"O ceticismo internacional sobre as vacinas [chineses e russas] não só não é censurado, como é ativamente encorajado e impulsionado por muitas de maiores e mais confiáveis fontes de notícias dos EUA", escreve Alan MacLeon, membro da equipe do MintPress, pesquisador, autor sobre Justiça e Checagem de Dados e também do livro “Bad News From Venezuela: Twenty Years of Fake News and Misreporting”, em artigo publicado por Monthly Review Online e reproduzido por Outras Palavras, 02-08-2021. A tradução é de Vitor Costa.
“Centenas de profissionais da saúde tailandeses foram infectados, apesar de vacinados com Sinovac”, alardeava uma manchete bombástica da Reuters no início de julho. O relatório detalhou como 618 trabalhadores da saúde da Tailândia, inoculados com a vacina chinesa contra a covid foram infectados, levando um a morte. Como é comum com uma agência tão influente, a história da Reuters foi divulgada em todo o mundo por centenas de publicações, incluindo o Washington Post, o Yahoo News e o New York Post.
No entanto, o artigo também observa que mais de 677 mil profissionais da saúde tailandeses receberam as doses, o que significa que mais de 99,9% dos vacinados não desenvolveram a doença: um fato que contradiz as implicações da manchete. A grande maioria dos leitores de notícias não vai além do título, o que significa que eles tiveram a falsa impressão de que a Sinovac é ineficaz.
Estar totalmente vacinado não oferece proteção completa contra covid-19. No final de junho, a CNBC notou que mais de 4.000 norte-americanos vacinados foram hospitalizados com o vírus, incluindo 750 que morreram. Mesmo assim, a Reuters transformou a notícia em uma oportunidade para espalhar a desconfiança em relação ao Sinovac na Tailândia, que atualmente vive um aumento rápido e sem precedentes nos casos de coronavírus.
O artigo também aproveitou a oportunidade para apresentar o governo dos EUA e a empresa americana Pfizer como salvadores, observando que “a Tailândia espera uma doação de 1,5 milhão de vacinas Pfizer-BioNTech dos Estados Unidos no final deste mês”. Em um país de 70 milhões de habitantes, essa contribuição está longe de ser uma solução. Os vínculos estreitos da Reuters com o governo dos EUA e com a Pfizer tornam esse enquadramento particularmente questionável. Jim Smith, presidente da Thomson Reuters Foundation e ex-presidente e CEO da Thomson Reuters, também faz parte do conselho da Pfizer. Já a ex-diretora de negócios globais da Reuters, Dawn Scalici, passou 33 anos na CIA, até chegar a diretora sênior e supervisionar as operações da agência no Iraque. Ela deixou seu trabalho como Gerente de Inteligência Nacional para o Hemisfério Ocidental para a Diretoria de Inteligência Nacional para, em suas próprias palavras, “promover a capacidade da Thomson Reuters de atender às necessidades do governo dos EUA”.
Esta não foi a primeira vez que a Reuters promoveu a paranoia antivacina contra imunizantes chineses como os da Sinovac e Sinopharm. Em janeiro, a agência publicou um artigo intitulado “Voluntário do Peru em ensaio de vacina Sinopharm morre de pneumonia do covid-19, diz universidade”. Ainda no artigo está uma declaração da universidade observando que o participante estava no grupo de controle, que recebeu apenas um placebo, o que significa que ele morreu porque não recebeu a vacina, e não porque recebeu, ao contrário do que o título sugeria.
Em maio, a Reuters também publicou um artigo intitulado “Especialistas da OMS expressam ‘confiança muito baixa’ em alguns dados da vacina Sinopharm para covid-19”. Entretanto, quando se lê a notícia, vê-se que a OMS afirmou que tinha “confiança geral na capacidade [da vacina] de prevenir a doença”. A única queixa da peça era que a fase de testes não incluía pessoas suficientes de certos grupos de risco, como mulheres grávidas ou idosos, o que significa que havia pouca confiança de que o teste tivesse demonstrado categoricamente que a vacina era indiscutivelmente segura em pessoas com comorbidades. Mas o que um leigo, não familiarizado com a terminologia científica, compreenderia da leitura do título?
Ainda no mês passado, um artigo da Reuters intitulado “Vacina de Sinovac encontra apoiadores em Cingapura, apesar das questões de eficácia em outros lugares”, afirmou que a razão pela qual a cidade-estado insular estaria importando a vacina chinesa era que “Cingapura não queria incomodar Pequim”, ao invés de afirmar que aquela vacina é uma defesa eficaz contra um vírus mortal.
E pouco depois, a influente agência de notícias publicou um artigo intitulado “Injeção covid-19 da Sinopharm induz respostas de anticorpos mais fracas à [variante] delta, diz estudo”, apesar de a universidade que fez o experimento declarar que “aquela vacina foi considerada muito eficaz para a variante delta também.” O médico que supervisionou o estudo concluiu que “quando se trata da variante delta e de outras variantes, a vacina Sinopharm induz níveis semelhantes de respostas de anticorpos às pessoas que foram infectadas naturalmente, o que é muito bom”. Isso foi noticiado na mídia chinesa, mas não pela Reuters, cujo artigo transmitia exatamente a mensagem oposta.
A Reuters, porém, está longe de ser a única agência em cruzada para desacreditar a Sinopharm e a Sinovac. No ano passado, o New York Times publicou um artigo intitulado “O Brasil retoma teste da vacina chinesa após breve suspensão por morte de um voluntário”. Somente no penúltimo parágrafo o jornal informava aos leitores que a pessoa em questão cometeu suicídio. A menos que a vacina supostamente tenha provocado isso (o que não foi afirmado), a própria premissa da história é inútil. “Homem Brasileiro comete Suicídio” não sai nas páginas do Times. No entanto, este incidente provou ser digno de dois artigos separados. Não é fácil ver um motivo além de caça-cliques irresponsável ou intenção maliciosa por trás da escolha do título e do tópico.
Uma recente “denúncia” do NY Times baseou-se fortemente em insinuações para desacreditar a China. A manchete era “Eles confiaram em vacinas chinesas. Agora estão lutando contra surtos.” O artigo traçou o perfil de três países – Bahrein, Mongólia e Seychelles – que compraram e administraram vacinas da Sinopharm e da Sinovac. “Todos os três depositaram sua fé, pelo menos em parte, em vacinas chinesas de fácil acesso, o que lhes permitiria lançar programas ambiciosos de inoculação quando grande parte do mundo estava com escassez”, escreveu a autora Sui-Lee Wee, comparando-os constantemente desfavoravelmente com as de fabricação norte-americana; “Mas, em vez de se livrar do coronavírus, todos os três países agora estão lutando contra um surto de infecções.”
Mas o que o NY Times não informou aos leitores foi que a grande maioria dos casos graves ou mortais nesses países aconteceram com indivíduos não vacinados. O ministério da Saúde das Seychelles confirmou essa informação e continua a implorar para que as pessoas tomem a vacina chinesa, confortável com a ideia de que é seguro. Como o ministério da Saúde declarou, “A desinformação está prolongando a pandemia de covid-19 e pode colocar vidas em perigo ao levar as pessoas a tomar decisões mal informadas”.
Enkhsaihan Lkhagvasuren, chefe de Implementação de Políticas de Saúde Pública para o ministério da Saúde da Mongólia, fez uma declaração semelhante, observando que 96% das mortes recentes de covid-19 em seu país ocorreram em indivíduos que não foram totalmente vacinados. Enquanto isso, os casos diários no Bahrein já estavam despencando por um mês antes de o artigo de Wee ser publicado e agora o país tem em média menos de 100 novos casos por dia.
O New York Times há muito desinforma sobre os perigos dos produtos/vacinas chinesas, produzindo histórias como:
“Na corrida pela vacina, China escapa dos caminhos oficiais” (16 de julho de 2020);
“China dá vacinas covid-19 não comprovadas a milhares, com riscos desconhecidos” (26 de setembro);
“Vacina não comprovada? Nenhum problema na China, onde as pessoas as disputam a tiros ”(17 de novembro);
“Vacina chinesa contra o covid-19 ganha força, mas ainda alimenta dúvidas” (9 de dezembro);
“Turquia e Brasil dizem que a vacina chinesa é eficaz, com dados de apoio esparsos” (25 de dezembro);
“China tem tudo o que é necessário para vacinar milhões, exceto quaisquer vacinas aprovadas” (29 de dezembro);
“Resultados decepcionantes da vacina chinesa representam um retrocesso para o mundo em desenvolvimento” (13 de janeiro);
“A China queria exibir suas vacinas. Está saindo pela culatra ”(25 de janeiro).
Todos eles foram de autoria ou coautoria de Wee, uma jornalista sem formação científica ou médica, de acordo com sua biografia no LinkedIn. E todos se baseiam em insinuações e conjecturas para repetir a mesma mensagem generalizante.
O Washington Post também fustigou o que vê como “doses abaixo da média da China”, com o colunista Josh Rogin constantemente defendendo a hipótese duvidosa de vazamento do vírus de laboratório, mesmo quando outros veículos a descreviam como uma teoria da conspiração sem base.
O New York Times há muito condena o ceticismo em relação à vacina nos EUA, reprovando os conservadores por sua relutância em serem vacinados. Apresentando a extrema direita como uma ameaça direta à segurança nacional, em março o Times advertiu que “organizações extremistas estão agora atacando a segurança e a eficácia das vacinas contra o coronavírus em um esforço para tentar minar o governo”. “A desconfiança em uma vacina contra o coronavírus pode colocar em risco a imunidade coletiva”, afirmou em julho de 2020, acrescentando que “bilhões estão sendo investidos no desenvolvimento de uma vacina, mas o cronograma rápido e a torcida do presidente Trump estão criando um novo grupo de pessoas hesitantes a esse respeito.
A Reuters também se apresentou como uma organização de mídia pró-ciência, tendo até mesmo um departamento de checagem de fatos que desmascara rumores sobre vacinas. No entanto, uma indicação de quanto cuidado a agência toma pode ser obtida em uma checagem de fatos de junho, que começa com a frase “[Refilando] para corrigir erro de digitação no parágrafo dois e no título” – claramente uma nota do redator para a equipe de edição. Por quase um mês, ele permaneceu sem correção, sugerindo que ninguém na agência de notícias o leu, nem antes nem depois da publicação.
“É impressionante como as técnicas que a Fox News usa para assustar as pessoas sobre a campanha de vacinação dos Estados Unidos são as mesmas que o New York Times, Reuters e outros usam para [assustar] as pessoas sobre as vacinas chinesas”, disse à MintPress Jim Naureckas, editor da organização de vigilância da mídia Justiça e Precisão na Reportagem. “Não é difícil tirar proveito da falta de familiaridade dos leigos com a probabilidade para fazer pequenos perigos parecerem grandes. Em ambos os casos, porém, os meios de comunicação estão colocando a vida das pessoas em risco por um propósito político – na verdade, conduzindo guerra bacteriológica por meio de guerra psicológica ”, acrescentou.
Não há necessidade de tal desconfiança. Tanto as vacinas da Sinopharm quanto as da Sinovac são feitas com vírus inativados que usam partículas virais inativadas ou mortas incapazes de se replicar. Este método é uma das técnicas mais antigas e estabelecidas, usado por Jonas Salk para criar sua famosa vacina contra a poliomielite. O método ainda é usado para fazer vacinas modernas contra a hepatite A e a gripe. A Sinopharm e a Sinovac contêm proteínas às quais o sistema imunológico do corpo responde, estimulando a produção de anticorpos anti-covid, preparando-o para combater qualquer infecção real posterior. As vacinas foram projetadas para serem mais eficazes contra os casos mais graves de covid-19, com estudos mostrando que ambas são suficientemente capazes de prevenir infecções sintomáticas e particularmente úteis na prevenção de hospitalizações.
A China não é a única fabricante estrangeira de vacinas contra a qual a mídia corporativa ocidental tem demonstrado hostilidade. A vacina russa Sputnik V também atraiu considerável ceticismo. A Reuters publicou uma série de artigos destacando as supostas deficiências do Sputnik, incluindo uma nota informativa informando que o Brasil rejeitou a vacina. No entanto, isso foi publicado mais de um mês depois que um relatório do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA gabou-se de que uma de suas melhores realizações em 2020 foi o combate à “influência maligna” da Rússia no hemisfério ocidental, pressionando o governo brasileiro a evitar o Sputnik.
O Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), que detém os direitos da Sputnik, afirmou que a Reuters tem feito uma campanha de desinformação por meio de reportagens “falsas e imprecisas” repletas de fontes anônimas de grupos de lobby farmacêuticos ocidentais. Digno de nota aqui é que a Reuters foi secretamente financiada pelo governo britânico durante a Guerra Fria para fazer propaganda anti-soviética e que documentos vazados mostram que essa relação estreita continua até os dias atuais. O Foreign and Commonwealth Office do Reino Unido está trabalhando com a empresa em operações destinadas a “enfraquecer a Rússia”, em suas próprias palavras. Que um acordo semelhante em relação à China possa ser fechado não está fora de questão.
O Washington Post também demonstrou ceticismo semelhante sobre vacinas vindas de países que considera inimigos. Em um artigo intitulado “Os russos e os chineses estão divulgando suas vacinas. Devemos confiar neles?” o jornal permitiu que um cientista da fabricante rival Moderna alegasse que deveríamos pegar os resultados russos e chineses “com dois grãos de sal”, aparentemente confirmando as acusações da RDIF. A mesma fonte da Moderna afirmou que a Rússia nunca permitiria que sua vacina fosse submetida a um processo de aprovação por reguladores europeus, uma afirmação que foi quase imediatamente refutada.
Como as vacinas chinesas, a eficácia da Sputnik foi confirmada, com estudos mostrando que ela pode alcançar uma eficiência de 92%.
A onda de ceticismo em relação às vacinas que não são norte-americanas (e europeias) não se baseia na ciência, mas em considerações geopolíticas. Na última década, a China – e, em menor medida, a Rússia – tornaram-se os principais rivais internacionais dos Estados Unidos. Em 2011, o governo Obama deu início ao que chamou de “giro para a Ásia” – uma tentativa de cercar Pequim com bases militares. Hoje, existem mais de 400 rodeando a China.
O orçamento do Pentágono para 2021 deixa claro que haverá um afastamento significativo do Oriente Médio e uma redistribuição de recursos para o Leste Asiático, que se tornará o “teatro prioritário” doe EUA nos próximos anos. Outra região de conflito será o Ártico, onde o aquecimento das temperaturas abrirá rotas marítimas valiosas. Muitos em Washington já estão defendendo a ocupação da Noruega como uma medida para conter uma suposta ameaça russa.
A constante disseminação do medo na imprensa teve um efeito significativo: uma pesquisa recente descobriu que a simpatia da opinião pública americana em relação à China e à Rússia caiu abaixo dos níveis da Guerra Fria, com apenas 20% e 22% dos [cidadãos dos] EUA tendo opiniões positivas sobre esses países, respectivamente.
Esse cenário é muito diferente de nove anos atrás, quando as mesmas pesquisas mostraram que a opinião pública em relação à China era decididamente positiva. E quando o candidato republicano Mitt Romney tentou lançar a Rússia como o inimigo geopolítico número um dos Estados Unidos, durante os debates presidenciais de 2012, seus oponentes democratas zombaram dele implacavelmente. “A década de 1980 agora está pedindo o retorno de sua política externa … a Guerra Fria acabou há 20 anos”, brincava Barack Obama.
Hoje, há pouca discordância entre os dois grandes partidos norte-americanos sobre quem são os principais inimigos dos Estados Unidos, e a retórica do conflito continua aumentando. Em fevereiro, o Atlantic Council [Conselho do Atlântico] – o think tank semi-oficial da OTAN, composto por figuras militares de alto escalão dos Estados-membros da aliança militar – publicou um relatório de 26 mil palavras descrevendo a China como “o desafio mais importante que os Estados Unidos enfrentam hoje”. O relatório aconselhou os EUA a usar seu poder militar para traçar uma série de “linhas vermelhas” ao redor da China, além das quais os EUA responderiam. Isso incluiu essencialmente qualquer ação militar chinesa ou norte-coreana na região da Ásia-Pacífico ou quaisquer ataques cibernéticos chineses aos EUA ou seus aliados. Não fazer isso, eles aconselharam o presidente Biden, resultaria em “humilhação nacional”.
O relatório também definiu quais seriam os resultados de uma política para a China bem-sucedida em 2050: “[Os] Estados Unidos e seus principais aliados continuam a dominar o equilíbrio de poder regional e global em todos os principais índices de poder” e o chefe de estado Xi Jinping “foi substituído por uma liderança de partido mais moderada; (…) o próprio povo chinês passou a questionar e desafiar a proposição de um século do Partido Comunista de que a antiga civilização da China está para sempre destinada a um futuro autoritário.” Em outras palavras, essa pressão dos EUA resultaria na mudança de regime em Pequim.
Em maio, líderes políticos e militares de países ocidentais reuniram-se na Cúpula da Aliança das Democracias, onde um dos grandes pontos de discussão foi o estabelecimento de uma “OTAN asiática” para repelir o que consideravam uma agressão chinesa intolerável na região. O tenente-general H.R. McMaster endossou o plano, descrevendo o Partido Comunista Chinês como, sem dúvida, a ameaça número um à democracia no mundo.
Mas, embora a China não esteja navegando com seus navios de guerra rumo às costas da Califórnia ou do Maine, o oposto está acontecendo do outro lado do globo. Ao longo de 2020 e 2021, os EUA empreenderam uma série de ações militares provocativas, sondando as defesas costeiras chinesas do mar e do ar. Em julho do ano passado, o navio de guerra norte-americano USS Peralta chegou a 75 quilômetros da fronteira marítima da China. Enquanto isso, bombardeiros nucleares norte-americanos sobrevoaram navios chineses perto da ilha de Hainan.
Juntamente com a empreitada militar, os EUA também estão travando uma guerra econômica com seus inimigos, tentando restringir as Novas Rotas da Seda [Belt and Road Initiative] da China, um enorme plano de desenvolvimento econômico para a Ásia, Europa, África e Oceania. Sem sucesso, Washington também tentou persuadir a Alemanha a abandonar o gasoduto Nord Stream 2, que permitirá que até 110 bilhões de m³ de gás russo sejam bombeados diretamente para a Alemanha (e grande parte da Europa), ensejando uma co-dependência econômica mais profunda entre os dois países. Tanto a China quanto a Rússia também estão sob um considerável regime de sanções dos EUA.
Outra iniciativa econômica foi o esforço do governo Trump para forçar a empresa de mídia social chinesa TikTok a se vender para um rival norte-americano, para bloquear o lançamento da tecnologia 5G global pela empresa chinesa Huawei, e interferir em plataformas de mídia social para silenciar vozes chinesas. No ano passado, um think tank financiado pelo governo dos EUA convenceu o Twitter a excluir mais de 170.mil contas simpáticas ao governo chinês em um único dia.
A pandemia de coronavírus tem sido uma ferramenta conveniente para aumentar o sentimento anti-chinês entre o público norte-americano, com Trump e Biden usando as aparentes origens chinesas do vírus como capital político. O próprio Trump referiu-se a ele consistentemente como “vírus da China” e, ainda mais ironicamente, como “Gripe Kung”. Mais ousado, o senador da Flórida, Rick Scott, afirmou que todo cidadão chinês é um espião comunista e deve ser tratado como tal. Em tal clima, os ataques racistas contra os estadunidenses de origem asiática dispararam.
A Rússia também foi alvo de uma guerra de informações semelhante, com a emissora pública russa RT tirada do ar em alguns mercados dos EUA, e sua equipe forçada a se registrar como agentes estrangeiros sob uma lei de 1938 aprovada para conter a propaganda nazista. Ambos os países [China e Rússia] também foram acusados de usar armas de microondas até então desconhecidas contra agentes secretos e diplomatas norte-americanos.
Vários artigos na mídia corporativa sugerem que o que se teme sobre as vacinas chinesas e russas não é que sejam ineficazes – mas que sejam realmente eficazes e permitam que esses países obtenham vitórias diplomáticas. “A China e a Rússia estão usando vacinas contra o coronavírus para expandir sua influência. Os EUA estão à margem”, dizia uma manchete do Washington Post. O New York Times parece concordar: “O Brasil precisa de vacinas. A China está se beneficiando [disso]”, escreveu o jornal, preocupado com o fato de a Sinopharm e a Sinovac estarem dando à China “enorme influência nas nações devastadas pela pandemia ”, e observando que o Brasil recentemente suavizou sua postura linha-dura contra a rede 5G da Huawei, supostamente em resposta à ajuda da China. A ideia de que os EUA poderiam se opor a isso usando seu enorme poder político e diplomático para renunciar aos direitos de propriedade intelectual para a produção de vacinas – o que significa que ela poderia ser produzida livremente em todo o mundo – não foi considerada.
A pandemia de coronavírus expôs profundas desigualdades em todo o mundo. Nos Estados Unidos e em outras nações ricas que as acumulam, as vacinas são abundantes e estão disponíveis gratuitamente para todos. Mas foram recebidas com enorme ceticismo por parte do público. Uma pesquisa da Morning Consult mostrou que 30% dos norte-americanos ainda são céticos em relação as vacinas ou se recusam categoricamente a ser imunizados. No que se tornou uma guerra cultural partidária, mais de 97% dos norte-americanos hospitalizados recentemente e 99,5% dos que morreram de covid-19 não foram vacinados, de acordo com o Centro de Controle de Doenças.
Enquanto isso, no Sul Global há uma grande vontade de se vacinar, que está sendo bloqueada pelas ações dos EUA. As nações ocidentais, que possuem muito mais vacinas do que poderiam usar sozinhas, recusam-se a renunciar aos direitos de propriedade intelectual, impedindo a produção mundial. As sanções dos EUA também estão impedindo Cuba de importar a matéria-prima de que precisa para aumentar a produção de suas vacinas contra o coronavírus, produzidas localmente. A ilha também tem escassez de seringas, devido ao bloqueio dos EUA, o que significa que não pode vacinar totalmente seus próprios cidadãos.
Porcentagem de pessos que receberam ao menos uma dose de vacina contra a COVID-19. (Foto: Our World in Data | Outras Palavras)
Embora muitos norte-americanos vejam o coronavírus pelo retrovisor, em todo o mundo ele ainda faz grande estrago, com mais de 8.000 pessoas morrendo diariamente e mais de meio milhão de testes positivos, na medida em que o mundo entra em uma terceira onda de infecções. Muitos países mal começaram a vacinar suas populações, e relatórios sugerem que os pobres do mundo terão que esperar até 2024 ou mais para receber uma dose. Por exemplo, a República Democrática do Congo – o terceiro maior país da África e segundo mais populoso – vacinou apenas 0,09% de seus cidadãos (menos de 1 em 1.000).
Vacinas de outros países podem ajudar a enfrentar esta escassez. No entanto, está claro que muitos em Washington não querem que isso aconteça. A mídia corporativa passou os últimos dezoito meses insistindo que “confiemos na ciência” e condenando as teorias de conspiração doméstica sobre a confiabilidade das vacinas. No entanto, quando se trata de vacinas russas ou chinesas, essa crença no método científico é sacrificada no altar da política, colocando a vida das pessoas em risco para ajudar a promover os objetivos geopolíticos da América.
A mensagem repetida para o mundo pela mídia dos EUA tem sido: “As vacinas chinesas (e russas) são ineficazes ou perigosas. Não as tome.” Além de ser factualmente incorreto, para muitos no Sul Global, Sinovac, Sinopharm ou Sputnik são suas únicas opções, o que significa que esta mensagem está colocando milhões de pessoas em perigo. Os outros [os mais pobres] não têm acesso a nenhuma vacina.
Nos EUA, o ceticismo doméstico sobre vacinas foi fortemente condenado, com indivíduos e organizações removidos das redes sociais e até mesmo impedidos de usar plataformas como o Patreon para apoiar seu trabalho. Mas o ceticismo internacional sobre as vacinas [chineses e russas] não só não é censurado, como é ativamente encorajado e impulsionado por muitas de maiores e mais confiáveis fontes de notícias dos EUA. Em um feito de extraordinária irresponsabilidade, elas estão colocando deliberadamente a vida das pessoas em risco para obter ganhos políticos.