26 Setembro 2023
Dos livros às candidaturas políticas. Adeus ao filósofo de Turim. Com Pier Aldo Rovatti, introduz o conceito de “pensamento fraco” que, em 1983, virou livro. Se o seu orientador Luigi Pareyson havia importado e desenvolvido de forma profunda e original o existencialismo de Jaspers, ele “traduz” Heidegger para a Itália. Aquele período dos anos 1980 caracterizado por um clima pós-modernista vê no autor, juntamente com Lyotard e Rorty, os representantes mais significativos.
A opinião é de Stefano Petrucciani, professor de filosofia, publicada por Il Manifesto, 21-09-2023.
Gianni Vattimo não pode ser reduzido à fórmula bem-sucedida, mas também vituperada, do “pensamento fraco". Há muito mais de interessante em sua jornada. Do ponto de vista biográfico, pode-se dizer que Vattimo viveu uma existência “exposta”, todo o contrário da existência reclusa que costuma ser atribuída ao filósofo tradicional. A sua vida pública começa quando, na década de 1970, candidata-se às eleições pelo partido Fuori, o movimento de libertação homossexual. Prossegue com as diversas e até inescrupulosas candidaturas políticas (até mesmo com Di Pietro e com os comunistas de Rizzo) e termina nas crônicas dos tabloides com um processo que envolveu seu secretário e parceiro por “abuso de incapaz”. Tudo pode ser dito, exceto que foi uma vida conformista.
Mas também na filosofia, Vattimo traz a coragem da inovação. Nascido em 1936, pertence (como outro grande homem da segunda metade do século XX, Remo Bodei, nascido em 1938) a uma geração filosófica que não viveu as experiências da guerra e do antifascismo, e que se move num terreno mais aberto e livre. Porém, como muitos outros filósofos italianos (aliás, como quase todos), Vattimo constrói a sua personalidade intelectual haurindo em experiências filosóficas fora da Itália.
Se o seu orientador Luigi Pareyson havia importado e desenvolvido de forma profunda e original o existencialismo de Jaspers, Vattimo “traduz” para a Itália um pensamento destinado a marcar as décadas subsequentes: aquele do chamado segundo Heidegger, do Heidegger que não se concentra mais sobre a existência do indivíduo e que se volta para o Ser. A esses temas é dedicado o primeiro importante livro de Vattimo (Ser, história e linguagem em Heidegger, 1963). Mas o filósofo que assim se encaminha para uma brilhante carreira (e que deixa para trás o período na Rai, onde havia sido colega de Umberto Eco e Furio Colombo) não pode deixar de se envolver no movimento de 1968 de Turim, aquele dos estudantes do Palazzo Campana e dos operários da Fiat. Depois de um desconforto inicial, porque já é professor e está do outro lado da barricada, Vattimo, que havia se formado politicamente na Ação Católica, entra em sintonia com os conflitos presentes buscando propor também uma chave de leitura filosófica.
O pensamento da emancipação, porém, já não passa apenas por Marx, mas também e sobretudo por Nietzsche: em 1974, Umberto Eco faz com que publique o grande texto nietzschiano (O sujeito e a máscara), cujo subtítulo traz significativamente: “Nietzsche e o problema da libertação". Ainda são os anos em que a exigência de uma libertação não apenas política, mas sobretudo existencial, atravessa os movimentos radicais, desde o Lotta Continua ao Settantasette. Vattimo os precede, em seu livro, propondo uma forma diferente de pensar os caminhos da emancipação: uma forma que não exorciza os temas do corpo, do desejo, da sexualidade vivida sem censuras, mas sim os coloca no centro, utilizando como instrumento de compreensão um pensamento, como o de Nietzsche, que a cultura da esquerda tinha mantido até então prudentemente à distância.
Olhando retrospectivamente para a obra dos anos 1970, Vattimo teve a oportunidade de lembrar, em mais de uma entrevista, que a sua intenção era, pode-se dizer, escrever a filosofia do manifesto, ou seja, de uma forma inovadora e diferente de fazer política. Mesmo que, acrescentava, do manifesto ninguém tivesse se apercebido. A virada para o pensamento fraco amadurece na década de 1980. Para motivá-la, como ele mesmo contou, contribui também a desilusão política: a desestruturação das novas esquerdas, as derivas para a luta armada, o novo espírito dogmático que as acompanha. Em busca de uma nova ideia de libertação, portanto, essencialmente toma conta o desencanto com a “grande história” da emancipação. A crise da razão, declarada em um livro de sucesso da Einaudi editado em 1979 por Aldo Gargani, é um prelúdio ao Pensamento fraco, uma antologia de título acertado, destinada a não passar inobservada, que Pier Aldo Rovatti e Gianni Vattimo publicaram em 1983 com a Feltrinelli.
Nesse ínterim, também havia sido publicada A condição pós-moderna, um texto tão influente como poucos outros, que Jean François Lyotard publicara em 1979. Os anos 1980, mas infelizmente também os seguintes, são, portanto, caracterizados por uma koiné pós-modernista da qual Vattimo, Lyotard e Rorty são, na minha opinião, os representantes mais significativos. As palavras de ordem partilhadas são a crítica da razão fundamental, o fim das “grandes narrativas”, a tese de que não existe uma realidade, mas apenas interpretações, o ceticismo por projetos políticos demasiado ambiciosos, o elogio constante das "diferenças", a crítica de toda ideia que pareça universalista ou abrangente. Comparada com essa litania, que certamente tinha suas boas motivações, mas também causou muitos danos, Vattimo ainda assim se destaca pela fineza intelectual que, em seus escritos, caracteriza a apresentação das teses pós-modernas.
A tese hermenêutica segundo a qual não existe relação com o mundo que não seja filtrada pelas tradições culturais e pelas linguagens históricas, em Vattimo está solidamente enraizada nos amplos estudos que dedicou a esse tema, a partir do livro Schleiermarcher: filósofo da interpretação (Mursia, 1968) até o confronto decisivo com o Gadamer de Verdade e método e a sua “urbanização” do heideggerismo. Mas no pensamento fraco explicitado à maneira de Vattimo existe também um elemento teórico de matriz propriamente heideggeriana que marca a especificidade da abordagem que caracteriza o filósofo. Para Vattimo, vou citar as palavras de uma das suas entrevistas (mas os seus escritos também são sempre muito claros, apesar da complexidade das questões teóricas): “o pensamento fraco não é apenas a apologia de uma razão não universalista, não argumentativa. É também a teoria de um fio condutor ontológico de enfraquecimento”.
Em palavras simples, a tese que Vattimo defende é que não somos apenas nós que pensamos de maneira diferente, mas esse enfraquecimento é um aspecto da própria realidade, do próprio ser (em alguma sintonia com o Deus cristão que se enfraquece a ponto de se tornar homem). Mas aqui, paradoxalmente, o pensamento fraco transforma-se em pura especulação filosófica.
A virada do milênio, contudo, é marcada pelo declínio do pós-modernismo e, por Vattimo, não só da experiência política no Parlamento Europeu, mas também de uma renovada radicalidade, que deixa sua marca especialmente em dois livros. O título do primeiro ecoa Nietzsche: Ecce Comu. Como si ri-diventa ciò che si era (Fazi, 2007). O segundo, escrito com Santiago Zabala, é um manifesto propriamente dito: Comunismo ermeneutico (Garzanti, 2014). Trata-se quase de um testamento filosófico e político, onde o pensamento fraco se transforma num pensamento dos fracos, e onde a crítica ao capitalismo neoliberal tipo hegemonia EUA se une ao enfoque sobre os processos de emancipação (complicados e contraditórios, acrescentamos nós) de alguns países latino-americanos. Um pensamento “exposto” e arriscado, como era a personalidade de Gianni Vattimo.
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Gianni Vattimo, a coragem de uma inovação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU