, nós, europeus, perseguimos os judeus por razões teológicas mais que racistas; pensamos em compensá-los pelo Holocausto, dando-lhes uma terra já habitada por outros como se estivesse vazia; usamos a Cruz como arma nas cruzadas contra os muçulmanos; atribuímos a vitória militar de Lepanto a Maria de Nazaré; celebramos a Eucaristia no carro de guerra antes da batalha de Kahlenberg (e não só); abençoamos as armas assassinas, sacerdotes de assassinato generalizado; invadimos, exterminamos, colonizamos, deportamos e escravizamos milhões e milhões de populações “inferiores” (tenho um diário da guerra na Etiópia, que começou quando nasci: pela manhã confissão, comunhão e depois matar e matar etíopes); o Estado moderno, de direito, democrático e “civil” não repudiou realmente a política de matar para ter razão, de defender-se da morte multiplicando a morte; adoramos a deusa “vitória” e celebramos as suas festas, mesmo sabendo que é sempre a semente de mais violência, sabendo que premia a violência e não a razão; vemos terrorismo cruel em nome de Deus e nos perguntamos o que leva a tal desespero; vemos regimes teocráticos de ontem e de hoje proclamarem a “vingança” e o “bem contra o mal”, e contarem os inimigos mortos, dia após dia.
Somos todos culpados. Os povos sinceros não querem a guerra, é muito onerosa para todos, suja as consciências, é um fracasso da humanidade, os soldados voltam para casa (quando voltam) envenenados no corpo e na alma, os civis morrem e não votaram por morrer, muito menos as crianças. Vota-se sobre tudo, mas não sobre a guerra, na democracia, pela qual somos superiores.
No entanto, o primeiro que mostrará misericórdia e humanidade, mesmo ofendido pela violência, e proclamará com verdade coragem: “Eu não mato mais, porque você e eu somos humanos” - como diz Abel a Caim, segundo o Alcorão 5,29 - talvez pague por isso, mas será um profeta e redentor para todos nós, respingados pelo sangue de guerra, sacrifício aos ídolos, nós que sofremos, nos envergonhamos, imploramos misericórdia ao Deus da vida, de toda a terra, de todos os humanos, Deus que não prefere uns aos outros, e que também sofre a nossa traição. A guerra ameaça a nossa fé, porque não vemos Deus deter a mão de Abraão sobre Isaque. Na dor e na vergonha, desesperadamente esperamos. E, nesse ínterim, desobedecemos e amaldiçoamos todas as guerras, todas, todas, e boicotamos toda política de guerra, salvando a vida dos promotores da guerra, os mais pobres entre todos, mais infelizes que os mortos assassinados por eles.
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Somos todos culpados. Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU