02 Junho 2021
O Papa Francisco ordenou investigar o arcebispo de Colônia, porém há algum tempo que o problema excede a dimensão dos meros erros de alguns hierarcas da Igreja Católica.
O artigo é de Christoph Strack, publicado por Deutsche Welle, 31-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O drama em torno da situação da Igreja Católica na cidade alemã de Colônia, e mais além de lá, segue vigente. Agora o Vaticano investiga formalmente o arcebispado dessa cidade. O cardeal de Colônia, Rainer Maria Woelki, diz que interpreta essa investigação como uma “visita apostólica”, mas não como uma “declaração de desconfiança”. Meu Deus...
Poderia o Papa dizer a um arcebispo “desconfio de ti”? Se assim fosse, o sumo pontífice da Igreja Católica, que possui o poder de um soberano absolutista, poderia então despedir os seus mais próximos subordinados, e o cardeal Woelki é um deles. Que o Papa é capaz de fazê-lo, demonstrou há poucos meses, quando perdeu a confiança no cardeal da cúria Angelo Becciu. Porém essa não é a regra.
E Woelki? E o arcebispado de Colônia, um dos mais ricos e influentes da Igreja? O Papa não pode, apesar de tudo, ordenar muito mais que uma “visita apostólica”. O Vaticano não apelou a essa medida nem sequer no caso do ex-bispo de Limburg, Franz Peter Tebartz-van Elst, que construiu uma residência de luxo. Esses tipos de controles em nome do Papa são extremamente pouco frequentes. E se observar os exemplos até essa data, pode se dizer que em todas partes a coisa cheirava mal.
Em Colônia, o arcebispo, a quem aprecio como pastor e pregador, ocultou um suposto caso de abuso sexual em que está implicado um padre há tempo conhecido por ele, e que conta com abundância de testemunhos. Mas há ainda mais. A confiança na arquidiocese de Colônia foi perdida. Os fiéis deixam a Igreja em massa e os que ficam falam abertamente de sua vergonha. Dezenas de padres se distanciaram de sua arquidiocese por meio de uma carta aberta. 14 dos 15 reitores da cidade – entre eles, conservadores e liberais – criticam duramente a liderança da arquidiocese. E o arcebispado mais importante da Alemanha está em uma situação dramática.
Com certeza, há discussões sobre reformas também, mas os principais temas são: confiança, responsabilidade e a credibilidade da direção espiritual. E você nem pode mais falar em dar o exemplo. No entanto, quem vota a favor da aposentadoria de Woelki fica aquém. Muito mais está em jogo.
A breve declaração da embaixada do Vaticano na Alemanha, de cerca de quatro frases, não carece de clareza, mas continua obscura o suficiente para deixar espaço para especulações. Fala-se de uma “complexa situação pastoral” na Arquidiocese de Colônia e de “possíveis erros”. E, quanto a eventuais erros, nomeia – nessa ordem – o cardeal Woelki, o arcebispo de Hamburgo, Stefan Hesse, os bispos auxiliares de Colônia, Dominikus Schwaderlapp e Ansgar Puff. Estes três últimos já ofereceram a renúncia ao Papa há dois meses e meio e ainda aguardam uma decisão.
Mas aqui não são simplesmente quatro clérigos de alto escalão. Trata-se de quatro hierarcas eclesiásticos que fazem parte de um sistema. Como todos são oriundos do arcebispado de Colônia, onde fizeram carreira sob o comando do predecessor de Woelki, o cardeal Joachim Meisner, um ícone do catolicismo conservador mais reacionário, eles são representantes do “sistema Meisner”. Todos eles se comprometeram ativamente, como sucessores, a limitar os danos, ou encobrimento. E o “sistema Meisner”, para o qual os autores dos abusos eram “irmãos no nevoeiro” – e foi evidentemente quem lançou esse nevoeiro – é um sistema semelhante aos que existem em muitos países do mundo católico, e eles sempre existiram.
Essas são as questões sistêmicas fundamentais que precisam ser abordadas. Se o Papa sancionou repetidamente, durante meses, bispos na Polônia, o país modelo da fé católica e da ideologia da hierarquia eclesiástica, esse é o melhor exemplo de que Francisco está começando a colocar ordem. Mas essas sanções por si só não mudarão o sistema ou as estruturas. No Chile, o Papa ordenou, e também no México e no Peru, assim como em alguns países da Europa, Ásia e África. Os “castigos” são, quase sempre, a renúncia a comparências oficiais, uma doação a organizações de vítimas de abusos, a perda de privilégios pessoais especiais, como os monumentos fúnebres na igreja do episcopado. Aqueles que criticam Francisco há tempos – a mídia reacionária da Igreja nos Estados Unidos e na Alemanha – não o difunde.
Mas a questão das estruturas na Igreja Católica torna-se cada vez mais urgente. Com que honestidade a Igreja trata questões como violência sexual, poder clerical, seus abusos e perversões? E por isso, entretanto, muitos católicos já veem uma grande necessidade de uma atitude diferente da Igreja em relação à liderança espiritual, sexualidade, direitos das mulheres e homossexualidade.
No Pentecostes, o Papa Francisco, de 84 anos, delineou as perspectivas da Igreja para os próximos dois anos e impôs tarefas vinculativas – um marco histórico. Em todo o mundo, muito em breve as conferências episcopais realizarão sínodos nacionais, ou “caminhos sinodais”, ou seja, processos conjuntos de debate com bispos e leigos, ou seja, algo parecido com o que já existe na Alemanha desde 2019, pelo qual os bispos são criticados, e não apenas pelos cardeais da Cúria. Desde o anúncio do Papa, alguns bispos americanos insultam a Igreja alemã, acusando-a de deslizar toda a Igreja Católica para um cisma. Isso mostra a gravidade do assunto.
Francisco planeja debater em 2023 sobre as estruturas fundamentais da Igreja em Roma. Se o resultado for que tudo continue igual, como tem sido até agora, não importa quem dirige o arcebispado de Colônia, como o dirige ou como trata os católicos. Se ainda houver muitos sobrando.
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Credibilidade da Igreja Católica: algo anda mal no arcebispado de Colônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU