14 Agosto 2020
"Uma vacina não devidamente testada é um risco, é claro. Mas é compreensível a pressa, diante da relação risco-benefício, no qual os riscos do Covid parecem ser maiores do que os possíveis riscos alternativos. Outra questão não resolvida é como auferir os reais riscos através dos testes em humanos, feitos com milhares de pacientes, quando esses riscos costumam ser raros e muitas vezes só observados depois que milhões de pessoas já tiveram contato com a vacina", escreve Montserrat Martins, médico, em artigo publicado por EcoDebate, 13-08-2020.
Nem a inglesa, nem a alemã, nem a americana ou a chinesa, primeira vacina a ser aplicada à população vai ser mesmo a russa, “pulando etapas” dos testes em humanos. A comunidade científica internacional alerta para os riscos de uma vacina ser lançada sem os devidos testes, mas no contexto atual é compreensível a pressa.
Você usaria a vacina russa?
Até hoje tem sido raros os efeitos colaterais causados por vacinas, mas eles acontecem como aliás acontecem com quaisquer tipos de medicamentos. Você sabia por exemplo que uma simples dipirona (que quase todo mundo já usou) pode causar uma disfunção grave da produção de leucócitos (leucopenia, por disfunção na medula óssea) em 1 a cada 40 mil pessoas que a usam? Ninguém espera ser uma em 40 mil pessoas a ser atingida por esse efeito colateral, mas ele existe.
As vacinas podem ser de vários tipos, por exemplo com vírus atenuados, ou com as proteínas do vírus, capazes de induzir a produção de anticorpos. O mais grave desses efeitos colaterais foi uma doença neurológica (Guillain Barré) que é uma doença autoimune que ataca o próprio sistema nervoso. Pois um estudo publicado na revista da Associação Médica Americana mostrou que dos 4,4 milhões de vacinados contra o H1N1, 83 deles teriam desenvolvido essa doença. Ou seja, cerca de 1 em cada 50 mil pessoas vacinadas.
Entre 2009 e 2010 a H1N1 matou cerca de 20 mil pessoas no Brasil, portanto a vacina contra H1N1 é fundamental. Agora em 2020 já são mais de 100 mil mortos por coronavírus e esse número cresce em cerca de 1000 pessoas mortas por dia, há vários meses com essa média de vítimas fatais. O risco de morte varia de uma região para outra do Brasil (no Rio de Janeiro é maior, pela deficiente rede de saúde), mas chega a 3%. Então os riscos são imensos para a pessoa contagiada, mais ainda de acordo com idade ou fatores de risco, mas não só, pois jovens sadios também já foram vitimados.
Uma vacina não devidamente testada é um risco, é claro. Mas é compreensível a pressa, diante da relação risco-benefício, no qual os riscos do Covid parecem ser maiores do que os possíveis riscos alternativos. Outra questão não resolvida é como auferir os reais riscos através dos testes em humanos, feitos com milhares de pacientes, quando esses riscos costumam ser raros e muitas vezes só observados depois que milhões de pessoas já tiveram contato com a vacina.
Você usaria a vacina russa? Eu pensaria seriamente na hipótese de usar, mesmo sabendo dos riscos da falta de todos os testes. Os paranaenses, nossos vizinhos da Região Sul, provavelmente terão esse dilema em breve, pelo convênio feito pelo governo do Paraná com os russos. E sim, é verdade que os riscos são aumentados pela falta de tidas as etapas de testes recomendados, mas também é verdade que mesmo após todos os testes podem surgir efeitos colaterais mais raros que só aparecem quando milhões de pessoas usam um determinado produto.
A ciência não é um cálculo matemático exato, é um cálculo de probabilidades. Além de termos conhecimentos científicos básicos, para compreender riscos e tomar decisões, um pouco de sorte também ajuda.
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Covid-19 e a vacina russa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU