Na última coluna, que pode ser acessada aqui, contamos sobre trajetória de Mario Lago e sua icônica música "Ai, que saudade da Amélia". Em 1978, Elena e Eliane de Grammont compuseram "Amélia de Você", em que a letra buscava ser uma resposta a música de Mario Lago e Ataulfo Alves, mas, apesar de falar "Cansei de ser Amélia / Santa e boa / Que esquece que perdoa / Seus defeitos", termina por concluir que, incapaz de mudar o companheiro, "Nasci pra ser Amélia de você". Eliane foi esposa do cantor Lindomar Castilho, e veio a ser assassinada por ele três anos depois, em 1981.
O artigo é de Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.
O icônico café Belle Époque, em São Paulo, era famoso pelas canções românticas de Eliane de Grammont, que conquistou o coração do público brasileiro nos anos 70. Contudo, o estabelecimento que impulsionou a carreira de Grammont também testemunhou uma tragédia envolvendo a cantora. Um homem conhecido pelos frequentadores do café não hesitou em apontar uma arma para Eliane. Lindomar Castilho, ex-marido da cantora, chocou o Brasil ao protagonizar um dos casos mais absurdos da história.
Eliane de Grammont era filha da compositora Elena de Grammont. Seu pai faleceu quando ela era jovem devido a uma condição cardíaca chamada miocardiopatia. A maioria de seus irmãos, radialistas e jornalistas, também sucumbiu à doença na idade adulta. Com o apoio de sua mãe, Eliane começou a cantar profissionalmente, alcançando sucesso com músicas como "Coisas Bobas", que se tornou trilha sonora de um casal na novela "O Profeta", da Rede Tupi, em 1977. No mesmo ano, Eliane conheceu e se apaixonou pelo cantor de boleros Lindomar Castilho.
Lindomar era popular no mundo artístico, tendo vendido mais de 800 mil cópias de um de seus LPs, que eram lançados simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos. Em 1979, Eliane e Lindomar se casaram, apesar da desaprovação da família da cantora. Para provar que não estava interessada no dinheiro e sucesso de Lindomar, Eliane optou por um casamento com separação de bens. Logo após se casarem, Lindomar proibiu Eliane de continuar sua carreira artística, o que foi seguido por seu histórico de alcoolismo, ciúme e violência.
O tumultuado casamento durou pouco mais de um ano e resultou no nascimento de Liliane, filha do casal. Seis meses depois, ainda não divorciados, Eliane tentou reconciliação, mas Lindomar exigiu que ela assinasse um contrato com dez garantias e compromissos. Eliane recusou e a separação permaneceu. A situação já caótica teve um desfecho ainda mais trágico.
Na noite de 30 de março de 1981, Lindomar confrontou Eliane, suspeitando de um relacionamento entre ela e seu primo, Carlos Randall. Lindomar atirou em Eliane e Randall enquanto ela cantava "João e Maria", de Chico Buarque. O público conseguiu conter Lindomar até a chegada da polícia.
No tribunal, a defesa de Lindomar alegava que Eliane não cumpria com suas obrigações maternas e era infiel. Na época, assassinatos de mulheres eram frequentemente justificados por "violenta emoção" ou "defesa da honra". Entretanto, o caso mobilizou ativistas pelos direitos das mulheres, que exigiam a prisão imediata do assassino. Em agosto de 1984, Lindomar foi condenado a 12 anos de prisão, cumprindo seis em regime semiaberto e sendo libertado em 1996. Atualmente, ele se afastou da vida pública e vive sozinho em Goiás, seu estado natal.
A morte de Eliane contribuiu para mudar a percepção da época sobre crimes passionais, em parte graças ao apoio da mídia, que ajudou a desmistificar a irracionalidade desses atos. Marchas em homenagem à cantora foram realizadas em tributo à sua curta vida, que foi tragicamente interrompida pela insanidade do ex-marido. Hoje, Eliane é considerada um dos maiores símbolos da luta contra a violência às mulheres no Brasil.
Em 2009, a cantora Pitty também lançou uma música que dialoga com a composição de Mário Lago e Ataulfo Alves - "Desconstruindo Amélia", pertencente ao álbum Chiaroscuro (álbum). A canção é uma parceria de Pitty com o guitarrista Martin Mendonça.
De 2018 é a canção "Não Precisa Ser Amélia", de Bia Ferreira, dentro da temática social e do feminismo negro.