10 Junho 2021
"A questão, no que diz respeito a Marx, é se seria correto jogar fora a experiência de alguém que aprendeu com os erros cometidos, que se deixou habitar pela inquietação dramática que eles comportam. E se seria correto julgar hoje, com os conhecimentos e as sensibilidades de 2021, fatos e procedimentos de 15/20 anos antes", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 09-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que as águas da Igreja Alemã estejam agitadas, não há dúvida. Uma visita apostólica à diocese de Colônia, o bispo de Hamburgo que coloca seu gabinete nas mãos do Papa, as tensões reais e irreais que cercam o Caminho Sinodal - e, finalmente, a publicação da carta com qual card. Marx pede ao Papa Francisco que aceite sua renúncia como bispo de Munique (nada fala, entretanto, sobre seus encargos no Vaticano, dos quais Marx evidentemente não tem intenção de desistir).
Haveria material para escrever mais de uma coluna ao dia. Entre o tanto que se escreve, merece ser relembrada a entrevista concedida pelo jesuíta Andreas Battlog - por muito tempo diretor do Stimmen der Zeit. Caracterizada por traços pessoais, de vida comum, é capaz de trazer uma visão serena sobre o caso Marx. A esperança é que Francisco não aceite sua renúncia, pelo que se sabe até agora e pelas razões apresentadas por Marx em sua carta.
Um desejo que tem seus motivos: Marx certamente cometeu erros na gestão dos casos de abusos nas Igrejas locais em que foi bispo; mas é igualmente evidente que ele aprendeu com eles, que as coisas que aconteceram não passaram e se foram, mas se gravaram profundamente em seu espírito. Tão profundamente que se tornaram o critério de um discernimento espiritual, que teve seu desfecho na carta enviada ao Papa.
Agora, Battlog observa, seria paradoxal se o primeiro papa jesuíta não procedesse ele mesmo a um discernimento espiritual sobre a questão. Isso requer tempo, oração, aprofundamento não só dos conhecimentos, mas também das sensações. O discernimento serve para evitar reações emotivas a situações que acontecem e, acima de tudo, para chegar a decisões que não são dadas como certas - exatamente porque se lê o que acontece à luz do Espírito.
E requer tempo - aquele que a impaciência da transmissão ao vivo, da sondagem de opinião perpétua, não permite. Este tempo pode parecer insuportável para aqueles que viram suas vidas violentadas pelo sistema católico da Igreja - mas, este é o preço que se deve estar disposto a pagar para buscar decisões de acordo com a justiça e, acima de tudo, que saibam render justiça às vítimas.
A questão, no que diz respeito a Marx, é se seria correto jogar fora a experiência de alguém que aprendeu com os erros cometidos, que se deixou habitar pela inquietação dramática que eles comportam. E se seria correto julgar hoje, com os conhecimentos e as sensibilidades de 2021, fatos e procedimentos de 15/20 anos antes.
Uma questão mais do que legítima e pertinente, um dever, neste caso. Uma questão por trás da qual, no entanto, reside uma espécie de cegueira sistêmica perversa da Igreja Católica, não só daquela alemã. Porque já no final da primeira década do século XXI existiam todas as condições para amadurecer a sensibilidade e as competências que hoje são adquiridas com tanto esforço.
Esses atrasos se pagam, inclusive no plano pessoal. Marx falou de "fracasso sistêmico" da Igreja alemã com relação aos abusos - a decisão a que ele chegou, por mais que o possa eventualmente honrar, tem sob muitos aspectos o sabor de uma peça ainda inteiramente interna a esse fracasso sistêmico. Battlog destaca a força de ter dito "eu", que quebrou o anonimato do "se" e do "nós" coletivos - e isso é certamente verdade. Mas a lógica sistêmica pode sacrificar todos os "eu" à sua disposição - e que pode mudar à vontade - permanecendo completamente imune àquela força que aspiraria a ser pelo menos um pouco subversiva.
Almejamos que seja o último, mesmo que haja muitos indicadores que nos digam que não será assim - porque a alemã, que agora se tornou plenamente consciente da natureza sistêmica do seu fracasso, não é a única Igreja que compõe a catolicidade. Vamos nos preparar para ver a mesma cena de remoção sistêmica do fracasso em outros lugares - e isso não deveria nos surpreender.
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Marx e a Igreja alemã. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU