O artigo é de Jesús Rojano, salesiano, professor do Instituto Superior de Pastoral, de Madri, publicado por Religión Digital, 21-09-2023.
As fake news e a pós-verdade [1] tornaram-se elementos comuns no discurso público neste início do século XXI. Logo nos vem à mente a conta do Twitter de Donald Trump negando, sem provas, sua derrota eleitoral ou incitando a multidão no recente Dia de Reis para invadir o Congresso... e depois negando que o tenha feito. Poderíamos citar muitos outros exemplos de políticos de todas as cores.
Não estaríamos "à altura dos tempos" (que Ortega y Gasset me perdoe por desvalorizar sua expressão) sem recorrer à Wikipédia:
"Pós-verdade ou mentira emotiva é um neologismo que descreve a distorção deliberada da realidade na qual os fatos objetivos têm menos influência do que apelos às emoções e crenças pessoais, com o objetivo de criar e moldar a opinião pública e influenciar as atitudes sociais. Na cultura política, chama-se política da pós-verdade (ou política pós-factual) àquela em que o debate é enquadrado em apelos às emoções, desconectando-se dos detalhes da política pública e pela reiterada afirmação de pontos de discussão nos quais os argumentos baseados em fatos são ignorados" [2].
No entanto, parafraseando Aristóteles, "a pós-verdade é dita de muitas maneiras". Com frequência, ouvimos e lemos que o uso da pós-verdade é promovido por autores como Gianni Vattimo, entrevistado nesta edição de Iglesia Viva. Afinal, o filósofo italiano escreveu um livro intitulado Adeus à verdade [3] e costuma afirmar que é "mais amigo de Platão (ou seja, da pessoa concreta) do que da verdade": Amica veritas, sed magis amicus Plato. Eu quis voltar aos seus textos porque, em 2012, defendi uma tese de doutorado em Teologia Pastoral sobre Vattimo, publicada em 2015 [4], e resumi em um artigo de 2016 [5]. Na verdade, espero esclarecer que nada está mais distante do pensamento de Vattimo do que favorecer o que costumamos chamar de pós-verdade.
1.1 Verdade, pós-verdade e hermenêutica
Gianni Vattimo é um pensador hermenêutico muito mais do que pós-moderno ou do pensamento fraco, etiquetas ou metáforas explicativas muito mais provisórias. Por isso, ele cita frequentemente o aforismo nietzschiano: "não há fatos, apenas interpretações" (aforismo 481, A vontade de poder) [6], que, aliás, continua assim: "E isso, por sua vez, é uma interpretação".
Vattimo costuma insistir, com razão, que não devemos confundir dois conceitos de verdade: a verdade absoluta da escolástica ontoteológica (Adequatio rei et intellectus) e a concepção heideggeriana da verdade como desvelamento ou desocultação (aletheia). A primeira concebe o ser como fundamento metafísico inabalável; a segunda, como evento (ereignis) que acontece, que fulgura como um relâmpago e não pode ser capturado: como o ser, a verdade não é possuída, mas "acontece" [7].
Segundo Vattimo, "quase ninguém acredita mais em verdades metafísicas 'universais' [...]. A necessidade de metafísica que sentimos já não pode ser considerada um dado objetivo ou uma verdade universal. As ruínas causadas pelas pretensões universalistas do pensamento ocidental (perseguições religiosas, colonialismo, fundamentalismos de todo tipo) são agora visíveis aos olhos de todos" [8]. E é que "as pretensões de verdade são sempre, inclusive e sobretudo, pretensões de poder. Se fosse imposta, como desejam as 'autoridades' de todos os tipos, a Verdade única, com a inicial em maiúscula, a própria vida humana na Terra estaria ameaçada, da mesma forma que a ameaçam o fim do ar respirável e da água potável" [9].
Evidentemente, Vattimo nos lembra aqui do escrito de Nietzsche intitulado Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, que o filósofo turinense comentou amplamente várias vezes [10]. Para Nietzsche e para Vattimo, "a verdade objetiva não passa de ideologia dos vencedores" [11], ou seja, "o interesse pela verdade como descrição objetiva de coisas e estados de fato pertence apenas àqueles que detêm o poder" [12].
Considerar que a metafísica é sinônimo de violência tem sido uma constante no pensamento de Vattimo: "Na ideia de verdade como objetividade que 'se impõe' e serve para 'dar razão', há um germe de violência" [13]. Os poderosos "invocam a metafísica para manter o status quo, a moral familiar tradicional, o poder sacralizado das hierarquias religiosas, a validade 'objetiva' da ciência oficial ou simplesmente a indiscutibilidade das opiniões mainstream [convencionais], divulgadas pelos grandes jornais e pelas televisões" [14].
Frente à "ameaça que toda pretensão de verdade absoluta representa para a liberdade" [15], a solução, segundo Vattimo, é "reconhecer o caráter interpretativo da verdade" [16], ou seja, abraçar a hermenêutica: "a crítica da noção metafísica de verdade leva a hermenêutica a enfrentar o autoritarismo político e religioso que, segundo parece a nós, tende a impor-se com maior força no mundo da globalização econômica dirigida pelo ideal do mercado" [17].
Vattimo afirma que "a filosofia está – como certamente sempre esteve, mas talvez nunca de maneira tão explícita e vinculante – imersa no processo histórico em que acontece aquele ser do qual entendeu que não pode falar do exterior, ou from nowhere [de lugar nenhum]. Afirmar hoje que (a experiência da) verdade é interpretação significa entrar imediatamente em conflito com as pretensões absolutistas das máquinas de poder, civis e religiosas" [18]. Portanto, vemos que opor a hermenêutica própria da nossa Era da interpretação [19] à violência metafísica universalizadora, como propõe Vattimo, é algo muito diferente de promover a pós-verdade.
A hermenêutica nos indica que, antes de tudo, somos uma conversa: "a verdade só acontece quando somos uma conversa, um diálogo ou colóquio" [20]. A verdade não é possuída, mas apenas "acontece na conversa que nós mesmos somos" [21].
Vattimo afirma que é um mito a "neutralidade" da verdade universal, pois "o intérprete está ele mesmo envolvido no processo do qual, e de dentro do qual, fala. Não se pode fazer hermenêutica sem tomar partido" [22]. Mas constatar isso, como faz Vattimo, repetimos, não é promover a pós-verdade.
Por outro lado, Santiago Zabala, grande conhecedor e discípulo de Vattimo, tem razão quando defende que "sempre estivemos vivendo na chamada 'era dos fatos alternativos' ou 'pós-verdade'. Ninguém acredita que antes do escândalo com o Facebook/Cambridge Analytica tudo fosse mais verdadeiro. E mesmo quando sabemos a verdade (pensemos no caso de Snowden), nada muda. O importante hoje é reconhecer que nossa única oportunidade de emancipação reside na hermenêutica, em aceitar que nossas interpretações são mais vitais do que nunca. Somente nelas podemos confiar para continuar a caminhar livremente na era dos fatos alternativos. Hölderlin tinha razão quando disse: 'onde está o perigo, cresce também o que salva'" [23].
E se negamos que a pós-verdade é muito antiga, que o digam a Ulisses na Odisseia, de Homero, quando jura e perjura ao ciclope que se chama "Ninguém"; ou a Caim quando responde a Yahvé que não sabe quem matou Abel; ou, em uma cena mais recente e prosaica, a Clinton quando lhe perguntaram sobre "aquele assunto" com Mônica Lewinsky. O personagem de Woody Allen no filme de 2001 "A Maldição do Escorpião de Jade" [24], que rouba algumas joias na frente de seu amigo policial e depois lhe diz: "E você vai acreditar em seus olhos antes do que em seu amigo?", seria outro bom exemplo. Também, nos tornando um pouco mais sérios, a famosa frase de Hegel: "Se os fatos não confirmam o que a razão diz, pior para os fatos".
1.2 Cristianismo sem verdade?
Vattimo experimentou nos anos 90 um certo "retorno" (ele sempre evita o termo "conversão") à fé cristã, que ele narra com sinceridade [25]. Ele se declara um meio-crente [26]: "Se eu disser que estou voltando a acreditar, em quê, da doutrina cristã tal como a recebemos todos, estou voltando a acreditar? Considero-me um meio-crente porque não conseguiria responder de forma completa a esta pergunta. Tenho, naturalmente, respostas, mas não a que consistiria na reformulação dos artigos do Credo em termos secularizados" [27].
Para ele, a kénosis, a encarnação na fraqueza de Cristo, é o verdadeiro centro da revelação bíblica, e ele encontra um paralelismo não casual entre o niilismo de Nietzsche e Heidegger, que supera a metafísica ocidental e abre novas possibilidades de liberdade, e a kénosis (aniquilação e esvaziamento por amor) de Deus, descrita em Filipenses 2.6-11.
A consequência, sempre segundo Vattimo, é que o cristianismo deve centrar-se na caridade e não nos dogmas, e deve abandonar toda pretensão de fundamentação metafísica, que sempre leva à imposição das próprias verdades e à violência física ou metafísica. Deus, enfraquecendo-se, nos mostra o caminho da não violência e destrói o ciclo de violência presente em todas as culturas e religiões humanas. Aqui, Vattimo se inspira, à sua maneira, nas reflexões do pensador francês René Girard. Ele também é influenciado pelo cristianismo hermenêutico de seu mestre Luigi Pareyson e pela visão espiritualista e alérgica aos dogmas e hierarquias de Joaquim de Fiore, o abade calabrês do século XII.
Vattimo diz que "as Igrejas – na Europa, especialmente a Igreja Católica – são questionadas quanto às suas pretensões de exclusividade no campo da verdade, que acreditam ler com autoridade nos textos de sua tradição" [28].
Portanto, "a experiência religiosa pós-moderna, que, em minha hipótese, é específica da Europa de hoje, requer que pensemos a verdade em termos diferentes daqueles metafísico-absolutistas que a tradição nos transmitiu. A expressão de Dietrich Bonhoeffer: 'Einen Gott, den es gibt, gibt es nicht' ('Não há um Deus que é'), torna-se uma frase profética da qual ainda devemos compreender o significado" [29]. Temos que "pensar a verdade da fé em termos diferentes da descritividade objetiva dos fatos" [30].
É Deus, dirá Vattimo, quem nos pede isto: "É a encarnação, ou seja, o tornar-se história do Filho de Deus, que nos liberta da verdade, determinando as condições em que não podemos mais pensar na verdade como dado metafísico, como representação fiel e, portanto, autorizada, da forma como as coisas estão" [31]. Portanto, "essa verdade da metafísica é a inimiga não apenas da liberdade e da democracia no mundo – porque está do lado do poder e de seus mecanismos de autoconservação –, mas também de toda experiência religiosa autêntica" [32].
As autoridades religiosas que pretendem possuir a verdade absoluta usurpam o lugar de Deus, pois somente Deus pode ter todas as perspectivas e a visão totalmente neutra e objetiva (from nowhere). Por isso, Vattimo diz com ironia que "apenas um Deus relativista pode nos salvar" [33]. E é que "a tarefa que todos temos pela frente é encontrar – após a época 'metafísica' do absolutismo e da identidade entre verdade e autoridade – a possibilidade de uma experiência religiosa pós-moderna na qual a relação com o divino não esteja mais contaminada pelo medo, violência ou superstição" [34].
E Vattimo acrescenta algo muito interessante, ou seja, que ele rejeita as pós-verdades dos poderosos, mas não em nome da metafísica tradicional: "Rejeito essas mentiras porque estou do lado de Cristo, amigo dos fracos e crucificado pelo poder" [35].
1.3 Suas propostas para o cristianismo presente e futuro
Na conclusão da minha tese, permito-me apresentar as propostas para o cristianismo do futuro que surgem, sempre de acordo com a minha opinião, do pensamento de Vattimo. Aqui estão as referentes ao tema em questão:
• "A caridade é o núcleo e o critério supremo do cristianismo, à frente da verdade metafísica e dogmática, pois, como Vattimo costuma repetir, 'a verdade é minha amiga, mas as pessoas são muito mais minhas amigas': Amica veritas, sed magis amicus Plato" [36].
• "O cristianismo deve prescindir da base metafísica dos dogmas e dos fundamentos sólidos, ou seja, do que Heidegger chamou de Ontoteologia, para reduzir a violência impositiva e dar lugar à caridade" [37].
• "É necessário aprofundar na interpretação hermenêutica e comunitária da Bíblia e dos dogmas, aqui e agora, buscando, seguindo o exemplo de Joaquim de Fiore, uma maior espiritualização e menor literalidade, pois a letra mata e o espírito vivifica. O processo de interpretação não se fecha, não termina, porque Deus continua a falar conosco na história, e a comunidade cristã deve continuar a ouvi-Lo" [38].
• "Se o ser é evento e a revelação de Cristo no evangelho se manifesta como tal, devemos apresentar e viver o cristianismo como um evento salvador mais do que como uma teoria ideológica com conteúdos metafísicos imutáveis. O cristianismo é um evento de salvação, não um conjunto de dogmas" [39].
• "Os cristãos hoje devem promover o diálogo aberto e não silenciar as pessoas, pois isso é a maior violência. Lendo a história humana a partir do evento da kénosis de Cristo, o cristianismo deve continuar a reduzir o nível de violência sagrada em nosso mundo. Para isso, é necessário promover a liberdade de cada pessoa e criticar o conceito de lei natural por considerá-lo rígido. A ética cristã, por ser uma ética da caridade, deve ser hermenêutica, respeitosa e piedosa" [40].
Acredito que "não se trata de eliminar o conceito de verdade em geral, mas de depurar e evitar suas derivas patológicas" [41].
Em resumo, é importante observar que conceber a verdade como "conformidade das coisas com o conceito que a mente forma delas ou do que se diz com o que se sente ou se pensa", como define o DRAE, reflete uma concepção intelectualista própria do pensamento grego. "A noção bíblica de verdade é diferente, pois está fundamentada em uma experiência religiosa, a experiência do contato com Deus" [42]. Especialmente o Evangelho de João assume e transforma a concepção helenística de verdade até identificá-la com a pessoa de Jesus, a Palavra de Deus (João 1,14; 14,6). Para o Jesus de João, a verdade não "é possuída", não "se sabe", mas "se caminha na verdade", "se vive na verdade" [43]. Também para Teresa de Jesus, a humildade é "caminhar na verdade". Estamos longe, portanto, da Adequatio rei et intellectus (...)" e não tão longe de Vattimo.
O Instrumentum laboris (IL) do Sínodo sobre os Jovens de 2018, sendo um documento oficial da Igreja, abordou esta questão de maneira interessante (o destaque é meu):
"No mundo da pós-verdade, a frase "Cristo é a Verdade que faz a Igreja ser diferente de qualquer outro grupo secular com o qual poderíamos nos identificar", que a Reunião pré-sinodal usa, inevitavelmente acaba por ter um significado diferente das outras épocas. Não se trata de renunciar à especificidade mais preciosa do cristianismo para se conformar ao espírito do mundo, nem é isso o que os jovens pedem, mas é preciso encontrar o modo de transmitir o anúncio cristão em circunstâncias culturais mudadas. De acordo com a tradição bíblica, é bom reconhecer que a verdade tem uma base relacional: o ser humano descobre a verdade no momento em que a experimenta por parte de Deus, o único verdadeiramente confiável e digno de confiança. Esta verdade precisa ser testemunhada e praticada e não apenas argumentada e demonstrada" (IL 55).
Uma abertura semelhante é observada nas palavras do Papa Francisco em uma entrevista concedida ao jesuíta Antonio Spadaro em agosto de 2013:
"Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual.
O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-l’O para O procurar sempre. (…) Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental.
Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. [44].
O teólogo jesuíta Joseph Moingt escreveu, já aos cem anos de idade, um extenso ensaio no qual demonstra com argumentos convincentes que o Deus cristão se manifesta em Jesus Cristo (por isso Ele é a Verdade), mas que ainda está "por vir completamente", por se revelar em plenitude [45]. Não controlamos Deus, não possuímos a verdade, porque Ele geralmente não está onde esperamos encontrá-Lo [46]. Segundo Moingt, a própria Bíblia, desde o seu início, é mais plural do que uniforme em sua revelação de Deus. Não há apenas um evangelho canônico, mas quatro [47].
No entanto, alguém poderia objetar: não possuímos nós, cristãos, verdades absolutas que são os dogmas? O cardeal Kasper, um dos grandes teólogos contemporâneos, responde em seu livro Evangelho e dogma, afirmando: "Um dogma é um conceito funcional e dinâmico: resultado da experiência vivida até agora pela Igreja em sua relação com o Evangelho e antecipação da experiência futura, diante da qual a Igreja deve permanecer sempre aberta" [48]. "Os dogmas também estão condicionados historicamente e devem ser entendidos historicamente. É necessário traduzir para a abordagem e terminologia do presente o que neles é dito objetivamente. A verdadeira tradição só é possível por meio da interpretação" [49].
Esta última frase seria assinada por Vattimo, sem dúvida. Os dogmas cristãos, quando bem entendidos, evitam o perigo de cair em um dos dois extremos, o rígido inflexível ("possuímos a verdade absoluta") e o relativismo superficial e generalizado daqueles que fizeram da pós-verdade o seu lugar existencial preferido. Como Joseph Moingt explica de maneira convincente, entender a fidelidade à Tradição como fossilização no passado na realidade é uma traição ao Espírito, que constantemente move a Igreja a estar aberta às novidades de Deus [50].
Para o cristianismo autêntico, a plena Revelação de Deus é Jesus Cristo vivo, a Palavra encarnada, é mais do que a literalidade das Escrituras. Dizer que "Cristo é a Verdade" (IL 55) não tem o sentido objetivista rigoroso da definição tomista de verdade como "adequação entre nossa mente e a realidade". O próprio Santo Tomás de Aquino sabia que sobre Deus há sempre mais que não sabemos do que sabemos. Portanto, na Constituição Apostólica do Concílio Vaticano II sobre a revelação, Dei verbum (DV), afirma-se que a plenitude da revelação cristã não são textos escritos, mas uma Pessoa viva, que é Jesus Cristo (cf. DV 4). Os textos escritos dos quatro evangelhos são muito importantes para nós, mas apenas na medida em que nos revelam quem é Jesus e que Ele é o Filho de Deus, o Salvador, o Senhor.
Portanto, dizer que Cristo é a Verdade não é essencialmente uma ideia intelectual, mas sim o encontro com um acontecimento e uma Pessoa, e é um encontro que melhora e salva a vida daquele que vive tal experiência. Mesmo um teólogo a quem alguns atribuem a fama de ser intelectual e abstrato, como Karl Rahner, descreve a revelação de Deus como "autocomunicação de Si mesmo – de Sua Pessoa – ao ser humano" [51]. Deus não nos entrega "doutrinas" ou "ideias", nem verdades metafísicas absolutas, mas Ele Se dá a Si mesmo.
Nas palavras de outro jesuíta, Pedro Trigo, "o problema fundamental é se vivemos e agimos a partir da ideologia, que leva à profissão de doutrinas e à prática de rituais e comportamentos, ou se vivemos a partir da experiência, que nos leva à relação de fé e, a partir daí, a agir como um verdadeiro sujeito, consciente e com liberdade libertada, atitude que nos leva ao testemunho" [52].
Também é muito apropriado recuperar o conceito de honestidade com a realidade, inspirado na filosofia de Xabier Zubiri e Ignacio Ellacuría, e amplamente desenvolvido pelo teólogo jesuíta Jon Sobrino, que afirma que quando ocultamos a realidade e não reconhecemos as coisas como são, perdemos Deus [53]. A honestidade com a realidade consiste em "ter vontade de verdade, permitir que a realidade seja o que é, para compreendê-la e ouvi-la como ela é" [54], e, portanto, exige "ouvir a palavra da realidade e dar voz à realidade" [55]. Vattimo costuma falar de "ontologia da atualidade" como uma tarefa de escuta da realidade, aproximando-se muito do conceito evangélico e teológico dos "sinais dos tempos".
Em resumo, Jesus de Nazaré era "verdadeiro" porque viveu de forma coerente do início ao fim. E morreu, como afirmou Moltmann, por viver como tinha vivido. A moral cristã, segundo São João, não se baseia em uma metafísica objetivista e opressiva, mas em "viver como Jesus viveu" (1 João 2,6). Uma pessoa cristã é "verdadeira", de acordo com o que temos dito, quando reflete um modo de vida coerente.
[1] Cf. J. IBÁÑEZ FANÉS (ED.), En la era de la posverdad, Calambur, Barcelona 2017.
[2] Disponível no link [Consulta: 27.02.2021].
[3] G. VATTIMO, Adiós a la verdad, Gedisa, Barcelona 2010.
[4] J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo. Crítica y propuestas para la praxis cristiana, Publicaciones de la Universidad Pontificia de Salamanca, Colección EstudiosBibliotheca Salmanticensis, nº 354, Salamanca 2015.
[5] J. ROJANO, “Vattimo, por ejemplo: cultura actual y fe cristiana”, Razón y Fe 1410 (2016) 319-330.
[6] F. NIETZSCHE, Obras completas de Federico Nietzsche, Tomo VII: La voluntad de dominio. Ensayo de una transmutación de todos los valores, Aguilar, Madrid 1932, 281-282. Vattimo ha citado frecuentemente dicho aforismo 481 de La voluntad de poder: cf., por ejemplo, G. VATTIMO, El sujeto y la máscara. Nietzsche y el problema de la liberación, Península, Barcelona 2003 [1ª ed. española: 1989; original italiano: 1974] 344; 402; 468; ID., Las aventuras de la diferencia. Pensar después de Nietzsche y Heidegger, Península, Barcelona 1986 [original italiano: 1980] 71; ID., Más allá del sujeto. Nietzsche, Heidegger y la hermenéutica, Paidós, Barcelona 1992 [original italiano: 1981] 34; ID., Introducción a Nietzsche, Península, Barcelona 1990 [original italiano: 1985] 106; ID., Ética de la interpretación, Paidós, Barcelona 1991 [original italiano: 1989] 128; ID., Más allá de la interpretación, Paidós, Barcelona 1995 [original italiano: 1994] 38; 50.
[7] G. VATTIMO, Alrededores del ser, Galaxia Gutemberg, Barcelona 2020, 34. Cito segundo uma edição digital de 300 páginas. O livro tem 344 páginas. Citarei abundantemente esta obra por ser a mais recente.
[8] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 23.
[9] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 70.
[10] Cf., por ejemplo, G. VATTIMO, Diálogoscon Nietzsche. 1961-2000, Paidós, Barcelona 2002, 100-107.
[11] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 98.
[12] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 178.
[13] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 193.
[14] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 20.
[15] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 72.
[16] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 68.
[17] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 71.
[18] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 72.
[19] S. ZABALA, “Introducción”, en G. VATTIMO – R. RORTY – S. ZABALA (Comp.), El futuro de la religión. Solidaridad, caridad, ironía, Paidós, Barcelona 2006, p. 19.
[20] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 61.
[21] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 62.
[22] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 91.
[23] S. ZABALA, disponível no link.
[24] Cf. no link.
[25] Cf. G. VATTIMO, Creer que se cree, Barcelona, Paidós, 1996; ID., Despuésde la cristiandad. Por un cristianismo no religioso, Barcelona, Paidós, 2003.
[26] G. VATTIMO, Creer que se cree, pp. 71; 84; 86, 95.
[27] G. VATTIMO, Creer que se cree, p. 95.
[28] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 68.
[29] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 176.
[30] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 177.
[31] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 190.
[32] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 198.
[33] G. VATTIMO, Adiós a la verdad, 63-71.
[34] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 213.
[35] G. VATTIMO, Alrededores del ser, 179.
[36] Cf. J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo, 489-509.
[37] Cf. J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo, 509-521.
[38] Cf. J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo, 521-536.
[39] Cf. J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo, 556-575.
[40] Cf. J. ROJANO, Relación entre cultura posmoderna y fe cristiana en Gianni Vattimo, 575-587.
[41] Cf. J. ROJANO, Vattimo, por ejemplo: cultura actual y fe cristiana, 328.
[42] I. DE LA POTTERIE, “Verdad”, en X. LEON-DUFOUR (ED.), Vocabulario de teología bíblica, Herder, Barcelona, 1965, 821.
[43] Cf. una buena exposición de esta idea, con las citas joánicas correspondientes, en: J. J. BARTOLOMÉ, “Testimoniar la Verdad en un mundo de medias verdades. Una reflexión bíblica sobre Jn 1,14.17; 14,6”, Misión Joven 504-505 (enero 2019) 25-32. 49-50.
[44] Disponível aqui. Em português, aqui.
[45] J. MOINGT, Creer en el Dios que viene. De la creencia a la fe crítica, DDB, Bilbao 2015, 20-29.
[46] Cf. J. MOINGT, Creer en el Dios que viene, 311.
[47] Cf. J. MOINGT, Creer en el Dios que viene, 240.
[48] W. KASPER, Evangelio y dogma. Fundamentación de la dogmática, Sal Terrae, Santander 2018, 124. El autor se toma la molestia de escribir 800 páginas para aclarar esta importante cuestión. A ellas remito al lector interesado en una argumentación pormenorizada.
[49] W. KASPER, Evangelio y dogma, 733.
[50] Cf. J. MOINGT, Creer en el Dios que viene, 714-716.
[51] K. RAHNER, Curso fundamental sobre la fe, Herder, Barcelona 1984, 147-166.
[52] P. TRIGO, Jesús, nuestro hermano, Sal Terrae, Santander 2018, 291.
[53] Cf. J. SOBRINO, Resurrección de la verdadera Iglesia. Los pobres, lugar teológico de la eclesiología, Sal Terrae, Santander 1981, 187-188. Cf. también Liberación con espíritu, Sal Terrae, Santander 1985, 24-31; Terremoto, terrorismo, barbarie y utopía. El Salvador, Nueva York, Afganistán, Trotta, Madrid 2002, 67-92.
[54] J. SOBRINO, Terremoto, terrorismo, barbarie y utopía, 67.
[55] Ibidem, 86.