16 Março 2022
"Neste quadro de verdadeira impotência ecumênica há pelo menos uma pequena luz, que vem da base da igreja: é a carta aberta de 233 sacerdotes e diáconos da Igreja Ortodoxa russa, que pediram a cessação imediata desta guerra 'fratricida' e convidaram ao diálogo, porque 'só a capacidade de escutar o outro pode dar esperança de uma saída do abismo em que os nossos países se lançaram em poucos dias'", escreve Luca Maria Negro, pastor batista italiano e presidente da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália (FCEI), em artigo publicado por Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses italianas, 18-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A guerra na Ucrânia representa uma tragédia não só para o povo ucraniano, para o russo e para os povos de toda a região, aliás, da Europa: representa também um retrocesso dramático para o movimento ecumênico. De fato, na Ucrânia e na Rússia as igrejas não fazem parte da possível solução do conflito, mas do problema. A ortodoxia, em primeiro lugar, na Ucrânia aparece radicalmente dividida internamente, entre a parte (até agora majoritária) que se reporta ao Patriarcado de Moscou, e a autocéfala, ou seja, a Igreja Ortodoxa independente, cuja autonomia foi reconhecida em 2018 pelo Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, não sem forte pressão de políticos nacionalistas ucranianos e, diz-se, do próprio presidente dos Estados Unidos, Trump, que teria visto naquela manobra um enfraquecimento da esfera de influência russa na Ucrânia.
Mas inclusive a mesma parte da igreja que é fiel a Moscou parece cada vez mais dividida internamente, devido à posição ambígua do Patriarca de Moscou, Kirill, que no início do conflito expressou preocupação com a situação, mas sem se comprometer demais e sobretudo sem lançar um apelo claro pela cessação das hostilidades, ao contrário do Metropolita de Kiev, Onuphry, que, apesar de ser ele próprio do Patriarcado de Moscou, expressou uma clara condenação da agressão russa. A princípio, Kirill parecia apoiar seu Metropolita de Kiev, mas com o passar dos dias ficou cada vez mais evidente o quanto o patriarca russo esteja intimamente ligado a Putin: é datado de 6 de março o sermão, definido por muitos como "alucinante", com que Kirill justificou a guerra como um embate de civilizações entre a Rússia autenticamente cristã e o Ocidente pró-gay que gostaria de exportar o Orgulho Gay para todos os lugares. O resultado da tomada de posição pró-Putin de Kirill, ao que parece, é que vários bispos ucranianos do Patriarcado de Moscou decidiram não mais nomear Kirill nas liturgias divinas: o que equivale a um cisma de fato.
E as outras confissões? Os vários órgãos ecumênicos e também organizações internacionais protestantes, como luteranos, metodistas, reformados, condenaram sem meios termos a agressão russa e solicitaram o Patriarca Kirill a se posicionar contra a guerra - até agora em vão, como vimos. Os batistas ucranianos, que são a principal denominação protestante do país, pediram para orar pela paz e estão trabalhando ativamente pela solidariedade com as pessoas atingidas pelo conflito. O Papa condenou repetidamente a guerra, e o secretário de Estado, Cardeal Parolin, ofereceu a disponibilidade vaticana para uma mediação: mas de alguma maneira a Igreja Católica também é parte na disputa, por causa da antiga questão dos "Uniates" ou greco-católicos, isto é, daqueles ortodoxos ucranianos que ao longo dos séculos se uniram a Roma e alguns dos quais, inclusive recentemente, expressaram posições ultranacionalistas.
Neste quadro de verdadeira impotência ecumênica há pelo menos uma pequena luz, que vem da base da igreja: é a carta aberta de 233 sacerdotes e diáconos da Igreja Ortodoxa russa, que pediram a cessação imediata desta guerra "fratricida" e convidaram ao diálogo, porque "só a capacidade de escutar o outro pode dar esperança de uma saída do abismo em que os nossos países se lançaram em poucos dias".
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Ucrânia: impotência ecumênica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU