Dizem os estudiosos que a origem da música tem fundo religioso. Nas tribos mais primitivas, a música é utilizada em rituais sagrados, como sagrado era o trabalho, o nascimento, a morte, a colheita e a festa. Caça e pesca não têm cantoria, claro, senão o almoço fugiria... Com a evolução (?) da humanidade, a música ganhou espaço nas atividades laicas. Não se sabe quando ocorreu esta passagem, mas sabemos que em muitas comunidades ainda persiste o caráter primordial. Provavelmente a festa foi o primeiro chamariz a estimular os “compositores” a criarem figuras rítmicas e melódicas que não se referissem diretamente aos deuses.
O artigo é de Marcelo Zanotti, estudante dos cursos de história e jornalismo da UNISINOS e membro da equipe do IHU.
A nossa MPB é bastante rica no trato com a religiosidade. Nesse aspecto, observamos que a questão religiosa, há muito tempo flerta com a MPB, ou vice-versa, tendo grandes nomes dado sua contribuição para isso. De Elis Regina a Luiz Gonzaga, de Moacyr Franco a Roberto Carlos, das músicas bregas ao sertanejo, do samba ao forró, em algum momento sempre tivemos uma brecha para que nomes importantes da MPB se atrevessem a gravar uma canção voltada ao aspecto religioso. Sem querer entrar no mérito da questão das diferentes religiões são apresentadas apenas uma seleção de canções da MPB que tem como foco a cristandade, excluindo aqui o movimento gospel.
Fanfic é uma forma de literatura que se popularizou na internet nos últimos anos, que consiste em releituras ou sequências não-oficiais de obras famosas ou histórias envolvendo figuras notórias, sem fins comerciais e com o intuito principal de homenagear os autores ou personagens. A música "O milagre da flecha" é, nada mais nada menos, do que uma fanfic em forma de música. Composta por Moacyr Franco e gravada pelo autor, conta a história de um homem que, ao ser assaltado, reencontra sua fé:
"Súplica cearense" é uma das mais emblemáticas composições que trata da difícil vida da população que sofre com a seca no Nordeste brasileiro, mas também com as fortes chuvas. A composição, em forma de oração, é de Gordurinha e Nelinho, gravada por muitos artistas, sendo uma das principais interpretações a do Rei do Baião, Luiz Gonzaga:
A canção narra que os moradores de uma favela carioca (referenciados apenas como "morro") rezam uma Ave-Maria coletiva pedindo uma vida melhor antes de se retirarem para seus barracões durante o anoitecer. Entusiasmado com a canção que compôs, Herivelto Martins resolveu interpretá-la com seu Trio de Ouro (Herivelto Martins, Dalva de Oliveira e Nilo Chagas):
A veia religiosa de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, tão explorada principalmente na década de 90, teve sua primeira incursão em 1970. Uma canção inspirada nos hinos gospels americanos, com uma pegada de soul e metais vibrantes. A primeira gravação foi do próprio Roberto Carlos, em 1970, mas teve inúmeras regravações, sendo uma das mais gostosas de ouvir a versão de Cláudia, de 1971:
"Romaria" é uma canção composta por Renato Teixeira em 1977. De letra simples, a música tornou-se muito popular por homenagear Nossa Senhora Aparecida, que é a padroeira do Brasil, e também por fazer referências ao caipira e ao romeiro. "Romaria" estourou nas rádios em 1977, interpretada por Elis Regina. Na voz da mais prestigiada cantora brasileira de todos os tempos, Romaria virou um clássico.
A força maravilhosa da música não pode ser desprezada no mundo da religião e da fé. Há muito a Igreja sabe o valor da música. No passado, nossas celebrações foram marcadas pela presença do canto gregoriano, do latim em quatro vozes, do som melodioso do órgão de tubo. Os monges e as monjas que o digam! E nos seminários, as aulas de músicas eram obrigatórias. Era difícil encontrar um ministro ordenado sem noções musicais mínimas e sem apurado gosto musical. Com o passar do tempo, porém, houve mudanças: o latim cedeu lugar à língua vernácula, o órgão deu lugar ao violão e até à guitarra e à bateria, a comunidade reunida que assistia a apresentação do coral transformou-se numa grande assembleia que celebra e louva seu Senhor. Não importa! Se não temos mais hoje, a não ser em raros casos, órgão de tubo e canto gregoriano nas igrejas, não quer dizer que devemos desprezar a música "mundana". A música continua sendo um elemento importantíssimo para tocar o coração do povo, para motivá-lo à oração, para ajudar nossa gente na contemplação dos mistérios de Deus. E a catequese não pode ficar fora disso.