04 Setembro 2019
O filósofo José Ortega y Gasset pensava que as letras não tinham futuro, que o futuro estava na ciência e na engenharia. Seu filho, José Ortega Spottorno, seguiu Engenharia Agrônoma, mas colocou mais peso nas letras: foi editor de livros e fundou o jornal El País. O neto Andrés Ortega Klein, de alguma forma reuniu essa herança intelectual, primeiro a partir de uma tentativa falida com a Engenharia Civil e depois com estudos em Ciência Política e Relações Internacionais. Finalmente, na prática, como escritor, jornalista e analista de tecnologia robótica, com uma visão que, inclusive, transcende as ciências, cruzando o campo das letras.
Nasceu um ano antes da morte de seu avô Ortega y Gasset. Quando seu pai lançou o jornal El País, após a queda de Franco, era um estudante de 22 anos. Tem 65 e é sua primeira vez no Peru. Estamos em uma das salas da Fundação Telefónica, em Santa Beatriz, para onde veio como curador da exibição internacional Nós, robôs, que além de pensar a evolução histórica da robótica, adverte sobre os desafios que a humanidade enfrentará frente ao avanço da ciência. A mostra vai até 17 de novembro. Quando viu o filme Blade Runner, nos anos 1980, “não pensava em carregar no bolso o que é quase uma extensão de meu cérebro”, reflete sobre esse passado. Nesta entrevista, olhamos para o futuro.
A entrevista é de Mijail Palacios, publicada por Perú21, 02-09-2019. A tradução é do Cepat.
Em seu livro, você propõe a imparável marcha dos robôs, quase como uma sentença da ficção científica. Os robôs já chegaram ou ainda não vimos nada?
Ainda não vimos o que irá chegar com os robôs e, sobretudo, quando a robótica se juntar à biotecnologia, que já está começando. Esta será a próxima revolução da robótica.
O que acontecerá?
Veremos fenômenos trans-humanistas, integração de aparelhos no corpo humano, mas também modificações e melhoras genéticas. Isso irá mudar a sociedade. Contudo, ainda estamos um pouco longe disso. Estamos em uma explosão mundial da melhora dos robôs, que se deve à entrada de um país que está se robotizando rapidamente, que é a China, que vem se somar ao Japão, Coreia, Estados Unidos e Alemanha.
No entanto, hoje também se usa a expressão “você está se robotizando”, como algo negativo.
As culturas são diferentes. Os japoneses têm uma visão dos robôs completamente diferente, proveniente de sua cultura religiosa: o xintoísmo não é uma religião que acredita em Deus, nem na vida eterna, mas, ao contrário, projeta uma relação anímica nas coisas, portanto nos robôs. Então, os robôs no Japão são bem vistos porque ajudarão a cuidar dos anciãos. Além disso, nos anos 1950 e 1960, quando houve uma explosão da literatura dos robôs, no Japão, os robôs ajudavam as crianças, a humanidade. Ao contrário, nos filmes de Hollywood, os robôs sempre eram um problema contra a humanidade. Hoje, acredito que o medo radica em que as pessoas acreditam que podem lhes tirar um posto de trabalho.
O que está acontecendo. Ou não?
Em parte. Estamos em uma transição. Calcula-se que a robotização automática irá suprimir de 20% a 21% dos postos de trabalho. Por outro lado, dentro do Fórum Econômico Mundial de Davos, calculam que existirão mais postos de trabalho em atividades que não são conhecidas agora. Este fórum destaca que 65% dos novos empregos que os meninos e meninas que hoje estudam o primário terão, na atualidade, não existem.
Então, o que fazer diante desse futuro desconhecido?
Estudar as disciplinas de ciências, matemáticas, tecnologia e engenharia e saber que terão que aprender e reaprender ao longo de toda a sua vida.
Programar será como saber falar ou escrever?
Eu acredito que não. A programação é importante, porque permite nos relacionar com as máquinas para saber como funcionam, mas cada vez mais caminhamos para uma programação mais automática.
É descabido pensar que uma máquina será autônoma ou sempre estará subordinada ao que programarmos?
Quando se fala dos princípios éticos para a inteligência artificial, um deles é saber o que passa dentro da máquina, como a máquina decide. A inteligência artificial e os robôs serão capazes de decidir, mas ainda falta muito. Não sabemos se chegarão a ter consciência. Além disso, ainda não possuem emoções. As máquinas carecem de atributos muito humanos, como são a intuição e o pensamento crítico. Contudo, se não desejamos que os robôs nos superem em muitas coisas, teremos que integrar os robôs em nós mesmos, temos que aprender a trabalhar com os robôs.
O que significa integrar os robôs em nós mesmos?
Isso é o trans-humanismo, que diz que acabaremos tendo implantes que nos permitam uma relação direta com a máquina. Em vez de carregar o celular, vamos levá-lo incorporado em nosso cérebro.
Parece uma cena de Black Mirror.
Há pessoas que acreditam que será possível uma certa imortalidade, porque transferiremos toda a informação que há em nossa mente para um computador. O trans-humanismo já começou. Melhorará nos próximos anos. Seremos capazes de fazer mais coisas e que as máquinas façam o que não nos apetece fazer. No Vale do Silício estão obcecados com a imortalidade.
A imortalidade seria o fim da espécie humana?
Seria outra espécie. Seria outro mundo e outra sociedade. Diz-se que no dia em que formos imortais, acabará a espécie humana porque as pessoas não buscarão mais se reproduzir, bastará que nós, que estamos na terra, sigamos para sempre.
Hoje, é correta a premissa de seu avô Ortega y Gasset: que as letras não têm futuro?
Eu acredito que não. Quando se fala de inteligência artificial, quase todas as empresas incorporam em seus debates sociólogos, antropólogos, historiadores e filósofos para ser o espírito crítico.
O que lhe contaram sobre o seu avô?
Que sempre avançava, sobretudo na maneira de pensar. Ia à raiz da situação. Meu avô, antes de morrer, refletiu sobre o impacto dos novos meios de comunicação. Claro, pensava na rádio. Dizia que longe de aproximar as pessoas, os meios de comunicação iriam separá-las. E, de fato, um pouco, ocorreu isso.
Hoje, debate-se que perdemos o contato direto entre as pessoas.
E nos metemos em bolhas onde recebemos a informação que no fundo desejamos. Perdemos um pouco a capacidade de surpresa e de nos surpreender com o diferente.
E este avanço da robótica não irá acentuar essa distância?
Eu acredito que sim e acentua outra coisa que já está ocorrendo: os algoritmos estão começando a se adiantar a nossos desejos, ou seja, a nos oferecer desejos antes que os tenhamos, antes que sejamos conscientes de que queremos algo. Isso é negativo, porque no fundo ataca o conceito que é básico em qualquer sociedade: o livre-arbítrio. Muitas destas máquinas sabem mais de nós que nós mesmos.
Qual é o futuro das redes sociais?
Irão se transformar muito. O Facebook está investindo muito, não só em sua rede social, como também em inteligência artificial.
O Facebook se tornou quase um país.
É um mundo e o próprio fundador do Facebook quer organizar uma comunidade mundial, o que me parece muito perigoso. Querem fazer uma moeda, mas eu acredito que irão pará-lo.
Por que é perigoso?
Porque não há um controle democrático sobre isso. Há muita manipulação nas redes sociais, como vemos que aconteceu nas eleições dos Estados Unidos e no Brexit do Reino Unido. As redes sociais se prestam muito a que se receba só aquilo com o qual se concorda. É preciso ler coisas com as quais não concordamos, porque enriquecem mais.
Qual é o futuro do jornalismo?
Continua sendo o jornalismo de qualidade e de investigação, mas levando em conta também que há aspectos do jornalismo que irão ser automatizados. Já há programas que redigem notícias mais simples.
A caneta do jornalista é um diferencial?
A caneta e a inteligência. Sempre será necessário um jornalista que não só saiba contar bem, mas que também saiba perguntar o que está acontecendo e indagar o que está ocorrendo.
E que saiba escutar.
Escutar muito e ler muito.
E qual é o futuro de Andrés Ortega?
Agora, dedico-me sobretudo a ver o impacto da tecnologia na sociedade e na geopolítica. Chamo isso de geotecnologia. É o que agora está determinando o mundo pelo enfrentamento entre China e Estados Unidos para saber quem irá dominar a tecnologia, nas próximas décadas.
Quem se alinha para isso?
Ainda em um futuro próximo, os Estados Unidos, mas me parece que a China tem muito a ganhar. Primeiro, porque são muitos e depois porque alcançaram um grande nível de estudos em tecnologia e pesquisa, e me parece que será imparável.
O futuro de Andrés Ortega está na tecnologia, então.
E talvez em algum romance de ficção científica (sorri).
- “Sou Andrés Ortega Klein. Meu segundo sobrenome vem de minha mãe, que era francesa. Nasci em Madri e tenho 65 anos. Voto na Espanha e na França. Eduquei-me no liceu francês. A carreira profissional fiz na Espanha, em Ciência Política, e depois obtive uma bolsa em Londres, em Relações Internacionais”.
-“Escrevi uns sete livros, como La fuerza de los pocos, sobre como a tecnologia começava a empoderar pequenos grupos para conquistar um alcance global. Gostaria de escrever um romance de ficção científica para tratar de temas difíceis de explicar: como poderá ser o mundo em alguns anos [?]”.
- “Gosto de ler e gosto de ver séries. Leio um livro que se chama El capitalismo y la vigilância, que explica como caímos em um capitalismo que extrai todos os nossos dados pessoais para se adiantar a nossos desejos e organizar nossa vida. E Game of Thrones me pareceu fantástica”.
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“Teremos que integrar os robôs em nós mesmos”. Entrevista com Andrés Ortega Klein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU