Eleições 2022, 2º turno: A volta dos que não foram. Artigo de Marcelo Zanotti

Jair Bolsonaro e Fernando Collor | Foto: Kethlin Dantas / Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

04 Outubro 2022

 

"Raposa velha perde o pelo, mas não o vício", escreve Marcelo Zanotti, estudante dos cursos de História e Jornalismo da Unisinos e estagiário do IHU.

 

Eis o artigo.

 

Há muito tempo venho dizendo pelas empreitadas da vida que a história recente do Brasil é como um espírito zombeteiro, que, não encontrando seu caminho, fica zanzando pelo imaginário e pela vida das pessoas em sua volta. Mas também não podemos ser hipócritas e ficarmos de boca aberta, com dizeres do tipo: “Meu Deus, depois de tudo que esse homem fez, como Bolsonaro consegue apoio a ponto de ter um segundo turno de eleição?”

 

Eu não era nascido na época dos acontecimentos que culminaram no impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992, mas pelo parco estudo que tenho (não sou de ser modesto, mas agora fui pra manter as aparências) sei que o país sob sua tutela passou por maus bocados. Inflação em altos índices, poupança retida pelo banco central, povo sem dinheiro e sem dignidade. Denúncias de seu irmão Pedro Collor, que, entre outras coisas, falava sobre milhões guardados, dinheiro em campanha que foram captados, mas embolsados por ele e seu tesoureiro PC Farias (que foi devidamente queimado dos arquivos poucos anos depois) e jogos de poder obscuros ficaram insustentáveis a ponto de o Congresso ser obrigado a derrubá-lo. Veja bem, o povo não derrubou Collor, mas uma grande articulação política motivada pelo fato de ele querer roubar sozinho. O tempo passa e ele, aos poucos, ressurge das cinzas, como um bom coronel das Alagoas que sempre foi, se une a pessoas do poder (inclusive apoiando Bolsonaro desde o início), a ponto de hoje, 30 anos após o impeachment, voltar a concorrer eleições, voltar a ser investigado e cada vez mais novas irregularidades devidamente comprovadas.

 

O essencial nessa história toda é que Bolsonaro, como Collor, apostou na divisão da sociedade e que teria um grupo de adeptos. Collor, na verdade, perdeu esse grupo quando o confisco da poupança bateu de frente com a classe média. Bolsonaro não vem se preocupando com a divisão da sociedade brasileira, que se aprofunda. O discurso dele acentua a divisão. Com a vitória de Lula no primeiro turno, sem evitar um segundo, a tendência é que essa divisão se abra ainda mais. Mas isso não demonstra uma falta de preocupação, pelo contrário, é a preocupação central de Jair Bolsonaro e é algo a que Collor só enxergou quando seu governo já desmoronava, com o “não me deixem só”. Um e outro, porém, chegaram a um ponto em que seu isolamento tornou inviável a sua permanência no poder. E esse é um dado objetivo, não sujeito a julgamentos morais ou ideológicos: nenhum governo se mantém sem apoio. E não é da oposição o dever de gerar algum grau de pacificação que lhe permita seguir seu período normal. É dele. A oposição de esquerda tem agido com moderação em relação a ele. Só houve atos de rua, pontuais e pacíficos, contra medidas pontuais, como a reforma da Previdência e os cortes de verbas na Educação. Não houve e não há, ainda, contestações ao seu mandato das grandes massas, apesar da desastrosa gerência da pandemia.

 

Hipócrita daquele que se espanta com tamanha força da vaca fardada, vulgo capitão Bolsonaro, quem mandou confiar na velha raposa? Raposa velha perde o pelo, mas não o vício. Sim, eu sei que, com o passar dos anos, os panoramas mudam, e o Brasil de 1992 é diferente do de 2022, mas é só para exemplificar a situação: a memória do povo para sua história é curta, quase um orgasmo precoce. E com esse triste episódio vê-se que no Brasil, historicamente, nada se cria, nada se renova, apenas tudo se repete. Aquilo que um dia foi um Fiat Elba, hoje são incontáveis imóveis comprados com dinheiro vivo; aquilo que foram cruzeiros, hoje são reais (sendo otimista, porque devem ser os mesmos euros, dólares, moedas que valem), e aquilo que foi passado para trás... bom... pra frente não foi...

 

 

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