23 Setembro 2023
O filósofo do pensamento fraco morreu em Turim. Ele tinha 87 anos. Antidogmático, entre os mais citados no exterior, influenciou estudos sobre de Heidegger.
A opinião é de Roberto Esposito, filósofo italiano, professor da Escola Normal Superior de Pisa e ex-vice-diretor do Instituto Italiano de Ciências Humanas, em artigo publicado por La Repubblica, 20-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Gianni Vattimo, que morreu ontem à noite aos 87 anos em Turim, foi durante muito tempo o filósofo italiano mais conhecido e apreciado no mundo. Como Gadamer na Alemanha para a hermenêutica e Derrida para a desconstrução na França, representou o da forma mais intensa e original o pensamento pós-moderno. Mas é difícil enquadrar a sua obra, ampla e herética, numa única definição.
Católico e niilista, heideggeriano e comunista, rompe as fronteiras disciplinares, colocando-se na encruzilhada entre filosofia, estética e política. Da grande filosofia trazia dentro de si uma contradição que foi a sua força - se é que se pode usar esse termo para aquele que, juntamente com Pier Aldo Rovatti, inventou o pensamento fraco.
Mas vamos em ordem. Nascido em Turim em 1936, cultivou desde muito jovem junto com o interesse pela reflexão filosófica, uma atitude estético-literária, escrevendo até um breve romance. Aluno de Luigi Pareyson e de Umberto Eco, soube sintetizar o ensinamento de ambos, apesar de serem tão diferentes entre si. De Pareyson herdou a profundidade teórica, mesmo sem compartilhar sua veia trágica. De Eco a extraordinária curiosidade intelectual e também um traço irônico que sempre o caracterizou. Uma leveza de tom e uma simplicidade de linguagem, que conservava mesmo quando abordava os temas mais difíceis. Durante muitos anos ensinou, primeiro em Turim, depois em diversas universidades da Europa e da América.
Dirigiu a revista de estética, colaborando com os jornais Repubblica, Stampa e L'Espresso. Também na política atravessou diferentes experiências - do Partido Radical à Esquerda Democrática, ao Partido dos Comunistas Italianos e à Italia dei Valori - levando para cada um deles a sua própria inspiração e seus próprios temas.
Ecologista convicto e fervoroso ativista dos direitos dos animais, sempre lutou contra toda forma de bloqueio ideológico.
Na sua própria experiência de vida, rica e complexa, demonstrou independência das convenções que ele defendeu corajosamente até o fim. Apesar das mudanças e das reviravoltas, sempre expressas e reivindicadas com transparência, suas obras traçam um fio constantemente reconhecível, constituído pela rejeição de toda forma de dogmatismo, por ele entendido como uma espécie de violência contra a poliedricidade da realidade. Em particular, a sua polêmica se dirigiu contra todo fundamento orientado para canalizar o pensamento para um sulco pré-estabelecido.
Desse ponto de vista os seus autores de referência foram Nietzsche e Heidegger, dos quais forneceu uma interpretação radical que entrou na bibliografia mundial. Ensaios como A Introdução a Heidegger e O sujeito e a máscara constituem passagens decisivas para quem estuda Nietzsche e Heidegger, ambos, embora de forma diferente, lidos em chave niilista.
Neste sentido, o pensamento de Vattimo não pode ser enquadrado nem no existencialismo nem na fenomenologia. Mas principalmente está longe de Hegel e Marx, mesmo que este último tenha de alguma forma retornado na fase mais recente da sua experiência política. Aquele que de ambos rejeitava era uma leitura determinista da história que inscrevia ambos num "pensamento forte", ao qual contrapunha o que ele próprio, juntamente com Rovatti, definiu como "pensamento fraco" em uma antologia publicada em 1983.
Mas fraco em que sentido? Contra as filosofias que expressavam uma concepção do mundo fundamentada em alguma verdade incontestável, Vattimo praticou um pensamento que seria redutivo definir de relativista. Mais tencionado a reconhecer nas verdades que se apresentavam a cada oportunidade a expressão de uma história em contínuo movimento. Desse ponto de vista, apesar de tudo, o seu o pensamento pode ser reconduzido a uma tendência historicista, mesmo que não seja de tipo dialético.
A ênfase, na fase mais tardia da sua produção, da vocação cristã de fato não contradiz essa atenção à historicidade da experiência. Naturalmente marcado por uma incontornável relação com a transcendência. Mas também nesse caso a perspectiva de Vattimo não pode ser enquadrada na tradição católica da filosofia italiana. Seu livro de 1986, Crer que se crê, expressa uma posição teoricamente matizada que interpreta também a verdade cristã em uma chave altamente subjetiva. O Deus cristão, e acima de tudo Cristo, em vez de ser onipotente é ele próprio enfraquecido pelo seu sacrifício, e precisamente por isso capaz de se relacionar com uma humanidade frágil e necessitada. O Deus de Vattimo não tem uma alma lógico-racional. Mas ele também não é o Deus trágico de Pareyson e de Sergio Givone. É aquele que rompe a relação com a tradição sacrificial, expondo-se ele mesmo ao sacrifício supremo.
A influência de René Girard e Sergio Quinzio pode ser sentida nessas passagens. O Deus cristão convida à piedade e à tolerância, colocando na história o seu próprio sinal salvífico. Isso explica, no final do seu percurso, a proximidade aparentemente contraditória de catolicismo, niilismo e comunismo.
A religião católica, juntamente com as tradições do comunismo herético, contribui para democratizar a história humana, abrindo uma esperança de paz dentro da violência. A leitura de Introdução a Heidegger e sujeito e a máscara, publicados em 2021, com uma lúcida introdução de Antonio Gnoli e excelente apresentação de Gaetano Chiurazzi, constitui uma referência essencial para quem se aproxima do pensamento de Vattimo. Lidos em conjunto, suas intervenções filosóficas e políticas, mesmo com suas distonias, restituem o perfil unitário de um grande filósofo da diferença.
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Gianni Vattimo pós-moderno para sempre. Artigo de Roberto Esposito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU